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Muddy Waters 100 anos: a celebração da personificação do blues

Combate Rock

10/08/2015 06h50

Marcelo Moreira

O clube noturno era pequeno, escuro e esfumaçado, como tem de ser todo local que toca blues. O mestre estava lá tocando com sua banda, na casa que pertencia a um discípulo e grande amigo. De repente, alguém grita que os astros que estavam na cidade tinham chegado.

Imponente, apesar da saúde frágil, com sua voz rouca e potente, chama os visitantes para uma "canja" ao final da apresentação naquele boteco. Como crianças e meros aprendizes, os visitantes reverenciaram o mestre, que lhes deu alguma atenção e respeito, mas que deixou claro quem era o "cara" naquele lugar.

A cena está no fantástico DVD/Blu-Ray lançado anos atrás, "Muddy Waters & The Rolling Stones Live at the Checkerboard Lounge Chicago 1981". Astro principal da noite na casa de propriedade de Buddy Guy, em Chicago, Muddy Waters se deliciou ao ver Mick Jagger e Keith Richards babando e exultantes por estar ao lado de um de seus ídolos – talvez o maior ídolo dos Stones.

B.B. King, que morreu meses atrás, aos 89 anos, era o "rei do blues", com toda a justiça, mas Muddy Waters, nascido McKinley Morganfield, era a própria personificação do gênero.

 

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Depois dos pioneiros das gravações, como Robert Johnson e Charlie Christian, tornou-se o nome mais importante do blues elétrico a partir dos anos 40, suplantando as lendas do blues antigo, Blind Lemon Jefferson, Blind Willie McTell, Big Mama Thornton e muitos outros. Ainda hoje, para muitos, seu nome é sinônimo de blues, até mais do que gênio B.B. King.

O centenário de nascimento do mestre Muddy Waters está sendo comemorado com certa discrição, mas com uma bela amostra da longeva carreira do cantor e guitarrista. "100" é uma compilação destinada a resgatar a memória do músico e apresentá-lo a um público que pouco ou nada conhece de sua obra.

Os produtores, é verdade deram uma "incrementada" no produto, abusando do recurso de inserir gravações de "convidados" às gravações originais, no mesmo esquema feito com Nat King Cole, que fez um "dueto" coma  filha Natalie – o pianista morreu nos anos 60, e a voz de Natalie, inserida nos anos 90.

Morto aos 68 anos de idade em 1983, Waters soa enérgico e imponente, como sempre, mas ganhou a companhia da expimia cantora Shemekia Copeland em "Got My Mojo Working" – a moça era criancinha quando o mestre morreu.é

É o mesmo caso do ás da guitarra Derek Trucks, que aparece em "Still a Fool". Na mesma toada, o novo queridinho do blues, Gary Clark Jr, acrescenta um molho diferente em "Forty Days and Forty Nights".

Sem invenções, algumas gravaçoes originais são preservadas, mas passaram por um tratamento – masterização e nova mixagem. Antigos amigos são o destaque em algumas faixas, como o genail gaitista James Cotton, que fez parte por muitos anos da banda do mestre. Ele aparece em "I Feel So Good" e "Good News".

Johnny Winter, o guitarrista texano endiabrado que morreu recentemente, aos 70 anos, é o destaque em "I'm Ready", enquanto que, sozinho, Waters brilha na incônica "Mannish Boy".

"100" serve para marcar o centenário do grande bluesman, mas é apenas uma porta de entrada para o mundo precioso do blues, principalmente por se tratar de um artista que fez a transição entre os primórdios do blues e a fase eletrificada e amplificada do gênero.

Mestre e discípulo: Muddy Waters dá uma pequena auinha para Mick Jagger em 1981 (FOTO: REPRODUÇÃO DE VÍDEO)

Mestre e discípulo: Muddy Waters dá uma pequena auinha para Mick Jagger em 1981 (FOTO: REPRODUÇÃO DE VÍDEO)

Cabeça erguida, seguindo sempre em frente

De todos o bluesmen históricos norte-americanos, Muddy Waters era o menos rancoroso em relação ao sucesso que os roqueiros brancos dos dois lados do Atlântico conseguiram desde os anos 60.

Gente como Sonny Boy Williamson II e Howlin' Wolf, por exemplo, nunca perdia a oportunidade de menosprezar os "branquelos usurpadores" do som dos negros – e que ficaram milionários.

O primeiro frequentemente destratava as estrelas inglesas que lhe faziam suporte em turnês pela Inglaterra. Wolf repetia o mesmo comportamento quando visitava Londres e gravava com os pupilos famosos que babavam ao verem a então lenda viva.

Até nisso Waters era magnânimo, além de muito autoconfiante. Tinha ressentimento, mas engolia seco e ia em frente. Mas não se conteve quando recebeu meio de última hora os Rolling Stones em um show em Chicago, em 1981.

Existem vários vídeos não oficiais que  sempre mostraram um já milionário Mick Jagger, babando, com cara de fã encantado, ao lado do velho bluesman durante a execução de "Champagne and Reefer", tendo ao fundo Keith Richards na guitarra,  humilde e intimidado. Muddy Waters toma conta do palco de maneira soberba e incontestável, mostrando quem é que mandava naquele pedaço.

Diante disso, o já citado "Muddy Waters & The Rolling Stones Live at the Checkerboard Lounge Chicago 1981", lançado em CD e em DVD (inclusive com versão brasileira), é memorável e também serve de maostra do poder da música e da presença de palco do mestre.

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O material traz o registro completo da jam comandada pelo mestre blueseiro. Foi em novembro de 1981, durante uma turnê pelos Estados Unidos, que o grupo britânico aproveitou uma noite livre em Chicago para conferir o ídolo de perto, no clube que pertencia a Buddy Guy, The Checkerboard Lounge.

Cronistas da época publicaram que, na ânsia de dar o troco pelo "sucesso consegudo por meio da apropriação de sua música e gênero", Waters chamou ao palco Mick Jagger, Ron Wood, Keith Richards e Ian Stewart (pianista e um dos membros fundadores dos Stones). E mostrou que era relamente o "cara do blues" – a performance também contou com os fantásticos Buddy Guy e Junior Wells em boa parte do show.

É desnecessário dizer que esse material é muito mais do que obrigatório para quem gosta de boa música e coleciona momentos memoráveis do rock e do blues.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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