Os novos talentos do novo rock instrumental brasileiro - parte 3
Marcelo Moreira
Quando Jeff Beck abraçou o jazz rock, em 1975, lançando o surpreendente e maravilhoso álbum "Blow by Blow", um repórter perguntou a ele após um show em Nova York: "A sua música instrumental não passa de um exercício de virtuose e habilidade. Cadê o sentimento?" "Você assistiu ao show de hoje?", perguntou o irado o guitarrista. Imediatamente, o empresário do músico soltou em um pequeno gravador uma fita cassete com a gravação do show que havia terminado. Era a música "'Cause We've Ended As Lovers", de Stevie Wonder, em versão instrumental, que tinha colocado a casa abaixo.
O preconceito contra a música instrumental no rock, e em especial no Brasil, cresceu ao final dos anos 90 por conta das chamadas "firulas" que os guitar heroes locais faziam em seus shows. Longos solos da dupla Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt nos shows do Angra atraíram a ira de muitos críticos musicais, que não perdiam tempo em metralhar qualquer obra instrumental, tachando-a sempre de "CD para músico" ou "CD aula".
Pura bobagem. Enquanto no exterior bandas como Cosmoquad, The Aristocrats e Animal As A Leaders ganham cada vez mais prestígio, os músicos nacionais que se dedicam ao estilo precisam demonstrar a cada segundo a qualidade de seus trabalhos instrumentais, sempre sob o olhar desconfiado de um público que se desacostumou a ouvir boa música.
Essa e a missão de alguns abnegados que resolveram colocar a mão na massa e romper os preconceitos nossos de cada dia. Maurício Cailet nunca teve dúvidas a respeito do direcionamento de sua carreira como artista solo. Hoje dando suporte na banda de Ivan Busic, baterista do Dr. Sin que se lançou como cantor, o guitarrista continua respeitado pelo excelente trabalho que lançou no ano passado, "Time's Up" (2013).
Se os críticos reclamam dos guitarristas de rock que abusam da velocidade e da técnica consideradas estéreis, então tome altas doses de sentimentos no CD de Cailet. Seus temas instrumentais são expressos por meio de experiências pessoais. "As músicas que compõem este álbum foram inspiradas em eventos da minha vida, experiências (boas e ruins) e em pessoas muito importantes na minha jornada como ser humano e músico", explica o guitarrista.
Nada de comparações com a magnífica obra de Beck de 1975, por favor. Mas o mesmo tipo de emoção talvez possa ser observada e sentida nas faixas "In Memoriam" e "My Light". A primeira, feita em homenagem ao seu pai e grande incentivador, Oglai Cailet, falecido em 1998; e a segunda, dedicada à sua mãe, Yvonne F. Cailet.
"Espero que as pessoas tenham uma boa experiência na audição deste trabalho e cada música desperte sentimentos e emoções, pois isso acontece comigo a cada vez que toco estes temas", diz o guitarrista, que gravou o CD ao lado de Johnny Moreira (bateria, percussão) e Edson Barreto (baixo).
Mais para blueseiro do que virtuose, Cailet adota frases concisas e versáteis, com uma gama enorme de influências. E possível ouvir, em algumas passagens, ecos da guitarra chorosa e comovente de David Meniketti, do Y & T, ou mesmo de um Blues Sarraceno, grandes ícones do hard rock dos anos 80. Em outras passagens, as melodias delicadas extraídas de sua guitarra levam a um passado distante, nos anos 70, para os dedos mágicos de Peter Frampton.
Cailet também é produtor executivo pela Rhadar Cultural da "Mostra Guitarras do Brasil", que este ano chegará à sua terceira edição, na qual se apresentará ao lado de nomes como Sandro Haick, Luciano Magno, Lanny Gordin, Rafael Bittencourt e Michel Leme.
O trabalho musical de Cailet, que atualmente toca profissionalmente com Ivan Busic (Dr. Sin), que promove o álbum solo "Rock And Road" (2013); e nas bandas H.Hits, 4Play, Latin Lovers e M.Cailet Trio, pode ser ouvido no seu perfil do Soundcloud: https://soundcloud.com/mcailet.
Força e precisão
O guitarrista Rodrigo Flausino é outra grata surpresa instrumental vinda do heavy metal de São Paulo. Integrante do pesado grupo Hatematter, atualmente está concentrado na pré-produção do segundo álbum da banda, o sucessor de "Doctrines" (2012), no estúdio Norcal (SP).
Trabalhando ao lado do produtor Brendan Duffey, que assinará a produção do CD com Adriano Daga, o grupo pretende lançar o novo álbum, intitulado "Foundation", no segundo semestre. Ao mesmo tempo, Flausino trabalha na divulgação de seu primeiro trabalho solo, umEP com 4 faixas instrumentais lançado recentemente.
