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André Christóvam, a cara do blues no Brasil - parte 2

Combate Rock

25/10/2014 15h03

Eugênio Martins Júnior – do blog Mannish Blog

André Christovam (FOTO: DIVULGAÇÃO/ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK)

André Christovam (FOTO: DIVULGAÇÃO/ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK)

EM – Quando o blues entrou na tua vida?
AC – Conheci o Marcos Rampazo e ele me ensinou a tocar guitarra. Em 1978 mudei para o Pompéia e no meu quarteirão morava o Carlini e o Sérgio e o Arnaldo (Batista – fundadores dos Mutantes), o Made (in Brazil – banda paulistana pioneira do rock and roll nacional). Desde 74 atormento o Celso Vechione, meu parceiro de vida. Fui o primeiro aluno do Rampazo, convenci-o a dar aula. Ele me ensinou um monte de música, a tirar as coisas de ouvido, os intervalos, acordes, os maiores. Depois fui estudar no CLAM, no dia que passei no teste era o cara mais feliz do mundo. Estudei com o Cândido Serra, o maior presente do mundo. Ele morou em Chicago em 67 e gravava em um gravador K7 as rádios de blues de lá. Ele não tinha discos, mas tinha horas e horas de blues, Shuggie Otis, Paul Butterfield com Michael Bloonfield, BB King ao vivo. Ele me emprestou e tirei tudo isso obsessivamente. Ele dava os toques. Eu chegava mais cedo na escola e convivia com o Hamilton (Godoy) e com o Luiz Chaves do Zimbo Trio. A música brasileira começou a ter espaço: "André, toca Wave aqui com a meninas". "Olha André, estamos escrevendo para quatro vozes de guitarra, toca aqui". E toda a vez que tinha alguma coisa de blues eu me sobressaia. Em 77 prestei Faculdade Paulista de Arte e passei em segundo lugar em música. Fui muito bem no exame. Cai numa classe de malucos, João Canônico, Tuca Fernandes, Ivo Nobre. Foram dois anos de estudos e CLAM ao mesmo tempo. Vivia música 24 horas. E tinha as gigs com o Fickle Pickle que já estava por aí. Tinha uma banda com o Bruno Cardoso, baita pianista, eu tinha 18 ele tinha 15 anos. Minha primeira gravação dessa época foi com o Otávio Fialho. O Arrigo também, na primeira formação de Tubarões Voadorres. O Tavinho montou uma banda comigo, o Michel Freidenson e o Teco Cardoso, todos moleques, na RCA. A banda era um absurdo, tudo escrito e bem arranjado. De repente meu pai morreu, no dia o meu aniversário de 20 anos. O último presente que ele me deu foi o disco do Allman Brothers ao vivo no Fillmore East. Entrou pra fazer um check up e ficou. Tranquei a faculdade e comecei a estudar inglês com a mesma obsessão que estudava guitarra e um ano e meio já havia estudado tudo na escola. Passei a tocar em todos os lugares para por comida na mesa. Uma das maiores experiências foi tocar no Avenida Danças. Minha mãe vendeu jóias e coisas da casa.

EM – O que era o Avenida Danças?
AC – Era taxi dancing na avenida Ipiranga com a São João, o cara comprava um ticket e podia dançar à vontade com as mulheres. Tinha uma banda ao vivo que tocava sambas, boleros, mambos. Imagina, eu era um cara que tocava de Les Paul, já tinha uma Brasília, um filhinho de papai que era executivo da Texaco. Vi aquela realidade e entendi que aquilo era ser músico.

EM – Você estudou fora do Brasil. Como foi essa experiência?
AC – O Sérgio Dias me apresentou o John McLaughlin que estava aqui para o primeiro festival de jazz, semanas após a morte do meu pai. Disse a ele que queria ir para os Estados Unidos e ele me perguntou se eu queria tocar jazz. Eu disse que queria ser músico de estúdio e que gostaria de conhecer o GIT do Howard Roberts. Ele disse que se o Howard estava envolvido eu tinha de conhecer. O Howard é um grande guitarrista de jazz e estudioso, um guru. O GIT é o resultado de uma série de seminários criados por ele, foi criado em 77. Sou da quarta turma, de 80. Antes do Scott Henderson que foi meu calouro, o Frank Gambale e o Malmsteen, que não se formou, entrou e saiu. Vendemos um apartamento, quitamos a casa onde morávamos e sobrou dez mil dólares. Com três, paguei a escola e com o resto paguei o aluguel e vivi comendo pizza durante um ano e meio e tocando nunca menos do que 10 horas por dia. Vi Eric Burdon, BB King, John Lee Hooker, Clarence "Gatemouth" Brown, Muddy Waters, Big Joe Turner, Big Mama Thorton, Pee Wee Crayton, John Mayall, tocava com o Robben Ford todos os dias porque ele era professor da escola. E vi muito rock and roll. Isso deu autenticidade ao meu som. Era um filhinho de papai que havia morado sozinho em um apartamento em frente a uma lixeira, não era lixo orgânico, mas era uma lixeira. Moravam eu, uma Les Paul, um violão, depois uma Strato e um (amplificador) Mesa Boogie. E tudo isso sem birita, sem droga e sem mulher.

