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Mais conservadores, roqueiros partem para a desqualificação e intolerância

Combate Rock

19/08/2015 07h00

Marcelo Moreira

Um dos historiadores mais conceituados do século XX, o inglês Eric Hobsbawn, de orientação marxista, escreveu algumas obras importantes, entre elas uma autobiografia chamada "Tempos Interessantes" (editora Record). Se estivesse vivendo no Brasil (ele morreu em 2012, aos 95 anos), certamente publicaria algo chamado "Tempos Preocupantes".

Quando se imaginava que o Brasil tinha espantado alguns fantasmas de 50 anos atrás, eis que que espectros retornam e tomam conta de alguns "pedaços" das redes sociais pregando ruptura institucional e ditadura militar.

Não é de se admirar que artistas em geral estejam bastante cautelosos em suas manifestações pessoais no campo político diante da polarização raivosa e da desagradável discussão de arquibancada que predomina na maioria das "conversas" sobre a crise político-econômica.

Muitos aproveitaram o espírito cívico e o clima instigante das manifestações de 2013 e entraram em campo, seja em declarações a TVs e rádios, seja em redes sociais. A maioria foi duramente atacada e desqualificada.

Parte expressiva tentou de novo em 2014, durante a eleição presidencial, e os espancamentos virtuais, de ambos lados, foram mais violentos.

Os protestos de 2015 escancararam, no quesito música, o que já se suspeitava: os roqueiros estão mais conservadores e intolerantes. É só observar os fóruns, redes sociais e espaços para comentários em notícias nos grandes portais.

A amostra é bem pequena, mas quando o Combate Rock abordou os xingamentos e o desrespeito de Lobão e seu público à presidente Dilma Rousseff, e depois a abordagem mais elegante e conciliatória dos Titãs, em show em Cuiabá, pregando o apoio à democracia e o respeito à Constituição.

 

Em quase mil comentários de internautas na soma dos dois textos, sobraram ódio, ressentimento e desqualificação. Predominaram a falta de bom senso, informação e argumentos, de ambos os lados.

No entanto, uma rápida amostragem mostrou um índice superior a 70% de comentários raivosos contra o PT e o governo federal.

O índice de fúria entre os que defendem Dilma Rousseff – que apoiaram os Titãs e criticaram Lobão – foi menor, mas a desinformação e a desqualificação estiveram presentes com força.

Foram poucos textos de músicos ou de veículos de comunicação que abordaram a questão da crise política atual dentro da música ou repercutindo a posição de roqueiros.

E surpreendeu o índice de rejeição alto do governo federal – e mais ainda a virulência dos ataques, recheados de preconceito, discriminação e completa falta de educação.

Tentamos focar em conteúdo que focava no rock, e a conclusão é de que o conservadorismo avançou entre os roqueiros – o que não é ruim nem bom, é apenas uma constatação, pura e simples.

O que é péssimo e assusta é o baixíssimo nível da argumentação – na maioria das vezes, a desqualificação do "oponente" é o único argumento, sempre acompanhado de palavrões e xingamentos.

Se não bastasse, a situação piora ainda mais quando o baixo nível de argumentação e a desinformação ganham a companhia da intolerância típica das torcidas organizadas do futebol: o respeito é soterrado por toneladas de preconceito e ira, e o oponente é tratado com um inimigo que precisa ser extirpado ou exterminado.

Literalmente, esses termos foram bastante utilizados por gente que diz gostar de rock, que diz ter "mente aberta" e que se diz informada. E, obviamente, esse universo inclui um número considerável de músicos.

O Combate Rock desconfiou, mas foi instigado a fazer várias observações a respeito do assunto por conta de amigos que ainda hoje insistem em dizer que o meio roqueiro é mais arejado e, de certa forma, um pouco mais progressista, mais aberto a debates e novas ideias justamente pela natureza artística e cultural da atividade.

É possível que isso ocorra em ambientes bem específicos e localizados. O clima político atual, principalmente pós-manifestações de 16 de agosto, indica que a predominância é da intolerância, em maior ou menor grau – o que é um reflexo nem um pouco suspreendente do que ocorre em outros ambientes da sociedade. Lamentavelmente, quase não há diferença nenhuma.

O fato de o público roqueiro estar mais conservador, ou de o pensamento conservador ter avançado bem mais do que o esperado no meio, me hipótese alguma é um problema. É uma constatação, um fato.

Entretanto, bem mais disseminados do que na esquerda, a intolerância, a desqualificação e ódio dominam os opositores do PT e do governo federal – sempre  lembrando que a amostragem do Combate Rock contempla textos publicados no UOL sobre o assunto, blogs, portais e sites de veículos de comunicação.

Coroando esse cenário apocalíptico, é possível constatar que não são exceções os comentários bradando por uma ruptura institucional, por um solapamento da democracia e pela intervenção militar, com a eventual instalação de uma dituadura que proceda a exclusão de "esquerdistas" da vida política.

são apenas fantaasmas, por enquanto, mas o que incomoda é que estes deveriam estar devidamente sepultados, e bem fundo, em criptas isoladas e blindadas em nossas mentes e no ideário político brasileiro.

A democracia ainda incomoda 50 anos depois do execrável golpe militar de 1964 e 30 anos após o restabelecimento da normalidade política. E justamente os roqueiros, que muitas vezes foram párias de uma sociedade autoritária nos anos 60 e 70 e vítimas, como tantos outras de quase todos os segmentos. Muito triste mas, sobretudo, muito tenso…

 

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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