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Fãs de metal são conservadores sim, e com muito orgulho

Combate Rock

22/04/2015 06h59

Marcelo Moreira

Conservador e inflexível. As duas características são frequentemente associadas ao heavy metal e aos seus fãs desde sempre, e ainda bem que é assim. Subgênero que se manteve quase sempre no underground, o rock pesado tem o raro poder de galvanizar seus apreciadores, a ponto de causar inveja a artistas de outros segmentos por conta da fidelidade.

Nos últimos o conservadorismo dos "metaleiros" gerou uma série de análises na imprensa brasileira, sendo que parte dos argumentos são bem pertinentes, enquanto outra parcela transita entre o estapafúrdio, a desinformação e a ingenuidade – e ignoremos quaisquer tentativas de comparações, ainda que bem humoradas, com o cenário político brasileiro.

O conservadorismo é explicitado na América do Sul pelas escalações dos festivais. Os promotores dos eventos, como os que ressuscitaram o Monsters of Rock no Brasil, que ocorre no próximo final de semana, evitam surpresas e apostam no que é garantido, nos medalhões de sempre, que são garantia de bilheteria. Não estão errados e, ainda por cima, mostram que estão bem antenados com o que o fã do estilo quer.

Assim como as atrações principais da edição deste ano – Kiss, Ozzy Osbourne, Judas Priest, Manowar -, outros gigantes continuam em altíssima conta neste canto do planeta, como atestam as seguidas visitas de Metallica, Iron Maiden, Megadeth, Deep Purple, entre outros. Ate mesmo os grandes festivais do mundo – Hellfest, Wacken, Sweden Rock Festival – se rendem aos medalhões de sempre, todos os anos.

monsters

Conservador sim, até as raias do preconceito e da da inflexibilidade. Entretanto, confundir essa postura com sectarismo ou mesmo recusa diante do novo é um erro grotesco. Afinal, se isso fosse verdade, bandas como Mastodon, Lamb of God, Trivum, Avenged Sevenfold e outros destaques da atualidade jamais sairiam do limbo dos botecos.

A postura conservadora dos fã de metal tem a ver, basicamente, com um nível de exigência muito alto, com seus prós e contras. Depois da santíssima trindade dos anos 70 (Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath), dos furacões Judas Priest e Motorhead, do estouro da New Wave of British Heavy Metal, do hard rock californiano (hair metal) e do thrash metal de San Francisco, esse público ficou bastante "mal acostumado".

Não se trata de acomodação, mas da exigência de que as bandas que surgem tenham o mesmo nível, ou pelo menos algo próximo dos grandes nomes. Se isso não acontece, o fã sempre volta ao porto seguro dos grandes ícones do passado nem tão longínquo. O desprezo ao novo não é total, mas não há condescendência.

A prova de que a exigência é alta é que, dos anos 90 em diante, poucas bandas ultrapassaram os primeiros patamares e se tornaram realmente grandes. Os exemplos mais próximos são Pantera e Dream Theater, enquanto que o grunge foi totalmente execrado por esses fãs – com toda a razão, já que o grunge é uma imensa porcaria, salvo algumas exceções. Mastodon, Lamb of God, Avenged Sevenfold, Slipknot e System of a Down parecem estar, com muito sacrifício, furando o bloqueio, e mudando de patamar.

Essa exigência alta, muitas vezes exagerada, pode explicar, de certa forma, a dificuldade para que surjam artistas emergentes que tenham potencial para chegar, algum dia, ao patamar de um Iron Maiden ou de um Metallica. Essa é a parte complicada da postura conservadora dos headbangers.

Por outro lado, é justamente esse conservadorismo que oferece condições para que o o subgênero se mantenha relevante e longevo, com um índice de fidelidade de público invejado por artistas de outros estilos, onde a vida útil está cada vez mais breve em tempos de downloads legais e ilegais disseminados e falência geral do modelo de negócio baseado nas gravadoras.

KISS FIRST ALBUM

 

Essa posição é invejável também porque os "velhos ídolos" são realmente ídolos, graças à qualidade do legado que deixaram e estão deixando. Ozzy e Kiss ainda atraem multidões – talvez nem mais tão grandes e nem mais com tanta frequência -, mas ainda atraem muita gente disposta a pagar para vê-los. Ozzy tem 66 anos, Gene Simmons, baixista do Kiss, tem 65, Rob Halford, do Judas Priest, tem 64, assim como sexteto do Iron Maiden beira os 60 anos e o quarteto do Metallica, os 55. Não é mera coincidência.

O fã de metal é conservador e pouco disposto a encarar novidades porque tem para onde correr. Tem a postura do torcedor do Barcelona que se acostumou a ganhar tudo por muitos anos, e que não aceita nem em pensamento que seu time um dia possa vir a ser vice-campeão de qualquer coisa. Não admite que não é possível ganhar sempre. No rock, isso é positivo, mas também pode ser bastante negativo.

Os artistas do rock pesado, geralmente, são recompensados com respeito e interesse por parte do público. Descontadas as doses de demagogia e política da simpatia explícita, os gringos realmente gostam de tocar em lugares como a América Latina seja porque ainda conseguem lotar as casas (como o decadente Paul Di'Anno, ex-Iron Maiden).

Bandas de pequeno e médio portes, como a norte-americana Master, nunca teve tanto público na vida como nas cidades brasileiras (na segunda e mais recente, o vocalista Paul Speckman demonstrou estar sinceramente emocionado com a receptividade do nosso público).

A fidelidade tem tudo a ver com a integridade dos artistas. O público se acostumou a receber o que é prometido, seja em shows grandes ou pequenos. Foram raras nos últimos dez ou 15 anos as ocorrências de decepção com bandas de metal ou pisadas de bola monstruosas por parte dos artistas. Diante deste ponto de vista, o conservadorismo é, sim, um ponto positivo ao valorizar a qualidade e reverenciar artistas que realmente têm muito o que mostrar, além do que jpá fizeram.

O público passou a reverenciar o profissionalismo que os artistas do estilo demonstram, incluindo os brasileiros, e acredita que a integridade é uma característica inerente ao heavy metal, mais do que em outros gêneros musicais. Essa percepção do fã, em especial a do brasileiro, é generalizada em todas as faixas etárias. Portanto, conservador sim, e com muito orgulho.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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