Blues Brasil: Ari Borger, Val Tomato e Michel Leme esbanjam competência
Marcelo Moreira
A cena bem que poderia ter sido assim. O gaitista paulista Val Tomato chamou sua banda, entrou no estúdio e gravou nove canções próprias, tudo muito rápido e simples, assim como o guitarrista paulista Michel Leme em seu novo trabalho: seis temas elaborados, mas gravados em uma só tomada no salão de uma igreja.
Os dois músicos mostraram que não é preciso mais do que isso para fazer música de qualidade. O blues e o jazz que fizeram em seu mais recentes CDs ampliam a esperança de que a tecnologia não vai solapar a criatividade – e que a simplicidade mostra que, me boa parte das vezes, menos é sempre muito mais.
Os dois e o pianista Ari Borger, também de SãoPaulo, estão colocando nas lojas seus mais recentes trabalhos. Despojados e com produção certeira, seguem uma tendência que vem predominando no underground dos dois estilos: simplicidade e feeling.
Val Tomato resgata o estilo de Chicago com o suingue da brasilidade, mas passando pelo Mississippi, em seu mais recente trabalho, "Vinte Longos Anos". Não há requinte, os arranjos são básicos, mas o som que gaita produz é de uma leveza e uma delicadeza contundentes.
Gaitista excelente e cantor competente, surpreende nos temas em português – são temas simples e singelos, mas com abordagem fora do comum em "Caminho do Sol", "Olhos Negros" e Gêmeas Blues".
Entretanto, Tomato se dá melhor nas músicas cantadas em inglês , como em "Look at Me" e "Love and Respect", além da clássica "My Baby", de Little Walter.
Ari Borger, por sua vez, mostra toda a sua empolgação com seu novo trabalho, "Live at Cincy Blues Festival". É um resumo soberbo da carreira bem-sucedida deste músico que foi o único brasileiro a participar do mais respeitado festival de piano blues do mundo, na cidade de Cincinnatti, nos Estados Unidos.
A gravação ao vivo é de sua explosiva participação no evento em 2014, contando com um time especial de músicos norte-americanos, além dos comparsas de sempre – Igor Prado e Celso Salim nas guitarras, Yuri Prado na bateria e Rodrigo Mantovani no baixo.
O time de americanos teve Johnny Vidacovich na bateria, George Bedard na guitarra, Chris Douglas no baixo, | Bob Seeley no piano (somente no DVD), Wallace Coleman cantando e tocando gaita, e J.J. Jackson nos vocais.
Borger é instrumentista meticuloso e bastante detalhista, mas cresce de forma absurda no palco, abusando dos fraseados dinâmicos e eloquentes, acrescentando um colorido envolvente em canções antológicas como "Mean Red Spider", de Muddy Waters, "Baby won't You Jump With Me", de Lowell Fulson, e na complicada "Bricks on mY Pillow", de Robert Nighthawk.
Seu domínio do palco é total, e sua timidez e tranquilidade fora dos palcos são subsituídas por uma torrente de notas que lideram a banda em todos os níveis. O pianista brasileiro comanda as ações e conduz a banda em uma festa sonora nos temas próprios, como em "Funky B", "Song For Jay" e no arrasador tema de Booker T, a ótima "Green Onions".
"Live at Cincy Blues Festival" é melhor amostra da qualidade internacional dos instrumentistas brasileiros de blues, assim como "Way Down South", da Igor Prado Band, álbum que liderou as paradas norte-americanas de blues no primeiro semestre deste ano – a primeira vez na história que um estrangeiro atingiu tal posto nas listas.
Já "9", do guitarrista Michel Leme, é um trabalho dinâmico e muito competente, com um refinamento que poucas vezes podemos observar na música brasileira e no jazz como um todo. Os comparsas são os de sempre – o baixista Bruno Migotto e o baterista Bruno Tessele, acompanhados aqui pelo pianista Felipe Silveira.
Com despojamento e muito feeling, os seus temas foram gravados ao vivo no salão da Igreja Betesda de Diadema no dia 31 de julho de 2014.
A ousadia foi recompensada por um trabalho muito bom, revelando o entrosamento do quarteto e um clima de pura cumplicidade. Eles estavam se divertindo, sem dúvida, principalmente no último tema, "70", onde a música emenda em uma longa e intrincada jam de 16 minutos, que resume um pouco da filosofia artística e as concepções musicais de Leme.
Mesmo com suas opiniões contendentes e concepção musical rígida, o guitarrista de jazz expande sua versatilidade para outros campos. Já tocou rock na juventude, inclusive heavy metal, e é um habitual convidado de projetos diversos dos integrantes do trio paulistano de hard rock Dr. Sin.
Ao mesmo tempo, é visto frequentemente tocando com músicos paulistanos um repertório que varia de sambas ao que se pode chamar de música instrumental brasileira, incluindo o jazz. Michel Leme é um músico raro, que precisa ser apreciado não só pelo que toca, mas também pelo que não executa e pelo que representa. Tornou-se uma referência na atualidade e é um oásis de qualidade no árido panorama musical brasileiro.
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