Agressão à banda Test em show de black metal mostra a intolerância roqueira
Marcelo Moreira
O fato aconteceu há 15 dias e não pretendia abordá-lo, apesar de sua gravidade. Alertado por leitores deste Combate Rock, mudei de ideia: o ataque à banda Test ao final de um festival de metal extremo, em São Paulo, não foi um fato isolado, como de início muitos consideraram, eu inclusive. Até que ponto o episódio de intolerância e desrespeito á liberdade de expressão pode ser considerado grave a ponto de manchar o pouquíssimo do que resta de cena roqueira em São Paulo?
Para quem não lembra, o Test é um duo de guitarra e bateria que faz um barulho desgraçado antes e ao final de eventos musicais na capital paulista. Podem ser o show do Paul McCartney ou de uma banda pequena de metal em um bar escondido: a Kombi velha estaciona perto, João Kombi (o guitarrista e vocalista) desce e rapidamente monta o amplificador e ajuda a montar a bateria. Logo em seguida surge um grindcore quase ensurdecedor.
Geralmente, ao final dos shows, a banda de rua Test ganha a curiosidade de alguns, assim como esparsos aplausos. A maioria costuma olhar com desprezo o trabalho da dupla, achando que se trata apenas de mais dois mendigos enchendo o saco. Pois o Test é conceituado no Brasil e no exterior e tem o respeito de diversas entidades culturais por conta do trabalho de arte na rua. E sua música tem qualidade.
No último dia 7 de dezembro, alguns espectadores do Extreme Hate Festival levaram o hate (ódio) muito a sério. O evento, dedicado ao black metal e metal extremo, é um dos mais apreciados pelos fã do estilo em São Paulo, e algns não gostaram de ver o test tocando o seu grind do lado de fora do Tropical Club, no bairro de Pinheiros, em São Paulo.
Não gostar é um direito, mas agredir não. Era só passar direto e ignorar a dupla tocando sua música. Mais eis que alguns intolerantes e pentelhos resolveram incomodar o Test. Xingaram e disseram que eles não deveriam estar ali. Como foram ignorados, dois dos idiotas tentaram atrapalhar a performance do Test na rua, interrompendo por três vezes as músicas, segundo relatos de quatro pessoas que estiveram no festival ou que passavam pelo local no momento.
Irritado, João Kombi decidiu responder à provocação e foi infeliz ao mirar todos os apreciadores de black metal, e não os dois coitados acéfalos que atrapalhavam. Vocês vieram pagar pau pra black metal de carinha pintadinha? Aqui é grind core e foda-se o black metal", disse o músico, mais na ironia do que na raiva.
Foi o suficiente para que os dois covardes sumissem e voltassem com mais alguns "coleguinhas" e iniciassem a pancadaria, agredindo os músicos e quebrando os poucos equipamentos que a banda possuía – lembrando que o Test está bem longe de ser um grupo endinheirado.
O incidente nos faz lembrar o que ocorre de tempos em tempos na cidade de São Paulo, tão famosa nos anos 80 por conta das brigas entre punks e fã de metal, e entre punks e punks, entre punks e skinheads, tudo isso afugentando o público e contribuindo para uma imagem errada de estilo musical violento – lembrando que morre muito mais gente em um final de semana nas imediações de shows de pagode e funk do que, por ano, em eventos ligados ao rock e metal.
E é desagradável descobrir que um dos responsáveis pelas agressões é parente de um músico ou de gente ligada á banda de black metal Amazarak, uma das principais do país. No ano passado, o baterista do Amazarak foi atacado por um grupo de punks, em um ato de extrema covardia, na rua Augusta, na zona central de São Paulo.
O músico foi esfaqueado e ficou seriamente ferido, ficando internado por semanas em um hospital – felizmente ele se recuperou e voltou á banda. Como é possível que a banda tenha sofrido tal atentado e, mesmo assim, alguém a ela ligado cometa o mesmo tipo de nojeira?
Na verdade, não deveríamos estranhar fatos como esse, especialmente em um momento em que nossa sociedade volta a cultivar ódio contra opiniões divergentes e grupelhos asquerosos – de direita ou de esquerda – questionam o direito de expressão e de opinião, ao mesmo tempo em que tratam como inimigos qualquer um que pense diferente – seja por torcer para outro time, por votar em outro partido, por apoiar este ou aquele prefeito, por defender as ciclovias, ou sem-teto, ou gays, ou trabalhadores. Por que então nos surpreendemos com atitudes primitivas de seres descerebrados que não toleram que outros possam ouvir blues, metal tradicional, reggae, thrash metal ou grindcore?
A agressão ao Test não foi um fato isolado. Não é uma tendência, mas é algo que volta a se repetir pouco mais de um ano após o ataque ao baterista do Amazarak. O radicalismo sempre esteve presente nos estilos mais extremos de música, mas havia uma sensação de que a violência parecia controlada. O rosto de João Kombi e sua guitarra quebrada mostram o contrário.
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