Lemmy e o nosso tempo: liberdade anárquica que ameaçava e assustava
Marcelo Moreira
Lemmy Kilmister sempre ironizava Keith Richards no começo dos anos 2000. Meio na brincadeira, meio a sério, considerava-se o verdadeiro "highlander", o imortal do rock, diante do que já tinha passado e vivenciado no rock.
"Keith é um dos grandes, o maioral talvez, e é um imortal também, mas ficou rico aos 20 anos de idade com o sucesso dos Stones. Eu camelei e fiz muita coisa antes de ver algum dinheiro com mais de 30 anos de idade, com o Motorhead. E Keith é só dois anos mais velho que eu", zombou o cantor e baixista do Motorhead, instituição metálica, em declaração à revista norte-americana Kerrang!
O duro é ter de admitir que o stone venceu mais uma. Surpreendentemente, o roqueiro que mais tinha condições de lura pela condição de "imorrível" dentro do rock sucumbe a um suposto câncer agressivo e devastador ao final de 2015.
Ian Fraser "Lemmy" Kilmister, o músico inglês "nascido para perder, mas que viveu para vencer", conforme a letra de uma de suas músicas, morreu quatro dias depois de completar 70 anos de idade, após cinco anos de complicações de saúde sérias.
Desde 2010 Lemmy cambaleia devido a uma agenda cheia com compromissos incessantes de shows e gravações, mesmo com o freio nos excessos etílicos por conta de recomendações médicas.
O maior dos combatentes do rock se gabava de jamais ter cancelado um show até então por causa da banda – sempre foram problemas externos e alheios ao trio – outrora quarteto.
A nota oficial sobre a morte, publicada no site do Motorhead, dá conta de um "câncer agressivo e devastador" descoberto no dia 26 de dezembro, moléstia que teria provocado a morte em apenas dois dias.
Na verdade, esse detalhe pouco importa, até mesmo em razão das precárias condições de saúde dos últimos anos de Lemmy – teve problemas de coração em 2013, e foi obrigado a cancelar o show no Monsters of Rock de São Paulo, em 2015, por conta de um sério distúrbio estomacal-instestinal.
Firme, mas nem tanto
O tempo cobrou a conta de Keith Richards, inclusive com uma delicada operação no cérebro em 2006, mas o vovô ainda está aí, tocando para milhares de fãs nas comemorações dos 53 (!!!!) anos de carreira dos Rolling Stones.
A conta também chegou a Lemmy, de forma mais pesada e complicada, dois anos atrás, quando problemas gástricos e cardíacos forçaram o guerreiro do metal a dar um tempo e cancelar shows – algo inédito até então.
E isso ficou bem claro quando a banda Motorhead lançou a versão deluxe do álbum "Aftershock", de 2013, que é um bom álbum do trio, oficialmente lançado em 2014 com o nome de "Aftershock Tour Edition), com produção de Cameron Webb. O subtítulo nos Estados Unidos é "Best Of The West Coast Tour 2014".
O segundo CD, que é bônus, traz uma série de clássicos da banda gravados ao vivo ao longo da turnê 2012-2013 pela Europa e pelos Estados Unidos, e o que vemos é uma banda sem a mesma pegada de antes, com Lemmy bastante cansado em algumas músicas.
Não chega a ser ruim ou desesperador, mas quem conhece a pegada da banda ao vivo percebe claramente que a situação está bem diferente – e não muito boa.
As gravações do CD bônus trazem quase nada de produção – propositalmente ou não. A mixagem deixou o som cru, como foi gravado diretamente da mesa, parecendo um bootleg gravado diretamente da mesa, com os prós e contras disso.
O público está um pouco distante, com o produtor preferindo realçar a performance da banda. E o que podemos escutar é a banda mais lenta, menos letal e menos energética, soando bem mais bluesy do que o normal.
Lemmy tenta manter o pique em "Damage Case", mas falta fôlego na metade da música. Situação semelhante vemos em "Metropolis".
O baterista Mikkey Dee segura a onda, mas Lemmy se esforça para acompanhar, e o guitarrista Phil Campbell se esforça, mas em algum momento após o primeiro solo da música a coisa desanda.
A voz de Lemmy quase some em "Over the Top", embora haja algum fôlego para o superhit "Ace of Spades", mas o encerramento com a maravilhosa e apoteótica "Overkill" soa pálida, estranha e sem a força necessária.
Resistência heroica
Lemmy já dava mostras de que o gás estava acabando, mas era comovente ver a dedicação e a força com que esticava sua carreira em cima dos palcos. Assim como Richards, Jimi Hendrix e mais uma dúzia de gênios, o líder do Motorhead era um dos sinônimos do termo rock and roll.
Sua carreira de 53 anos como músico – 40 de Motorhead – mostraram que era possível ser mais ameaçador e mais perigoso do que muitos revolucionários de todos os matizes em seu tempo: literalmente, Lemmy fazia o queria. tocava o que queria e não se importava com as reprovações ou a falta de dinheiro ( nos primeiros tempos, é claro). Existe coisa mais perigosa, subversiva e ameaçadora para qualquer status quo do que um verdadeiro e sincero "foda-se"?
Lemmy is God, Long Live Lemmy Rock'n'Roll… (mensagem escrita por um fã no site oficial do Motorhead).
Sobre os Autores
Sobre o Blog
Contato: contato@combaterock.com.br
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.