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Qual é o 'tamanhozinho' do rock no Brasil?

Combate Rock

06/10/2014 11h53

Marcelo Moreira

Enquanto os artistas nacionais lutam por espaço em casas noturnas e bares – e lutam para resgatar o espaço que o rock já teve -, os estrangeiros fazem a festa no Brasil neste mês de outubro, em especial em São Paulo. No último final de semana, a capital paulista recebeu o ótimo Dream Theater no Espaço das Américas, com ótimo público, além das pancadarias do Exodus, Exciter e Brutal Truth e do instrumental bem elaborado de Joe Satriani. É mais um soco no estômago de quem acha que ainda há luz no fim do túnel para o som autoral no Brasil.

"As bandas internacionais escolheram a periferia do mundo para recuperar o dinheiro que perdem ou não ganham mais na Europa e nos Estados Unidos. América do Sul, México, Índia, Austrália e Sudeste Asiático são a mina de ouro para muita gente que antes nunca olhou para estes lugares ou que nunca se dignou a encarar mais de dez horas de viagem de avião", afirma resignado um importante músico paulista, que integrou bandas de primeiro time do Brasil e que pediu para não se identificado. "A concorrência, que antes era intensa, agora se tornou predatória. Tem banda boa que não consegue levar público nem de graça, pois a galera prefere pagar 100 vezes mais para ver o Dream Theater, que vem a cada dois anos."

As razões para o pouco público nos shows nacionais também passa pela enxurrada de atrações internacionais, mas não pode servir de "muleta" para encobrir os problemas estruturais do próprio mercado. Existe um claro sentimento de que os roqueiros brasileiros nacionais não enxergam nos artistas daqui algo de qualidade, que mereça o interesse de uma parcela maior do que a que dedica temo e dinheiro às bandas nacionais. E sabemos que falta de qualidade não é a questão. Como combater esse "viralatismo", ou seja, essa síndrome de cachorro vira-lata?

Dream Theater (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Dream Theater (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Que não se tome, evidentemente, o último final de semana como a norma, já que houve uma concentração exagerada de shows internacionais em três dias, sendo um grande hit no Brasil (Dream Theater) e uma atração há muito esperada (Exodus, agora com Steve "Zetro" Souza de volta aos vocais). Ainda assim, não se pode desprezar o impacto que o grande volume de shows internacionais semanais desde 2011 no espaço para as bandas nacionais, sobretudo em relação á bandas de metal.

De forma precisa, os Paralamas do Sucesso mostraram o que é o rock no Brasil, quando do lançamento do DVD/CD "Paralamas 30 Anos – Multishow ao Vivo". O trio acredita no encolhimento do público de rock. Para Barone, o rock ficou rendido com a popularização massiva de outros gêneros que os jovens consomem. "Hip hop, funk, música sertaneja, seja lá o que for. Com a ascensão da classe C, isso acabou pegando uma fatia do mercado que um dia o rock representou. A gente sabia que nosso sucesso era um fenômeno mais de classe média", afirmou o baterista João Barone em entrevista ao portal UOL no final de julho.

O baixista Bi Ribeiro argumenta na mesma entrevista que o rock voltou "para o tamanho que tem que ser, do tamanho que era antes de ter essa onda da qual a gente fez parte. O rock existia antes no Brasil, como um gênero pequeno. Voltou para o tamanhozinho dele".

Será que o rock foi reduzido a esse "tamanhozinho" ao qual se referiu o músico do Paralamas? Será que a explosão do pop rock nacional nos anos 80 foi apenas isso, um fenômeno de entretenimento localizado e datado? "O mercado encolheu e tanto bandas como produtores e promotores de eventos não souberam como enfrentar essa situação. Por mais que a economia esteja em ritmo mais lento, a gente vê casas dedicadas ao sertanejo lotadas, shows lotados, com ingressos que não são baratos, assim como as bebidas. Por que funciona para eles e para o rock não?", questiona o radialista e músico Vitão Bonesso, apresentador do programa Backstage (Kiss FM) e diretor da web rádio Backstage.

Ele acredita que falta muito empenho de quem contrata shows para divulgar os eventos, principalmente quando se fala em shows de médio e pequeno portes. "A divulgação é fala, às vezes fica apenas nas costas dos músicos das bandas, que ainda recebem mais essa incumbência, e com cachês que às vezes são insuficientes. Algumas poucas bandas de rock e pop rock conseguem alguma repercussão porque conseguem investir em uma infraestrutura mínima de divulgação, com alguns tipos de assessorias, mas ainda assim é complicado furar o bloqueio da mídia, que aposta no que dá retorno."

