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Os 40 anos do Rainbow, banda que resgatou o guitarrista Ritchie Blackmore

Combate Rock

23/09/2015 06h46

Marcelo Moreira

 

Ritchie Blackmore no auge do Rainbow, na segunda metade dos anos 70 (FOTO: DIVULGAÇÃO0

Ritchie Blackmore no auge do Rainbow, na segunda metade dos anos 70 (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Qualquer um estaria rindo e se deliciando. Sua banda vinha em um sucesso crescente, apesar das turbulências internas. Depois de quatro anos com a formação estável, o vocalista e o baixista saem. O difícil processo de seleção dos substitutos coloca um ponto de interrogação no futuro. Mas eis que o primeiro álbum com os novatos estoura de vendas, com o surgimento de um dos maiores hits de todos os tempos.

Qualquer um ficaria feliz, mas o guitarrista Ritchie Blackmore não ficou. No máximo, estava satisfeito com o sucesso do álbum "Burn", do Deep Purple, de 1974, com David Coverdale (vocais) e Glenn Hughes (baixo e vocais) nos lugares de Ian Gillan (vocais) e Roger Glover (baixo).

Irascível, genioso e perfeccionista, Blackmore sentiu que a mudança  de direção musical foi brusca demais. O Deep Purple ainda era pesado, mas estava mais funky e mais black, com nítidas tendências para a soul music.

A coisa piorou quando, no mesmo ano, veio "Stormbringer", outro excelente álbum, mas que aprofundou as tendências citadas graças às composições de Coverdale e Hughes.

A banda ficou incontrolável por conta dos abusos de drogas e álcool dos novatos e da passividade e omissão dos antigos companheiros fundadores – Jon Lord (tecladista) e Ian Paice (baterista).

A turnê europeia de 1975 foi a gota d'água e Blackmore não teve remorso algum em abandonar o seu grupo, que fundara em 1967, para criar o seu projeto sem ter de aturar novatos enxeridos e o pouco caso dos antigos colegas.

Assim, há 40 anos, Ritchie Blackmore saía do Deep Purple para criar o majestoso Rainbow, que começou como Ritchie Blackmore's Rainbow, uma das grandes bandas de rock dos anos 70.

Os tempos logo se mostrariam difíceis, mas o guitarrista foi em frente e ousou em diversos aspectos, mostrando o caminho que o Purple teria trilhado caso ele continuasse.

Chefão autoritário e exigente

Sem ter de dividir solos e harmonias com o genial Jon Lord, Blackmore adicionou mais peso ao seu som, com grandes solos em músicas muito inspiradas, graças à ajuda inestimável de Ronnie James Dio, que finalmente via  o sucesso chegar tardiamente.

O Rainbow absorveu totalmente a banda ELF, do vocalista Dio, por indicação de Roger Glover, que tinha virado produtor e reatado a amizade com o guitarrista – três anos depois, assumiria o baixo da banda.

Enquanto Dio esteve na banda o Rainbow brilhou, especialmente com o fim do Deep Purple, em 1976, com as pausas de Who e Led Zeppelin na segunda metade da década de 70, com a mudança de direção artística do Queen e com o ocaso e decadência criativa de Black Sabbath e Uriah Heep. Sobraram apenas o Thin Lizzy, o Bad Company, o Kiss e o Aerosmith para competir.

Com o Rainbow mostrando entrosamento e vigor, Blackmore ressurgiu como protagonista no chamado hard rock setentista, ainda que houvesse inúmeras mudanças na formação.

Capa do programa oficial dos shows da turnê de 1977-1978,, do disco 'Long Live Rock'n'Roll': da esq. para a dir., Blackmore, Bob Daisley (baixo), David Stone (teclados), Dio (vocais) e Cozy Powell (bateria)

Capa do programa oficial dos shows da turnê de 1977-1978,, do disco 'Long Live Rock'n'Roll': da esq. para a dir., Blackmore, Bob Daisley (baixo), David Stone (teclados), Dio (vocais) e Cozy Powell (bateria)

 

Com rígido comando, o guitarrista construiu ao lado de Dio uma sólida carreira musical e com hits poderosos, como "Man on the Silver Mountain", Kill the King", "Catch the Rainbow" e o hino "Long Live Rock'n'Roll".

Transitando com maestria entre o hard e o heavy, o Rainbow serviu de base e influência para a chamada New Wave of British Heavy Metal em 1980. Ao lado do Judas Priest, enfrentou com dignidade a praga da disco music e a iconoclastia do movimento punk,

Dio não resistiu por muito infelizmente, saindo em 1978 após três grandes álbuns de estúdio e um ao vivo. Blackmore queria suavizar o som e soar mais pop, com canções de amor.

