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Lemmy e o nosso tempo: liberdade anárquica que ameaçava e assustava

Combate Rock

29/12/2015 07h00

Marcelo Moreira

Lemmy, do Motorhead (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Lemmy, do Motorhead (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Lemmy Kilmister sempre ironizava Keith Richards no começo dos anos 2000. Meio na brincadeira, meio a sério, considerava-se o verdadeiro "highlander", o imortal do rock, diante do que já tinha passado e vivenciado no rock.

"Keith é um dos grandes, o maioral talvez, e é um imortal também, mas ficou rico aos 20 anos de idade com o sucesso dos Stones. Eu camelei e fiz muita coisa antes de ver algum dinheiro com mais de 30 anos de idade, com o Motorhead. E Keith é só dois anos mais velho que eu", zombou o cantor e baixista do Motorhead, instituição metálica, em declaração à revista norte-americana Kerrang!

O duro é ter de admitir que o stone venceu mais uma. Surpreendentemente, o roqueiro que mais tinha condições de lura pela condição de "imorrível" dentro do rock sucumbe a um suposto câncer agressivo e devastador ao final de 2015.

Ian Fraser "Lemmy" Kilmister, o músico inglês "nascido para perder, mas que viveu para vencer", conforme a letra de uma de suas músicas, morreu quatro dias depois de completar 70 anos de idade, após cinco anos de complicações de saúde sérias.
Desde 2010 Lemmy cambaleia devido a uma agenda cheia com compromissos incessantes de shows e gravações, mesmo com o freio nos excessos etílicos por conta de recomendações médicas.

O maior dos combatentes do rock se gabava de jamais ter cancelado um show até então por causa da banda – sempre foram problemas externos e alheios ao trio – outrora quarteto.

A nota oficial sobre a morte, publicada no site do Motorhead, dá conta de um "câncer agressivo e devastador" descoberto no dia 26 de dezembro, moléstia que teria provocado a morte em apenas dois dias.

Na verdade, esse detalhe pouco importa, até mesmo em razão das precárias condições de saúde dos últimos anos de Lemmy – teve problemas de coração em 2013, e foi obrigado a cancelar o show no Monsters of Rock de São Paulo, em 2015, por conta de um sério distúrbio estomacal-instestinal.

Firme, mas nem tanto

O tempo cobrou a conta de Keith Richards, inclusive com uma delicada operação no cérebro em 2006, mas o vovô ainda está aí, tocando para milhares de fãs nas comemorações dos 53 (!!!!) anos de carreira dos Rolling Stones.

A conta também chegou a Lemmy, de forma mais pesada e complicada, dois anos atrás, quando problemas gástricos e cardíacos forçaram o guerreiro do metal a dar um tempo e cancelar shows – algo inédito até então.

E isso ficou bem claro quando a banda Motorhead lançou a versão deluxe do álbum "Aftershock", de 2013, que é um bom álbum do trio, oficialmente lançado em 2014 com o nome de "Aftershock Tour Edition), com produção de Cameron Webb. O subtítulo nos Estados Unidos é "Best Of The West Coast Tour 2014".

O segundo CD, que é bônus, traz uma série de clássicos da banda gravados ao vivo ao longo da turnê 2012-2013 pela Europa e pelos Estados Unidos, e o que vemos é uma banda sem a mesma pegada de antes, com Lemmy bastante cansado em algumas músicas.

Motorhead (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Motorhead (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Não chega a ser ruim ou desesperador, mas quem conhece a pegada da banda ao vivo percebe claramente que a situação está bem diferente – e não muito boa.

As gravações do CD bônus trazem quase nada de produção – propositalmente ou não. A mixagem deixou o som cru, como foi gravado diretamente da mesa, parecendo um bootleg gravado diretamente da mesa, com os prós e contras disso.

O público está um pouco distante, com o produtor preferindo realçar a performance da banda. E o que podemos escutar é a banda mais lenta, menos letal e menos energética, soando bem mais bluesy do que o normal.

Lemmy tenta manter o pique em "Damage Case", mas falta fôlego na metade da música. Situação semelhante vemos em "Metropolis".

O baterista Mikkey Dee segura a onda, mas Lemmy se esforça para acompanhar, e o guitarrista Phil Campbell se esforça, mas em algum momento após o primeiro solo da música a coisa desanda.

A voz de Lemmy quase some em "Over the Top", embora haja algum fôlego para o superhit "Ace of Spades", mas o encerramento com a maravilhosa e apoteótica "Overkill" soa pálida, estranha e sem a força necessária.

Resistência heroica

Lemmy já dava mostras de que o gás estava acabando, mas era comovente ver a dedicação e a força com que esticava sua carreira em cima dos palcos. Assim como Richards, Jimi Hendrix e mais uma dúzia de gênios, o líder do Motorhead era um dos sinônimos do termo rock and roll.

Sua carreira de 53 anos como músico – 40 de Motorhead – mostraram que era possível ser mais ameaçador e mais perigoso do que muitos revolucionários de todos os matizes em seu tempo: literalmente, Lemmy fazia o queria. tocava o que queria e não se importava com as reprovações ou a falta de dinheiro ( nos primeiros tempos, é claro). Existe coisa mais perigosa, subversiva e ameaçadora para qualquer status quo do que um verdadeiro e sincero "foda-se"?

Lemmy is God, Long Live Lemmy Rock'n'Roll… (mensagem escrita por um fã no site oficial do Motorhead).

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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