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Ratos de Porão mais sinistros do que nunca

Combate Rock

07/06/2014 23h11

Marco de Castro – do UOL

Em meio ao caos e a explosões nucleares, uma multidão levanta seus smartphones para registrar o apocalipse e postar as fotos em redes sociais. Esse é o cenário que se vê na ilustração na capa de "Século Sinistro", 15º álbum de estúdio da banda Ratos de Porão, lançado no final de maio em shows no Sesc Pompeia, em São Paulo.

"O mundo está caminhando para isso. É o século sinistro. Tipo aquele livro '1984' [George Orwell], mas em 2014. Todo o mundo é vigiado, todo o mundo é controlado. Não dá nem para conversar mais", explica o vocalista João Gordo, que escreve as letras da banda e teve a ideia para a capa, uma arte em stêncil feita pelo grafiteiro Ricardo Tatoo.

O tema está presente em outras duas músicas do disco. Em "Viciado Digital", o refrão diz: "Viciado digital /Conectado /Em tempo integral /Intimidade escancarada /Numa rede social /Roupa suja mal lavada /No Facebook é de doer /Tuitando suicídio /No Instagram foto vai ter". E, na faixa-título, Gordo anuncia um futuro sombrio, mas com todos conectados: "A morte iminente /Com fome, sem água, sem casa /Na vala /Com internet ilimitada".

"Casamento tem que ter filho"

Há oito anos sem lançar um álbum –desde "Homem Inimigo do Homem" (2006)–, o grupo paulistano de crossover (estilo que mistura punk rock, hardcore e thrash metal) retorna aos 33 anos de carreira com o aguardado trabalho. "A gente vinha há oito anos patinando, só tocando música velha", diz Gordo, que conta que o disco foi composto em "três ou quatro meses". Ele compara a banda a um casamento e o álbum, a um filho. "Casamento para dar certo tem que ter filho, né?"

Reprodução

As 13 faixas do trabalho, pesadíssimas e tocadas na velocidade característica da banda, não decepcionam. Em relação aos trabalhos anteriores, uma das principais diferenças de "Século Sinistro" talvez seja a forte influência do heavy metal. "O [baterista] Boka e o [baixista] Juninho chegaram com essa influência do disco novo do Corrosion. Essa coisa meio Black Sabbath", conta Gordo, citando o último disco, autointitulado e lançado em 2012, da banda californiana Corrosion of Conformity. "Mas as músicas que eu e o [guitarrista e fundador da banda] Jão fizemos já não têm isso. A gente é resistente, quer tocar rápido."

Outro diferencial é a qualidade sonora. Gravado em formato analógico no estúdio Family Mob, em São Paulo, o disco traz um som limpo, com todos os instrumentos e vocal marcando presença de forma nítida. "Gravar em analógico é um lance que faz parte do Ratos. Até porque cria uma sonoridade única. Eu, particularmente, saí bem contente da gravação", diz o guitarrista Jão. "A gente é uma banda do século passado e gosta de gravar de um jeito analógico. Não consegue se acostumar com esse som digital, metálico de alumínio, que existe hoje", completa Gordo.

PMs x manifestantes

"Século Sinistro" abre com sons de gritos e explosões dos confrontos entre manifestantes e policiais militares na onda de protestos que marcou o mês de junho de 2013. O áudio do episódio é a introdução da música "Conflito Violento". "Borrachada para todos/ Todo mundo apanha igual/ Criança, velho, aleijado/ Jornalista toma um pau", diz um trecho da letra.

"As grandes corporações da mídia manipulam o povo para acreditar que os manifestantes são vilões e a polícia está agindo certo. Como se fosse normal dar porrada, jogar gás lacrimogêneo e bater em professor e velhinho", opina o vocalista. "O quebra-quebra é uma reação à repressão policial."

"Conflito Violento" é uma das várias músicas que, ao longo da carreira da banda, retratam fatos da história recente do país, como "Plano Furado", de 1989, que aborda o Plano Cruzado, e "Suposicollor", de 1993, sobre o ex-presidente Fernando Collor, que havia sofrido impeachment no ano anterior.  "Acho que estamos poupando muita gente de pesquisar os jornais do período. É só pegar um disco do Ratos e escutar, que você sabe mais ou menos o que estava acontecendo de ruim na época", ironiza o guitarrista Jão.

Contra a Copa

Outro destaque do álbum é a faixa "Grande Bosta", que, segundo João Gordo, é a "música da Copa" do Ratos de Porão. Além de um riff de guitarra poderoso, a música tem um refrão grudento que diz que o Brasil é, sim, campeão: "Em espancamento de mulher", "endividar o Zé Mané" e "fazer filho e dar no pé".

Gordo comenta o que para ele, provavelmente, será o resultado da Copa disputada no país. "O Brasil vai ser campeão, vocês vão ver. Já está tudo combinado", afirma e completa: "Lutamos contra isso. Eu sempre fui contra a Copa do Mundo. A gente torce contra."

O guitarrista Jão concorda: "Brasileiro é bom de bola, de mostrar a bunda e de roubar. Brasileiro tem o dom de fazer coisa ruim, desviar dinheiro. Só quer samba, churrasco, cerveja, bunda, enganar o patrão".

Participações e próximos passos

"Século Sinistro" conta com duas participações especiais. Uma é do guitarrista Moyses Kolesne, do trio gaúcho de death metal Krisiun, que toca os solos nas faixas "Neocanibalismo" e "Progreria of Power", essa última cover da banda sueca de hardcore Anti Cimex. A outra participação é de Atum, porquinho de estimação de João Gordo, que solta urros perturbadores no início de "Sangue e Bunda". No encarte, a banda avisa que não houve crueldade com o animal.

Gordo, que atualmente é vegetariano, conta a história de Atum. "Ganhei esse porco de presente, e ele virou meu bicho de estimação. Ele foi sortudo, porque escapou de virar bacon. Mas logo começou a zoar tudo lá em casa. Acabei mandando ele embora. Hoje está numa fazenda, e é reprodutor".

Sobre Moyses Kolesne e o Krisiun, Jão, que convidou o guitarrista para participar do disco, é só elogios. "Rola um respeito mútuo entre as bandas. São uns caras que a gente curte muito. Não fazem concessão no som deles. E eles também curtem a gente. Sempre falam do Ratos".

Gordo, que participou do último disco do Krisiun, "The Great Execution" (2011), escrevendo a letra e cantando na faixa "Extinção em Massa", afirma que o grupo gaúcho é, atualmente, o maior representante do metal brasileiro no exterior. "Os caras tocam 300 shows por ano e são muito respeitados", diz o vocalista.

 Agora, além dos shows para divulgar "Século Sinistro", o Ratos de Porão prepara um DVD da apresentação comemorativa dos 30 anos do primeiro disco da banda, "Crucificados Pelo Sistema", com a formação original do grupo, que trazia, além de Gordo no vocal, o guitarrista Jão tocando bateria, o baixista do Ultraje a Rigor, Mingau, tocando guitarra, e Jabá tocando baixo. O vocalista também avisa que a banda aceitou o convite do selo norte-americano Relapse para fazer um split-album (disco dividido entre duas bandas) com o grupo italiano de grindcore Cripple Bastards. "A gente nunca para. O RDP é uma das únicas bandas do Brasil que nunca parou", conclui Gordo.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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