A inteligência vai derrotar o politicamente correto - mais uma vez
Marcelo Moreira
O politicamente correto continua em cruzada firme para atropelar a liberdade de expressão e de opinião em todos os níveis. A situação vem progressivamente piorando nos últimos cinco anos, mesmo com o fracasso da maioria das tentativas – especialmente quando "respaldado" por argumentos ideológicos retrógrados ou de origem religiosa igualmente estapafúrdios.
De mãos dadas com a ignorância e com a falta de respeito, o politicamente correto acentuou os ataques, ainda que de forma atabalhoada, a crítica nas áreas de cultura, artes e espetáculos, tanto em jornais como na internet.
Parece existir uma regra não escrita de que é proibido falar mal de qualquer coisa e de alguém, e que tudo precisa ser sempre relativizado, e que a tal "contextualização" serve como muleta para toda e qualquer justificativa para que se não se fale mal de uma obra de arte.
E o problema só aumenta quando jornalistas, que deveriam se vacinar contra essas atitudes perniciosas, encampam visões "corporativas", digamos assim, com críticas a quem critica, por exemplo, um show antecipadamente – mais claramente, quando críticos e jornalistas em geral escrevem ou falam que tal espetáculo é uma "roubada", recomendando que o público fuja alucinadamente.
Ainda existem outros exemplos, que vão do mais simples e rasteiro – legiões de fãs inconformado com críticas negativas a seus ídolos – ao mais pedante e arrogante pseudointelectualismo de boteco movido a tintas malcheirosas de ideologia burra e ultrapassada. É o caso do abjeto patrulhamento em cima do suposto conteúdo racista de algumas obras de Monteiro Lobato, que ocorreu anos atrás..
Se a internet revolucionou a forma de como o ser humano lida e obtém informação, também mudou para pior a forma de como as pessoas discutem e debatem. A internet jogou o debate na lata do lixo em grande parte dos assuntos relevantes em qualquer parte do mundo.
Transformou-se em uma enorme cracolândia (parafraseando o sábio jornalista Décio Trujillo Júnior), onde a desqualificação virou o principal argumento de discussão – e ferramenta obrigatória de indigentes intelectuais e culturais para mascarar a própria ignorância.
Ter opinião é pecado no século XXI dominado pela tecnologia, pela web e pelas redes sociais. A crítica negativa de um disco ou um livro é apedrejada de forma inacreditável apenas por ser o que é, uma crítica. Com a interatividade, leitores/internautas travam um debate de baixíssimo nível, como se o ídolo fosse unanimidade e inatacável.
Não se respeita mais na internet e nos jornais o direito de jornalistas, críticos e especialistas respeitados, com pelo menos duas ou três décadas de ofício, de opinar. Ninguém diverge, contesta ou discorda com educação ou argumentos. Diverge-se, contesta-se e se discorda com ameaças e agressões verbais de todos os tempos. É um movimento inaceitável de cassação do direito de criticar e opinar. Se esse ambiente bélico domina a área cultural, imagine então a tosqueira que toma conta de fóruns políticos ou de futebol.
Tal quadro desalentador é observado de forma mais acentuada na área de cultura popular, particularmente na música. O anonimato e a distância tornaram a covardia e a agressão gratuita ferramentas essenciais para a imposição de ideias ou para protestar de forma a intimidar articulistas ou especialistas de todos os matizes.
Os ataques veementes e constantes contra a opinião e a crítica, quase sempre de forma tola, vazia e inconsequente, instauraram um clima de inquisição na internet. Mais do que a arquibancada violenta de um Fla-Flu ou um Corinthians e Palmeiras, qualquer crítica ao trabalho de certos artistas vira motivo para um autêntico linchamento moral e ético contra o autor.
Parte expressiva dos "comentários" em sites variados, emidioma com algum parentesco com o português, sempre abusa de xingamentos, desqualificações rasteiras e protestos estéreis contra os autores. Em nenhum momento chegaram perto de argumentar com algum nível de decência o objeto da questão – as críticas em si.
O poeta e escritor Luiz Carlos "Barata" Cichetto, conhecido no meio underground do rock e dos cenários literários alternativos de São Paulo e Rio de Janeiro, sofreu uma ação massiva de xingamentos e desqualificações anos atrás quando publicou em um site especializado um texto onde apontava as coincidências e quase plágios na obra de Raul Seixas – texto já reproduzido no Combate Rock. Detalhado e bem fundamentado, o artigo foi desqualificado por quase todos, mas em nenhum momento foi contestado de forma séria.
Acreditar que toda essa várzea é o retrato da internet é um equívoco tremendo e uma injustiça para com a parcela de pessoas sérias e que usa a web com prudência e inteligência. No entanto, não há como ignorar a sensação de que é justamente a cracolândia é que domina o ambiente virtual, tanto em português como em qualquer língua. A precarização e o baixo nível não são privilégio dos brasileiros.
Ainda assim, é assustadora a indigência intelectual que dominam fóruns e páginas de opinião de blogs, portais e sites brasileiros. O desconhecimento total da função de jornalistas e críticos revela de forma inequívoca o elevado grau de desinformação do público em geral, evidenciando, por outro lado, um viés extremamente perigoso: a intolerância para com a divergência, a diversidade e a diferença.
Não são poucos os iletrados que "questionam" o papel do jornalismo, da mídia e da imprensa, chegando à petulância de dizer (ou seria "determinar") o que um jornalista deve ou não escrever, e como tem de escrever. "Jornalista não pode dar opinião" é apenas a mais frequente dos lixos publicados em páginas de comentários em grandes portais de internet.
O baixo nível predominante na internet e a incapacidade – ou recusa – de compreensão de qualquer texto opinativo é um indicativo preocupante de uma tendência autoritária que predomina no grande público – algo bastante comum em ambientes de discussão política, seja de direita ou esquerda, igualmente de níveis baixos de inteligência, cultura e tolerância.
A tentativa de imposição de uma "homogeneização" de pensamento artístico-cultural – onde o politicamente correto, a ausência de senso crítico e a esterilidade de ideias predominam – é inócua, mas não menos desalentadora.
Qual o sentido de opinar, criticar, debater e pensar em um ambiente que repele a vida inteligente, onde o que interessa é a futilidade e o entretenimento mais rasteiro e pueril que existe? Levar luz às trevas? Por mais que intelectualmente seja tentador, essa motivação é pedante demais. Satisfação pessoal? Egoísta demais.
O fato é que críticos, colunistas e jornalistas especializados são cada vez mais lidos na internet, seja em blogs pessoais ou em espaços próprios em grandes portais ou portais de grandes jornais. Os acessos e o número de comentários só aumentam. Portanto, eis a maior vitória da vida inteligente na internet: criticados, desqualificados, xingados e até ameaçados, os jornalistas com opinião e ditos "polêmicos" são cada vez mais lidos em um verdadeiro mar de mediocridade.
É maior prova de vida inteligente na web – prova incontestável de que críticos, colunistas e jornalistas especializados serão sempre cada vez mais necessários. A liberdade de imprensa, opinião e expressão vai vencer sempre, para sorte do mundo civilizado.
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