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A vida pega fogo, mas o 'roqueiro de sofá' reclama e não larga o videogame

Combate Rock

03/11/2014 06h50

Marcelo Moreira

Meninos e meninas de classe média criados em condomínios, superprotegidos pelos pais, que dizem torcer para times de futebol da Europa por influência da TV por assinatura e por videogames como FIFA Pro e PES (?!?!?!?!??!). Para arrematar, ou nunca pisaram em um estádio de futebol ("porque os pais têm medo da violência da sociedade…") ou pisaram uma única vez e detestaram ("não tem nada para fazer a não ser ver o jogo", disse um moleque de 10 anos completamente imbecil).

Em resumo, esse é o teor de reportagem da revista Placar, especializada em futebol e com 44 anos de mercado, da atual edição, a de novembro, com Robinho (atacante do Santos) na capa – edição 1.396.

O texto não entrega o que promete, mas deixemos isso de lado. Podemos aplicar tal situação – que, até certo ponto, preocupa dirigentes e jogadores de futebol brasileiros – ao mimado e acomodado público do rock nacional, em especial ao do metal brasileiro.

O século XXI viu surgir uma geração de "roqueiros do sofá", ma galera que adora ficar jogando Playstation, Guitar Hero ou qualquer outro videogame de música, ao som ambiente do mesmo CD/mp3 do Metallica, mas sem prestar a atenção.

Suquinho de laranja do lado, pipoca murcha do outro, tendo algum amigo nerd e tão preguiçoso quanto como companhia – e, se duvidar, os dois fazendo de tudo para fugir das "namoradas chatas" que querem sair e fazer alguma coisa legal – "Deus me livre, ter de ir naquele bar de merda, ver bandinha de merda tocar música própria que ninguém quer ouvir…"

O roqueiro de sofá fez questão de ignorar mais um evento legal de rock a preços razoáveis em São Paulo. O Panzer Fest 4 rolou neste último final de semana na capital paulista.

E os roqueiros de sofá não poderão reclamar do "bar podre" onde essas "bandinhas de merda" tocam: o festival de metal organizado pela poderosa banda Panzer rolou simplesmente no Cine Jóia, com infraestrutura bacana, de primeira, acostumada a receber bandas indies internacionais.

Pouca gente se dignou a ir ao bairro da Liberdade, região central de São Paulo, área servida por metrô e várias linhas de ônibus. E não havia grande concorrência de shows grandes ou médios neste dia 1º de novembro – Peter Hook, o decadente ex-baixista do New Order? Teve André Matos e Seventh Seal em Mauá, mas não tiraria público do Panzer Fest.

A banda Panzer é uma habitual frequentadora do ótimo Cine Jóia, no bairro da Libedade, em São Paulo. A foto é de um show da banda no local em meados de 2013, demonstrando ser um espaço mais do que legal para um evento como o Panzer Fest (FOTO: ANNA CARLA/SITE OFICIAL DO PANZER/DIVULGAÇÃO)

A banda Panzer é uma habitual frequentadora do ótimo Cine Jóia, no bairro da Libedade, em São Paulo. A foto é de um show da banda no local em meados de 2013, demonstrando ser um espaço mais do que legal para um evento como o Panzer Fest (FOTO: ANNA CARLA/SITE OFICIAL DO PANZER/DIVULGAÇÃO)

Em uma casa que pode receber de 900 a 1.000 pessoas, pouco menos da metade ocupou o espaço para ver boas bandas de metal brasileiras – Panzer e Genocídio estão no primeiro time dos grupos nacionais; Ancesttral logo logo vai entrar, além das competentes Blasthrash e Circle of Infinity, sem falar nos convidados para as jams, membros das bandas HellArise e Woslom.