O músico lançou recentemente um videoclipe para a faixa "Pointless Race", produzido por Tiago Pardal Assolini e Wagner Meirinho, da Loud Factory. Com som pesado e rápido semelhante ao do Ignition Overdrive, a musica expõe toda a técnica e precisão do guitarrista, que às vezes remete ao trabalho solo de Kiko Loureiro o de John Petrucci (Dream Theater). Os fraseados são marcantes, com uma alternância interessante entre solos e base, tudo em alta velocidade. Som estéril? A música de Flausino passa bem longe deste adjetivo.
Sobre o CD solo instrumental, Flausino diz que contou com um time de músicos top para as gravações, com Gabriel Triani (Wizards, Republica), Alexandre Panta (Scenes From A Dream) e Felipe Malaquias (Hardstuff). "A produção ficou por conta do meu amigo e parceiro de guitarras no Hatematter, Mauricio Pastori.
"Também contei com a participação de Pedro Miggliaci (Ilustria/Children Of The Beast), que substituiu o grande e saudoso Hélcio Aguirra – ele topou participar do meu EP, mas infelizmente faleceu três dias antes de registrar seu solo", conta. "Ele me influenciou bastante, principalmente com Golpe de Estado. Dedico este trabalho a ele", acrescenta.
Rodrigo Flausino diz que a ideia de lançar um trabalho solo surgiu quando ele percebeu que tinha bastante material composto e não tinha um plano imediato para usar em nenhuma das bandas ou projetos em que estava envolvido. "Eu sou um guitarrista e não dedico tampo tempo a me aventurar em outros instrumentos, portanto quis deixar a guitarra em primeiro lugar. Entretanto, não é solo de guitarra o tempo todo. Curto muito pensar em ideias para riffs, harmonias, frases…"
Prog metal por excelência
A dupla de guitarristas do Andragonia, Cauê Leitão e Thiago Larenttes, assumem sem nenhum problema o lado guitarreiro. Como o som da banda em que estão, apostam em seus trabalhos solos em músicas bem trabalhadas e intrincadas, com mudanças de andamentos e boa quantidade de solos.
Leitão lançou há pouco tempo o celebrado álbum "Guitar Lab Experience". Classificado como um "tipo CD de guitarrista egocêntrico" por alguns veículos de comunicação, o álbum traz algumas boas ideias, deixando clara a enorme habilidade do músico. Ok, há alguns abusos na velocidade em determinadas músicas, mas o que predomina é um som pesado e intenso, cheio de variantes e passagens bem executadas.
O músico pernambucano é muito habilidoso e criativo, especialmente na primeira faixa, "Corner in the Goddess in the Desert". Há boas ideias desenvolvidas, como em "Chaos on the Ropes" e na faixa-título, mas peca pela repetição de truques e pela pouca variação nos temas.
Mesmo repetitivo em algumas faixas, o álbum tem méritos e revela um guitarrista talentoso e pesado, mesmo que não tenha apresentado novidades em seu trabalho até agora. Com um pouco mais de trabalho nas composições, sempre em busca de um estilo próprio, tem potencial para se tornar um dos grandes nomes do rock pesado nacional.
Thiago Larenttes optou em "Heartbeat", seu CD solo, por uma abordagem mais experimental, com bastante elementos de música eletrônica. O rock está presente, mas não é tão pesado como nas músicas do Andragonia. Usa e abusa das técnicas two hands e tapping, com as duas mãos no braço da guitarra, obtendo sons percussivos e inusitados.
"Fui influenciado pela guitarra mágica de John Petrucci, do Dream Theater, que toca com muita dedicação e energia, mas ao ongo do tempo fui ouvindo e incorporando outros estilos em meu desempenho, como Steve Vai, Guthrie Govan, e muitos outros. Também sou produtor musical e tento assimirlar o máximo de influências para aumentar meu espectro de trabalho e realmente acrescentar algo diferente em meus trabalhos", diz o guitarrista.
Para terminar, uma preciosa dica do experiente Antonio Celso Barbieri, jornalista brasileiro há anos radicado em Londres – acesse http://www.celsobarbieri.co.uk e ão se arrependa.
Ivan Barasnevicius Trio é surpreendente, apesar de classificar seu próprio som como sendo jazz . Na verdade, é mais um rock progressivo de boa qualidade, mesclado com jazz e MPB. Com pegada distinta e timbre de guitarra interessante, na melhor tradição Joe Pass e John McLaughlin (Mahavishnu Orchestra). O primeiro álbum, mesmo com um som mais limpo do que recomendado, merece a audição, especialmente das faixa "Síntese" e da mais pesada, "Machine".
Sobre os Autores
Sobre o Blog
Contato: contato@combaterock.com.br
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.