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O Rei do Blues parte deixando um legado de qualidade e ética nos palcos

Combate Rock

15/05/2015 08h58

Marcelo Moreira 

Ele era o último dos Kings vivo, e praticamente o último a manter a chama do blues e manter o exemplo de longevidade, em todos os sentidos. Albert King talvez fosse mais técnico, e Freddie King, original e visceral, mas Riley Ben King conseguiu aquilo que pode ser considerado o topo, em todos os sentidos: tornar-se sinônimo de blues.

O jovem Blues Boy se transformou em B.B. King e ficou gigante, com sua inseparável guitarra Lucille. Mostrou como a guitarra poderia conduzir e ser conduzida no blues, no rhythm and blues e no jazz, e ajudou a moldar o estilo com fraseados rápidos, elegantes e inspirados, que logo viraram hinos.

Mesmo nos anos de vacas magras, a partir do final dos anos 50, manteve-se grande e sempre tocando. Enquanto gente da pesada submergia com a aparente falta de interesse pelo blues, nunca se importou em tocar em botecos e em gravar menos. Empurrou o blues para a frente, ao lado de colegas mais jovens e impetuosos, como Buddy Guy e Junior Wells.

Enquanto Muddy Waters ficou um tempo trabalhando como pintor de paredes nos estúdios Chess, de Chicago, e Howlin' Wolf e Sonny Boy Williamson II perderam o chão e foram obrigados a tocar por trocados nos Estados Unidos e na Inglaterra, B.B. King e John Lee Hooker apostavam na tradição e em um momento de virada.

E ele veio de um local dos mais improváveis, a Inglaterra, graças a uma molecada vidrada em blues e jazz que ouviam por meio de LPs importados por via marítima ou então nas festas de soldados que estavam lotados nas bases militares norte-americanas no Reino Unido.

Os Beatles mostraram o caminho, mas já havia gente muito mais antenada em Londres idolatrando B.B. King e os mestres americanos.

Era gente como os pioneiros Alexis Korner e John Mayall, que abriram as portas para os gênios geniais jovens, como Eric Clapton, Jeff Beck e seus Yardbirds, os Rolling Stones, Peter Green, Savoy Brown, Ten Years After, The Kinks, Pink Floyd e muitos outros.

Montagem sobre foto de divulgação

Montagem sobre foto de divulgação

O renascimento do blues do outro lado do Atlântico fez ressurgir as carreiras de vários bluesmen, e B.B. King emergiu como a principal estrela dos palcos, trazendo os outros dois Kings na cola, assim como o endiabrado Albert Collins, o revigorado Muddy Waters e os emergentes Buddy Guy e Junior Wells. Liderando a turma, o rei virou majestade, para usar um clichê que ele odiava.

O Rei do Blues ganhou a alcunha entre os pares, e teve um cartaz bem diferente do Rei do Rock, Elvis Presley. Precisou tocar cada vez mais e mais para ser reverenciado, e surpreendeu a todos com a evolução de seu estilo sofisticado e elegante, mesmo quando esbanjava emoção, espalhando seu timbre límpido e único.

Sua importância – e imponência – era tanta que as novas estrelas dos anos 70, 80 e 90 faziam questão de reverenciá-lo. Clapton já dizia a todos que B.B. King era o verdadeiro deus, endossado pelo irlandês Gary Moore.

Aí vieram Robert Cray (talvez o seu mais fiel seguidor entre os guitarristas mais populares), Jimmie e Stevie Ray Vaughan, Eric Gales, Derek Trucks, Kenny Wayne Shepherd, Jonny Lang, Gary Clark Jr, Joe Bonamassa… Não houve um único músico branco ou negro, não rendesse as maiores homenagens.

"Minha formação musical, a infância e adolescência, teve a fundamental presença de mestres do blues, como Muddy Waters, Howlin' Wolf e B.B. King, imprescindíveis quando se fala em blues e até em rock", afirmou o guitarrista angolano-brasileiro Nuno Mindelis, em recente entrevista ao programa de web rádio Combate Rock.

Outros fãs no Brasil do mestre são os guitarristas Marcos Ottaviano (ex-Blues Jeans), Amleto Barboni, André Christóvam, Edu Gomes (Adriano Grineberg e ex-Irmandade do Blues), Roger Gutierrez (Chicago Duo Sessions, com Ivan Marcio) e mesmo aqueles que buscam outras vertentes, como Igor Prado.

Não bastasse a qualidade e a excelência de seu trabalho, B.B. King reforçou a majestade com sua ética de trabalho, tocando cada vez mais e sempre. Completou 80 anos em cima do palco, com uma série shows onde recebeu a reverência de vários pupilos estrelados.

Ainda que seus familiares tenham acusado alguns empresários de "sugarem" as energias do mestre nos últimos anos, ao emendar turnês mesmo com a saúde debilitada do guitarrista, B.B. King nunca reclamou. Ele adorava tocar e liderar e, mais do que tudo, entreter,

Entretanto, era visível o seu desconforto nos shows mais recentes, quando tocava sentado ou mesmo quando permitia que sua banda aproveitasse ao máximo, enquanto recobrava o fôlego por longos e longos minutos.

Por conta disso, não escapou do constrangimento que as lendas jamais deveriam passar. Aos 88 anos, no ano passado, alguns sacripantas tiveram a coragem de vaiá-lo e alguns clubes norte-americanos na Costa Leste, "incomodados" com uma performance "sofrível", como alguns disseram à revista Rolling Stone norte-americana. Pelo menos duas apresentações foram interrompidas porque o mestre passou mal.

O Rei do Blues foi embora. Era o últimos dos Kings vivo, e também era o último representante dos primórdios do blues elétrico, quando o gênero ganhou prestígio, as paradas e bastante popularidade, la nos anos 80.

Seguindo seu exemplo, o gaitista James Cotton, que esteve no Brasil no ano passado, ainda se mantém firme nos palcos, apesar da saúde abalada e dos mais de 80 anos nas costas. Das lendas, só sobraram ele, Charlie Musselwhite e o interminável Buddy Guy (também octogenário), três mestres que certamente honrarão o legado do mestre maior. Aproveitemos enquanto é tempo.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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