Tinha tudo para ser uma grande – foi, de certa forma, uma celebração bem legal, com amigos se reunindo depois de muito tempo, entre outras coisas, por exemplo, mas não foi aquilo que poderia ter sido por conta do público abaixo do esperado, fato que pode comprometer futuras edições e outros festivais underground. E pensar que os ingressos do primeiro lote custavam R$ 25…

Na sexta-feira rolou também em São Paulo um minifestival com Krisiun, Korzus e Claustrofobia, três pesos pesados do metal nacional quebrando tudo no Aquarius Rock Bar, na longínqua zona leste de São Paulo (avenida Aricanduva, quase Itaquera).

O público foi considerado muito bom, mas lembremos que o Krisiun hoje é uma banda internacional e com um público fiel e cativo no Brasil, especialmente em São Paulo, mas foi o quarto show do excepcional trio gaúcho de death metal na Grande São Paulo nos últimos quatro meses. Será que só o Krisiun consegue ainda manter algum público considerado razoável em seus shows por aqui?

André Matos (ex-Angra e Shaman) e Seventh Seal encabeçaram um minifestival na cidade de Mauá (Grande São Paulo), a quase 40 quilômetros de distância do Cine Jóia – e Matos é outro que tem  se público cativo e fiel, portanto, assim como Sepultura, Krisiun e Angra, sobe ao palco com o jogo ganho.

Há relatos de que o público em Mauá, na Vila Bocaina, foi considerado bom, sendo que poderia ter sido bem melhor. O ingresso mais barato para ver quatro andas custava R$ 35.

André Matos e banda agradecem o púbico ao final do show de 1º de novembro de 2014, em Mauá, na Grande São Paulo (FACEBOOK/COMUNIDADE OFICIAL DE ANDRE MATOS/FOTO POSTADA POR RODRIGO SILVEIRA)

André Matos e banda agradecem o púbLico ao final do show de 1º de novembro de 2014, em Mauá, na Grande São Paulo (FACEBOOK/COMUNIDADE OFICIAL DE ANDRE MATOS/FOTO POSTADA PELO BATERISTA RODRIGO SILVEIRA)

Não se trata de querer que o roqueiro atual saia de casa, na marra, meio que na obrigação, para ver bandas nacionais, boas ou ruins. É uma questão de entender o porquê de o público que outrora lotava lugares médios em shows de bandas autorais de pop rock e de metal ter sumido.

Na edição desta semana do Programa Combate Rock de web rádio, que vai ao ar ainda na manhã de hoje, os integrantes das bandas Pop Javali e Statik Majik abordaram a questão com certa resignação, mas empenhados em buscar explicações e soluções para resgatar o público perdido.

"Não é questão de falta de qualidade das bandas nacionais, caso contrário a Pop Javali não duraria 22 anos, e a Statik Majik não entraria em seu 13º ano de carreira. O mercado mudou e é necessária uma adaptação ao que está ocorrendo. A vontade de tocar é sempre a mesma, mas fica sempre a questão de buscar ampliar o público, e isso depende de nós", afirma Marcelo Frizzo, o baixista da Pop Javali.

A questão da predominância das bandas cover, aquelas que só fazem versão de hits de grandes bandas -, é um fator que eventualmente atrapalha ao restringir o número de locais para bandas autorais em bares, restaurantes e mesmo festivais underground promovidos pelo poder público, mas Frizzo dá uma contemporizada. "Respeito quem faz cover e tenho amigos que estão nessa, é legítimo, também buscam o seu espaço e ganham seu dinheiro de forma honesta e lícita. Se há uma preferência por esse tipo de som por parte do público, vamos respeitar. Continuamos tendo de buscar o nosso espaço."

Luiz Carlos, o baterista da carioca Statik Majik, banda que tem dois álbuns no currículo e algumas turnês bem-sucedidas na Europa, é mais incisivo na questão. "Tocamos na Inglaterra e em outros lugares na Europa e essa coisa de cover quase não existe, é considerada falta de respeito por músicos e público. Parece ser uma coisa que se disseminou ultimamente em São Paulo e Belo Horizonte. No Rio de Janeiro a questão não é tão grave."

