Faltam cérebros para resgatar o ambiente político no pop rock nacional
Marcelo Moreira
Nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo, era fácil ouvir músicas como "Até Quando Esperar" e "Proteção" embalando os protestos de junho do ano passado, seja nas caixas de som ou nas vozes de milhares de manifestantes. Com orgulho de ser "alternativa" e de não fazer concessões, a banda Plebe Rude virou trilha sonora de jovens de uma geração que aprende na marra a fazer com que suas opiniões sejam ouvidas – e que também aprende muito com letras intensas e músicas agressivas de grupos que tinham bastante a dizer nos anos 80 – Inocentes, Cólera, Garotos Podres, Ratos de Porão e a própria Plebe Rude, provavelmente o expoente mais agressivo e intenso do rock de Brasília.
"Até que enfim! Tudo aquilo que cantamos e tocamos há 25, 30 anos se materializou nos protestos de junho. Não há como não ficar orgulhoso de as pessoas ouvirem e se identificarem com músicas que retrataram uma época intensa e importante politicamente, e que ainda continuam atuais, infelizmente", diz um empolgado Philippe Seabra, guitarrista, vocalista e mentor da Plebe Rude, que está mais ativa do que nunca 32 anos depois de seu primeiro show.
Naquele mês, outras duas músicas foram muito executadas, e que continuaram a ser trilha sonora dos milhares de protestos em São Paulo desde então: "Estado Violência" e "Polícia", dos Titãs. Além de terem em comum terem servido de trilha para as manifestações, as músicas em questão evidenciaram uma triste realidade: os manifestantes de hoje, mais da metade deles jovens estudantes ou trabalhadores, precisaram vasculhar lá no passado para encontrar a trilha adequada em plena segunda década do século XXI. São músicas compostas e gravadas há mais de 30 anos, quando a imensa maioria nem era nascida.
A política e as canções de protesto não seduzem mais os jovens e, por conta disso, as bandas de rock da atualidade. A raiva e a ira só sobrevivem mesmo nos guetos, no rap, no que sobrou de punk e no metal extremo, este cada vez mais "guetificado" e isolado. Duas bandas estão pegando muito pesado, com letras interessantes e de pegada: os cariocas do Confronto e os paulistanos do Project46, mas são vozes isoladas e ainda pouco ouvidas.
"Tenho percebido uma desorientação generalizada em relação aos caminhos do país. Há muitos protestos, mas nenhum foco, e os roqueiros brasileiros mais uma vez perderam uma oportunidade para entrar com tudo no debate e fazer a sua parte – sem falar que é uma hora interessante ara exercer a criatividade", diz José Rodrigues Júnior, professor universitário de história que também é conhecido como Mao, o combativo ex-vocalista do importante Garotos Podres, grupo de ponta do movimento punk nacional. Hoje está á frente do não menos engajado e combativo O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos.
Ativista engajado em causas sociais, de orientação esquerdista, Mao crê que houve uma acomodação da juventude a partir dos anos 90, com uma consequente perda de interesse no debate político e no engajamento social. "Os partidos políticos, todos eles, perderam progressivamente a sua capacidade de mobilização e os artistas não conseguiram entender o momento. Pior do que isso, há cada vez menos gente ouvindo rock no Brasil, que é o único gênero que foi capaz de atrair a atenção para questões mais complexas a partir dos anos 80."
Quem ainda não abandonou o discurso político e o ativismo é o Detonautas Roque Clube, que ainda causa polêmica com alguns discursos e mensagens de seu vocalista, Tico Santa Cruz. Formado em ciências sociais e engajado socialmente em uma série de causas no Rio de Janeiro, foi bastante criticado no Rock in Rio 2013 ao defender manifestantes mascarados em manifestações na cidade – o governador Sérgio Cabral (PMDB) conseguiu aprovar uma lei na Assembleia Legislativa fluminense proibindo máscaras nos protestos, numa tentativa de coibir vandalismo.
