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Pacote do Super Peso Brasil nos ensina a resgatar o valor da música

Combate Rock

21/11/2014 07h05

Marcelo Moreira

O rock no Brasil agoniza, isso é um fato, e está cada vez mais guetificado, ouvido por menos gente e sendo cada vez menos disseminado. Mas não vai morrer. E sua eternidade está garantida e podemos dizer isso, sem medo, ao assistir e ouvir o pacote CD/DVD do Super Peso Brasil, provavelmente um dos cinco eventos mais importantes do rock nacional – certamente o mais importante na segunda década do século XXI.

Sem apoio, sem dinheiro e com altíssima dose de risco, o show Super Peso Brasil reuniu cinco bandas pioneiras do rock/metal nados anos 80 para uma celebração do gênero musical em decadência no país como uma espécie de manifesto de resistência.

No dia 9 de novembro de 2013, o Carioca Clube, na zona oeste de São Paulo, recebeu quase 2,5 mil pessoas para mostrar que existe sim vida no rock, com muita qualidade e com um público ávido por novidades, ainda acomodado e desconfiado.

Sucesso estrondoso como evento e com casa lotada (de forma que surpreendeu os organizadores), era natural que o registro em vídeo e em CD fosse providenciado. Afinal, não deveria ser complicado encontrar formas de financiar a segunda parte do projeto.

E eis que a realidade estapeou os organizadores: omissão, rejeição, descaso, ironia e falta de respeito permearam a busca por recursos ou mesmo investidores para o Super Peso Brasil.

Nem mesmo que ganha dinheiro graças aos roqueiros que ainda insistem em comprar camisetas, acessóri0s, CDs, DVDs e itens relacionados a rock se dignou a ao menos procurar mais informações sobre o projeto. Nem mesmo o fato de o evento ter sido um sucesso de público sensibilizou eventuais investidores que ainda ganham dinheiro com os incautos roqueiros.

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Não sobraram alternativas para André Bighinzoli (baixista do Metalmorphose), mentor do projeto (com a preciosa e competente ajuda do jornalista Ricardo Batalha, da revista Roadie Crew), que teve de aderir ao igualmente arriscado crowdfunding (modalidade de arredação de dinheiro para eventos diretamente com os fãs e consumidores, agora chamado de financiamento coletivo).

E não é que tivemos uma grande surpresa? Rapidamente o financiamento coletivo deu certo, e 489 pessoas contribuíram com cotas para viabilizar o projeto. Um ano depois do show, o pacote está nas lojas, para a alegria de quem gosta de rock e respeita a história e o trabalho árduo de quem valoriza a cultura brasileira e a música produzida por aqui.

Salário Mínimo, Metalmorphose, Stress, Centúrias e Taurus ofereceram mais de seis horas de boa música, em shows memoráveis, transformando a celebração em um momento histórico e que deve, com justiça, se tornar um marco do rock nacional – ainda mais em um momento tão difícil vivido pelo gênero em nosso país.

Muito bem filmado e com roteiro preciso e competente, o vídeo conseguiu captar a essência do evento, com alta carga emocional por parte dos músicos e uma resposta encantadora do público.

"Claro que havia nervosismo, todo mundo sabia que seria algo memorável, intenso, bonito e emocionante, pois 30 anos depois haveria algum tipo de reconhecimento pelo nosso trabalho. Só que nenhum de nós, músicos das cinco bandas participantes, fazia a mínima ideia do que estava por vir e de o quão histórica foi a apresentação. É algo indescritível ver a emoção que tomou conta, por exemplo, de um cara lendário como o Roosevelt (baixista e cantor do Stress, considerada a primeira banda de metal do Brasil)", diz Nilton "Cachorrão" Zanelli, vocalista do Centúrias.

"É muito difícil assimilar o fato de que fizemos história e estamos na história, nós nunca tivemos essa pretensão e nunca pensamos muito no assunto, não temos essa 'síndrome de reconhecimento', até porque a realidade insiste em nos lembrar que não somos o Metallica (risos). Entretanto, é assustador quando, depois do mágico Super Peso, a gente percebe que participou da história", declara Ricardo Ravache, baixista do Centúrias, logo depois do show, no ano passado.

Grand finale do show em novembro de 2013 com todos os músicos (FOTO: DIVULGAÇÃO/ PERFIL DO FACEBOOK DO SUPER PESO BRASIL

Grand finale do show em novembro de 2013 com todos os músicos (FOTO: DIVULGAÇÃO/ PERFIL DO FACEBOOK DO SUPER PESO BRASIL

"O 'Super Peso Brasil' é um evento que serve para celebrar o trabalho dos pioneiros. Muitas pessoas infelizmente esquecem os que vieram antes de Sepultura, Angra, Krisiun e outras de renome, mas este é o nosso 'muito obrigado' a alguns nomes que ajudaram a criar o que temos atualmente", afirma o jornalista Ricardo Batalha, um dos coordenadores e incentivadores do evento.

A agressividade ingênua e às vezes infantil escancarada em gravações toscas, quase caseiras, guardam bastante semelhança com os primórdios da New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM). No livro "Run to the Hills", uma biografia autorizada do Iron Maiden escrita por Mick Wall, Steve Harris, o baixista e dono da banda, afirma que o desprezo de parte do público e a completa falta de interesse de uma mídia mesmerizada com a pancadaria sonora artificial do punk e seu comportamento supostamente violento e anárquico obstruiu as carreiras de muita gente boa.

"Adrian Smith só entrou no Iron Maiden em 1980 porque o seu Urchin, uma boa e respeitada banda londrina, se despedaçou por falta de apoio. E assim aconteceu com outras bandas legais, como Witchfinder General, Angel Witch, Sweet Savage e muitas outras. O Iron sobreviveu, mas muita gente foi soterrada pela ignorância e pela miopia do mercado", escreveu Wall.

O Supre Peso Brasil, em sua primeira edição, não pretendeu retificar a história ou redimir "heróis injustiçados". Mais do que uma homenagem, é uma celebração a músicos que ousaram fugir da moda e tentar criar algo que fosse genuinamente agressivo e contestador, tendo como base o rock pesado anglo-americano dos anos 70 e o heavy metal inglês do início dos anos 80. Tudo isso foi capturado de forma magistral pelos diretores do projeto.

O áudio e o vídeo têm uma função cada vez mais importante neste ano de 2014: o de mostrar como é possível um gênero musical provocar tamanha devoção e fidelidade, coisa vista somente no jazz e no blues.

Serve também para mostrar o quanto empresários míopes e produtores embalsamados no passado deixaram de ganhar, seja em dinheiro ou em prestígio, ao deixar passar tamanha oportunidade. O projeto Super Peso Brasil é um grande alento para quem gosta de boa música e para quem valoriza a cultura.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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