EM – E quando voltou ao Brasil?
AC – Voltei ao Brasil e retornei ao Fickle Pickle, tocamos muito durante dois anos, mas sai para viajar com o Rádio Taxi. Foi a coisa mais linda da minha vida. Era 1982, a turnê que estourou. Era o Rádio Taxi de Garota Dourada, que era a Mae East da gang 90. O Nelson Motta fez pra ela, apesar dela ser paulistana. O Wander me viu tocando no Vitória e queria o meu som de guitarra. Todo mundo ia ao Votória, o Peter Frampton, Queen, Jimmy Cliff. Eram dois palcos, nós em um e o Tutti Frutti no outro.

EM – Nessa época as bandas do rock nacional ganharam muito dinheiro.
AC – Nossa, se eu ganhei dinheiro imagine os caras. A gente viajava o Brasil. Fiz muitos amigos, o Evandro da Blitz, o Frejat desde o começo. Mas logo me aborreci e fui para a Inglaterra por um ano com Fickle Pickle. Quando voltei, em 1985, desisti de ser músico. Havia muita gente ruim naquela época na Inglaterra. Tinha o Motorhead e o Iron Maiden que, com toda a sinceridade, naquele momento não era a minha. Estava totalmente envolvido com o John Coltrane, Miles Davis, que era o que queria tocar. Ou ia para aquela sonoridade que atraia o Paulo e o Nelson? Eu achava medonha, neandertal, todo o new wave of britsh heavy metal (NWOBHM). Achava ruim, mal tocado. O cantor do Def Leppard pelo menos cantava afinado. Até assisti o Iron Maiden em Cascais, mas achava ruim, fazer o que? Minha cabeça estava em outro lugar. A gente ouvia Smiths e o cantor era desafinado. Aí diziam: "Mas o Johnny Marrs é um gênio!". Eu não conseguia ouvir porque a voz do cantor me incomodava. Ou seja, era um velho de 60 anos em Londres nos anos 80, cara! Então vendi uma guitarra para o Faiska, outra para o amigo dele, fiquei com a Strato, aquela que está na capa do Mandinga. O Faiska entrou no Magazine, mas odiou e saiu. Pediu para eu fazer os shows e me dei bem com o Kid Vinil. Acabou o Magazine, fizemos a banda Heróis do Brasil e foi quando comecei a compor, porque o Kid se recusava cantar Boy e Tique Tique Nervoso. Assinamos com a BMG/Ariola e chamamos o Roberto de Carvalho. A Heróis do Brasil virou uma banda cult. O primeiro show que fizemos no Chacrinha tocamos Conta da Light e arrancamos a calça dele. Alinhavamos uma calça velha que ele tinha e veio um pela frente e o outro por trás: "Se não voltar a luz, saio pelado tonight…", e a gente puxava. O Chacrinha amou, o disco vendeu bem. Virei letrista. O Rádio Taxi começou pedir letra, a Rita pegou uma música que era para o Kid.

EM – Que música foi essa?
AC – Foi Para com Isso do disco Flerte Fatal. É um blues, minha primeira gravação com a Rita. Entrei como convidado. Acabou a gravação e eu entrei na banda (risos). O disco saiu um mês depois. Mas uma coisa era tocar com o Kid Vinil nos lugares mais legais de São Paulo, o Rose Bombom, Projeto SP, Sesc Pompéia. Outra era ficar hospedado no Copacabana Palace com a Rita Lee.

EM – Aí você é gente.
AC – Você é gente tocando com o Kid Vinil. Com a Rita você vira divindade. Eles tinham acabado de fechar um contrato de um milhão de dólares, dinheiro que não existia no Brasil. Assinei os direitos autorais com EMI por sugestão do Roberto de Carvalho. Não sabia nada disso na época. Olha só, fiz nove músicas para a Heróis do Brasil e ganhei um muito obrigado. Assinei uma música com a Rita Lee e ganhei um carro zero.

EM – Era uma indústria muito poderosa nessa época.
AC – Era muito forte. Descobri que ser um bom guitarrista não faz você trabalhar. Garante gigs boas e fica seguro, mas o que dá dinheiro é ser um compositor. Fiquei esperto com isso e o Roberto era o meu mentor nesse período. Comecei a produzir e ele e a Rita avaliavam o que eu estava fazendo. Havia um tecladista que tocava muito, tinha o Roberto que tocava muito, ele é um músico acima da média. Você tem grandes músicos e tem o Roberto de Carvalho. E quando você toca com esses caras tem de ficar esperto, achar o teu lugar dentro da banda e na banda da Rita nunca consegui achar. Em disco sim, na banda não. Então saí antes de começar a turnê. Virei artista solo, compondo mais ainda. O André Geraissati me indicou para o Zuza Homem de Mello que me indicou para um show do Talento. De lá fui para o Espaço Off e o João Lara Mesquita me contratou para a Eldorado.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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