Ele segue a cartilha das bandas bem-sucedidas do pop rock independente, a carioca Autoramas e a gaúcha Cachorro Grande, ambas com quase 20 anos de estrada. Em entrevistas distintas ao programa de rádio Combate Rock, Gabriel Thomaz (vocalista e guitarrista do Autoramas) e Beto Bruno (vocal do Cachorro Grande) afirmaram não haver receita para se dar bem no underground ou cativar o púbico.

Beto Bruno (Foto: Gustavo Vara - DIVULGAÇÃO)

Beto Bruno (Foto: Gustavo Vara – DIVULGAÇÃO)

"Trabalho e mais trabalho e mais trabalho. Tocando para 15 ou 10 mil, é necessário sempre tocar melhor do que a noite anterior, trabalhar muito para compor algo melhor, original e mais interessante do que as músicas do álbum anterior. É uma época complicada para muitas bandas, grandes ou pequenas, os orçamentos diminuíram e o público está mais exigente e, aparentemente, menos disposto a encarar coisas novas – e pior, a pagar por elas, já que tudo virou gratuito na internet. O que fazer? Trabalhar cada vez mais e sempre e mais e sempre. Só assim há esperança de atrair o público. Deu certo para a Cachorro Grande", diz Bruno.

De forma aparente, não há separa o atual beco do rock nacional, e mais ainda no metal brasileiro. E é justamente o metal que concentra a maior parte dos reclamões de que "ingresso de shows nacionais são muito caros pelo que e oferecido", ou então a máxima nojenta: "Não vou a show de banda nacional porque não tem qualidade".

Como é possível saber que não tem qualidade, se esse mesmo indivíduo se recusa a conferir banda nova ao vivo, preferindo o sofá e as pipocas murchas, ouvindo "Master of Puppets", do Metallica, ou "The Number of the Beast", do Iron Maiden, pela milionésima vez? E esses indivíduos ainda acham que podem falar em suposta falta de qualidade do rock e do metal nacional?

A queda acentuada do fluxo de público no rock brasileiro já foi diversas vezes abordada aqui, em especial as suas causas e a busca de soluções para levar o roqueiro de volta aos shows, a maioria deles com ingresso que não ultrapassa R$ 20.

Muitos aspectos foram apontados, e tem muita gente que não gosta quando falamos aqui que a decadência verificada nos últimos anos tem vários culpados, e o público também tem culpa, seja por preguiça ou por falta de estímulo – e no metal é pior, justamente por vomitarem críticas e reclamações sem fundamento, na base do "não fui, não gostei; não ouvi, detestei".

Pop Javali: Marcelo Frizzo (esq.), Loks Rasmussen (centro) e Jaéder Menossi (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Pop Javali: Marcelo Frizzo (esq.), Loks Rasmussen (centro) e Jaéder Menossi (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Acreditamos que a mudança também passa por uma mudança de postura de quem ainda vê sentido em consumir rock e cultura no geral. Não basta o músico sangrar o dedo na guitarra, o produtor/promotor perder noites de sono buscando casas para as bandas tocarem e compositores se exaurirem para criar e gravar álbuns.

Também é necessário se levantar do sofá e ver se tem sol lá fora, se o ônibus ainda está passando no horário e se a garota bonita do andar de cima saiu no horário para pegar a van da escola no horário. E, de quebra, ver se aquela banda que saiu na revista Roadie Crew ou Rolling Stone e que vai tocar no outro bairro depois de amanhã é boa mesmo.

Alguém precisa dar chacoalhada no mundinho desse pessoal que acha que a vida se resume aos mesmos dez CDs do Metallica, Iron Maiden e Nirvana, ao som estrangulado do Guitar Hero e ao insuportável barulho fake da torcida do Fifa 12. E tem um tal de Paul McCartney, mais ou menos famoso, chegando para inaugurar um estádio por aí… A realidade, infelizmente, insiste e, acabar com algumas brincadeiras e algumas preguiças…

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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