O cantor foi acusado por alguns jornalistas e políticos de defender a atuação de vândalos e de apoiar as práticas autoritárias e totalitárias dos black blocs. Articulado e inteligente, enfrentou uma maratona de discussões pelas redes sociais e mostrou que é um dos poucos cérebros no pop rock nacional capazes de refletir sobre o momento político-econômico do Brasil, ainda que eventualmente suas ações possa gerar dúvidas a respeito de suas posições, como no caso do discurso polêmico e, de certa forma, equivocado, no palco do Rock in Rio.
"Sejamos claros – ninguém pode ser a favor de depredações ou atos de vandalismo – mas sejamos realistas também; qual foi a revolução real que mudou um sistema apenas com pessoas andando de branco por uma avenida? A violência está inserida dentro do contexto das mobilizações quando se parte do princípio de que ela seja uma reação a violência do Estado", afirmou Santa Cruz em discussão com este jornalista no ano passado por meio de redes sociais.
"O Estado que usa da força policial mascarada e sem identificação para violentar o cidadão de bem, que não está quebrando nada e nem querendo destruir o patrimônio público. No entanto ao entrar numa escola pública ou num hospital público, encontra o patrimônio público destruído por estes covardes que não querem ser questionados. Como coloquei no meu discurso no Rock in Rio, se eles quisessem mudar alguma coisa realmente, colocariam em prática as reformas que precisamos para que possamos ter mudanças reais nessa tal "democracia" Brasileira. Mas o que eles fizeram? Aprovaram uma lei – no Rio de janeiro – onde se proíbem máscaras – enquanto o governador faz acordos espúrios com uma empreiteira que agora esta sendo investigada por desvio de milhões de reais de obras na cidade, incluindo o PAC", explicou o músico. As letras do próximo trabalho da banda, que sai ainda neste ano, provavelmente vão refletir esse estado de espírito.
Santa Cruz e Mao são oásis de lucidez e disposição para o debate inteligente em meio a um ambiente de completa indigência intelectual. Em um momento de questionamentos sérios aos gerenciamento do país, em plena Copa do Mundo realizada no Brasil, algo tão ambicionado tempos atrás, é chato observar que qualquer ambição de mudar o foco das mensagens das músicas nas bandas brasileiras deixou de existir há muito tempo – não é por acaso o fato de o pop rock nacional estar acabando, cada vez mais distante da juventude.
É uma questão de educação (ou falta de)? Sim, de certa forma é verdade, ao observarmos que estudantes de todos os níveis e de qualquer faculdade ou escola técnica saem totalmente despreparados – quando não com graves problemas de alfabetização. Os índices de leitura, míseros, caem ainda mais, e ainda vemos estudantes bradando na internet e em entrevistas que não leem e que odeiam livros jornais. É claro que o pagode, a axé music e o sertanejo da pior espécie vão proliferar em ambientes infectos como esse.
Em ano de eleição presidencial, onde os ânimos estão mais acirrados como nunca estiveram neste século, diante de uma polarização radical em alguns setores, é triste ver que os poucos jovens que sabem o que estão fazendo nos protestos frequentes atuais precisem buscar nos anos 80 os hits que vão embalar os movimentos.
É triste constatar que o debate político dentro da cultura ainda seja pautado por mentes emboloradas gente como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que defendem a censura, no caso da publicação de biografias. Ou então fica pululando nas polêmicas estéreis e superficiais criadas por roqueiros dos anos 80 atingidos por uma senilidade precoce, como é o caso de Roger Rocha Moreira, do Ultraje a Rigor, e de Lobão, que agora está travestido de colunista conservador da conservadora revista Veja.
Quem será que vai conseguir elevar o nível dessa discussão? Quem será o artista novo do pop rock (esqueça a moribunda e vazia MPB atual) que poderá ao menos chamar a atenção com uma postura política digna de ser apreciada, ainda que haja equívocos conceituais ou por conta de falta de informação?
"Música virou artigo descartável hoje, ninguém mais tem o apreço pela canção, seja qual for o gênero. Ninguém mais para para escutar e apreciar uma música. Se ninguém mais ouve, como então poderemos exigir que as pessoas pensem, reflitam e analisem? Infelizmente, isso não vai partir do meio musical, não na atualidade", sentencia o violeiro Ricardo Vignini, um dos líderes das bandas Moda de Rock, Matuto Moderno e Mano Sinistra.
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