Paralamas do Sucesso (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Paralamas do Sucesso (FOTO: DIVULGAÇÃO)

 O melhor cronista do rock nacional na imprensa é o jornalista, escritor e cineasta Ricardo Alexandre, autor dos livros "Dias de Luta" e "Cheguei Bem a Tempo de Ver o Palco Desabar". Em um texto para o seu blog, escrito em 2013, ele analisava o fato de que o rock se exauriu no Brasil por não produzir mais hits, ou seja, aqueles sucessos, com qualidade ou não, que puxavam todo o resto do mercado. Nada mais verdadeiro, se verificarmos que o último grande hit roqueiro foi a fraca "Anna Julia", dos superestimados Los Hermanos, em 1999.

"Por que o ouvinte casual, o jovem urbano preocupado com trivialidades da vida, não teve sua atenção fisgada por nada remotamente semelhante ao rock? Por que ninguém com uma guitarra dependurada no pescoço sentou-se desde então para compor "um som que ultrapassasse a barreira das AM, FM e dos elevadô?", pergunta Alexandre de forma pertinente em seu ótimo artigo.

Especulando sobre o porquê de o rock ter encolhido e sumido das rádios e das mentes dos jovens e dos não tão jovens, o jornalista escritor elaborou quatro hipóteses que fazem todo o sentido, e que reproduzimos abaixo:

a) A internet facilita a criação de microcelebridades. Nos anos 80 e 90, qualquer banda precisaria passar pelo esgana-gato de encarar um público que não era o seu, na casa noturna, na FM, no programa da TV aberta. Com o surgimento das redes sociais, qualquer banda maluquete inviável arregimenta "fãs", baba-ovos e seguidores que compactuam de seu mesmo compromisso com o fracasso. E a sensação de sermos microcelebridades anula qualquer necessidade de comunicar-se com um público maior.

b) A crise de oportunidades leva todo mundo a se fechar. Não dá para negar que o século 21, a reboque a inversão de expectativas em relação ao mercado fonográfico, recebeu todo o universo pop como uma grande crise de oportunidades. A revista Bizz fechou no ano 2000. O caderno Zap! durou até 2002. As rádios de perfil roqueiro acovardaram-se e pouco lançavam. A MTV "abriu" sua programação para os gêneros mais populares antes de entender que a saída era des-musicalizar sua programação. As casas de shows médias das grandes capitais fecharam. Ou seja, sem as plataformas de dez anos atrás, diversos talentos surgiam e não tinham retorno estético para seu trabalho, nem espaços mais ousados editorialmente para se lançar. A única opção artística tornou-se o underground e a movimentação lateral (festivais, eventos regionais). E o underground, como sabemos, não só não precisa do pop, ele o repele.

c) As facilidades tecnológicas. Se nos anos 70 e 80 você precisava negociar dolorosamente com uma grande gravadora e submeter seu trabalho a uma série de indivíduos de camisa pólo e sapatênis, nos anos 2000 os bons estúdios tornaram-se cada vez mais acessíveis, até chegar ao ponto de qualquer um conseguir gravar em seu próprio notebook. Você pode, como João Marcello Bôscoli, acreditar que o grande artista precisa naturalmente saber comunicar sua arte pura ao grande público. Eu duvido. Se me deixarem criar livremente, serei sempre umbigocêntrico, auto-referente e produzirei música para mim e meus amigos que pensam como eu. É exatamente o que as boas bandas de rock fazem atualmente.

d) Os millenials. Aqui vou chutar ainda mais alto, em direção a uma característica geracional. E acredito que meus leitores que ocupem cargos de gerência ou direção em empresas das áreas de humanas hão de entender: A chamada geração Y, criada sob as regras do self-service, das entregas em tempo real, da internet, das escolas construtivistas, do antropocentrismo e dos três itens acima, não é chegada à parte chata e empírica de todo trabalho. À parte trabalhosa que coloca qualquer idéia inspirada de pé. E o rock, eminentemente jovem, funciona de acordo com as regras da juventude de seu tempo. Pop é inspiração, mas também é trabalho. Chega a ser engraçada a quantidade de vezes em que Paul McCartney em sua biografia "Many years from now" descreve clássicos dos Beatles que John Lennon começou e abandonou e ele, Paul, tomou, trabalhou e retrabalhou até que se tornasse um clássico. John é o impulso, o rock'n'roll. Paul é o trabalho, a carpintaria, é o pop. Sem trabalho, não existe sucesso.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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