O vocalista se opôs e se recusou a escrever letras românticas, e aproveitou a deixa para se livrar da ditadura musical e administrativa. NO ano seguinte, assumiria os vocais do Black Sabbath no lugar de Ozzy Osbourne.

"Ritchie é um vampiro artístico, suga tudo o que pode das pessoas que estão ao se u lado e que trabalham com ele. Além disso, tudo só acontece com a sua aprovação, não há liberdade ao seu lado", comentou em entrevista coletiva em São Paulo em 1992, quando se apresentou com o Black Sabbath por aqui.

Mais acessível

Blackmore seguiu em frente e sua vontade foi feita. Com Graham Bonnet, então um cantor inglês sem grande destaque que tentava decolar em Los Angeles, o som ficou mais acessível, tanto que a música mais importante do período, "Since You Been Gone", é uma versão para um clássico do compositor pop Russ Ballard – conhecido em parte por compor parte expressiva das canções da carreira solo de Roger Daltrey (The Who).

A versão ficou ótima e pesada, e fez sucesso, assim como o álbum "Down to Earth", de 1979, mas não foi o bastante para o guitarrista. Bonnet não durou muito, já que nunca foi fã de heavy metal e odiava a ditadura blackmoriana.

Coube ao jovem dócil e deslumbrado Joe Lynn Turner assumir os vocais, acentuado o viés pop e mais acessível. Foram quatro anos de tentativas interessantes, mas sem o mesmo brilho do começo – ficou a sensação de que os fãs antigos torceram o nariz e nao aprovaram, sem que conquistasse muitos novos fãs.

O álbum "Difficult to Cure" até que deu um alento à banda, mas os dois seguintes venderam bem menso do que o esperado, e o inevitável acabou acontecendo: a formação clássica do Deep Purple voltou a se reunir em 1984, com Gillan e Glover de volta, e um reticente Blackmore aceitando, já que o Rainbow tinha sido engolido pelo Iron Maiden, pelo Judas Priest, por Ozzy Osbourne, pelo Def Leppard e pelo Saxon.

Além da inquestionável qualidade musical, a importância do Rainbow é a de resgatar em Blackmore o prazer de tocar e de criar rock de qualidade. Nem mesmo a volta desnecessária da banda, em 1995, com o pouco inspirado "Stranger in Us All", com o então aspirante a astro Dougie White nos vocais, foi suficiente para manchar a trajetória vitoriosa do arco-íris pesado.

FOTO: DIVULGAÇÃO

Blackmore em foto promocional de seu projeto de música folk/medieval que mantém com a esposa, o Blackmore's Night (FOTO: DIVULGAÇÃO)

 

Lenda

Esquivo e recluso, Blackmore nunca foi de dar entrevistas, ao mesmo tempo em que nunca se preocupou com meias palavras. Suas contendas com o vocalista Ian Gillan nos tempos de Deep Purple são apenas um exemplo de que o guitarrista fazia o possível para manter o controle da carreira e das bandas onde tocou. Aparentemente, só o amigo Jon Lord escapava de sua ira.

Independente da personalidade forte e temperamental, o septuagenário guitarrista está em qualquer lista de influências de grandes guitarristas dos anos 70 e 80. Faz parte de um seleto grupo de ases do instrumento que transformaram o rock no que ele é – gente como Jimi Hendrix, Eric Clapton, Jimmy Page, Jeff Beck, Tony Iommi, Keith Richards, Pete Townshend e Steve Howe.

Persistente e culto, demorou para estourar no mundo pop, onde debutou em 1964. Após passar por várias formações, encontrou no "maestro" Jon Lord e no virtuoso Ian Paice os parceiros ideais para destilar seu estilo de extrema técnica e com totais influências do mundo erudito, indo de Bach, Beethoven e Brahms a Toscanini e Mendelsohn.

Com a formação do Deep Purple em 1967, Blackmore experimentou um gostinho do sucesso, mas ainda insuficiente para sua ambição. O rock progressivo, psicodélico e experimental dos três primeiros álbuns, dominados por Lord, deram lugar ao rock pesado em 1969, com o estouro da banda a partir do álbum "In Rock" e novos integrantes – Gillan e Glover.

Gênio reconhecido, virou referência máxima do instrumento e até hoje recebe homenagens no mundo inteiro. Os brasileiros só tiveram duas oportunidade de vê-lo ao vivo, em 1991 com o Deep Purple e em 1995 com a última encarnação do Rainbow. Mesmo mal humorado, fez questão de mostrar as suas qualidades na maior parte dos shows por aqui.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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