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'Quase hit' da banda Malta é o precário retrato do pop rock nacional

Combate Rock

25/11/2014 07h00

Marcelo Moreira

A única música levemente parecida com rock candidata a hit atualmente é "Diz Para Mim", da banda malta, que ficou conhecida por participar do péssimo e  intragável reality show Superstar que, assim como  The Voice Brasil, da TV Globo, um verdadeiro depositário de lixo musical. A faixa é uma tentativa malsucedida de transformar uma canção típica de dupla sertaneja com guitarras e arranjos saturados para, artificialmente, dar uma roupagem "rock" ao grupo. O visual rocker da banda no clipe da música é tão fake que chega a constranger, mais ainda do que as letras que esbanjam inanição.

"Diz Para Mim" ainda patina, tanto pela falta de consistência como pelo momento mito ruim do pop rock nacional, mas parece ter ainda um pouco de fôlego, já que foi incluída na trilha sonora da novela "Alto Astral", da TV Globo, sendo maciçamente tocada, revelando um esquema forte de marketing e divulgação (nada contra esquemas competentes de marketing e divulgação; o problema é que, de uns bons 15 anos para cá, quase nunca esses esquemas beneficiam astistas de boa qualidade).

Uma despretensiosa passagem pelo repertório do primeiro CD da banda malta, infelizmente, suscitam saudades de alguns momentos das bandas emo da década passada (meu deus!!!!!!!!!!) e transformam o competente (e não mais do que isso) Jota Quest na referência principal de pop no Brasil atualmente, excluindo, obviamente, as porcarias fabricadas como Anitta, por exemplo.

É triste constatar que a única coisa candidata a hit no rock nacional atualmente tenha de vir de uma banda que ainda demonstra bastante inconsistência, abusando em demasia do conceito pop (no mau sentido) de letras fáceis, arranjos saturados e falsamente grandiosos, explicitando um produto preparado com um único objetivo: virar um hit instantâneo, ainda que corra o risco de ma associação perniciosa com o sertanejo universitário – e não há guitarras supostamente pesadas e saturadas que consertem isso. "Diz Para Mim" talvez seja o melhor retrato da encruzilhada vivida pelo rock nacional.

malta

Uma pequena esperança surge, ironicamente, na trilha sonora da mesma novela, "Alto Astral". "Não Quero Olhar Para Trás" é uma música nova da banda mineira Scarcéus, já veterana do cenário nacional – e com outras músicas incluídas em trilhas de programas da TV Globo anos atrás.

Em qualquer critério que se analise, a música do Scarcéus é superior à principal canção da Malta. Ok, descontemos a longa experiência dos mineiros, que uma quilometragem extensa. A questão, para ser reducionista, é de qualidade. A letra de Henrique Papatela, o vocalista, não é brilhante – pouca coisa no rock nacional e internacional da atualidade é. Mas tem uma coerência, é bem resolvida e não abusa dos clichês que entopem as ideais dos compositores que partem paras o pop rock nacional – e que lamentavelmente povoam em demasia as músicas da banda Malta. É uma letra que se destaca, ao menos um pouco, no árido panorama da atualidade.

"Não Quero Olhar Para Trás" ignora as modernidades supostamente modernas do rock americano que às vezes aparecem em "Diz Para Mim". Bebe no rock britânico e em arranjos com sotaque setentista, como o belo solo do guitarra bluesy, ora lembrando o excelente trio inglês The Brew (também conhecido como The Brew UK), ora o começo dos Black Crowes. E por que não seria uma candidata a hit? Por que é sofisticada demais, por mais que em alguns momentos possa lembrar os amigos do Jota Quest.

A "sofisticação" da canção do Scarcéus não é nada demais, apenas desponta em um cenário de terra arrasada, cujos concorrentes ainda estão acorrentados a clichês e formatos artificiais – e sedar bem em um reality show musical de qualidade altamente duvidosa pouco ajuda a melhorar a situação. Resumindo, é boa demais para se tornar uma música de sucesso em um mercado que prefere a mediocridade, músicas fáceis, com refrões simplórios, com mesma temática chula e rasteira que domina as músicas do que se convencionou chamar de sertanejo – e sua variante mais elitista/moderninha, e igualmente péssima, o sertanejo universitário.

Scarcéus (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Scarcéus (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Os luminares que acreditam dominar a arte de "criar/produzir" hits pop no Brasil vão dizer que canções da Scarcéus, ou de bandas sérias e com trabalho de qualidade, como O Terno, Vanguart, Boogarins, Autoramas, Cachorro Grande e algumas outras carecem de "carisma", de "gancho", de "força", seja lá o que eles queiram dizer com essas bobagens. O fato é que a preferência é sempre pelo mais fácil, pelo imediato, pelo simplório e quase sempre de qualidade abaixo da média e limitada.

Boa parte do público que ainda se interessa por pop rock nacional e que anseia por ouvir algo diferente e impactante espera por uma nova "Meu Erro", dos Paralamas do Sucesso, ou uma "Será" e 'Eduardo e Mônica", do Legião Urbana, ou quem sabe algum hit da estirpe do RPM. Não teremos mais pérolas como essas em um mundo musical pulverizado, que consome música de um jeito diferente e que atribui valor bem menor à própria música, na comparação com o passado.

Diante velocidade com as coisas se processam e com os produtos culturais cada vez mais perecíveis, parecem cada vez menor a paciência e a disposição do ouvinte para procurar algo novo, ou diferente, ou que seja ao menos instigante. Afinal, tem sempre uma banda cover de Legião Urbana na esquina mais próxima…

P.S.: e não é que estava demorando para alguém cunhar a expressão "rock universitário"? Parabéns ao blog da Rádio UOL por fazer uma crítica que converge com o Combate Rock a respeito dos rumos do rock nacional e da precariedade do "fenômeno" Malta. Clique aqui para ler o texto "Banda Malta cria o rock universitário em novo álbum".

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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