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Rock no Brasil peca pela originalidade, mas mostra muita qualidade

Combate Rock

04/05/2014 15h39

Marcelo Moreira

A eterna busca da originalidade é fonte de extrema angústia para músicos em todas as áreas, e algo que críticos e jornalistas cobram com veemência em um momento onde a música se tornou supérflua e que perde valor cultural constantemente. Como busca algo diferente em um segmento como o rock, onde aparentemente se tem a sensação de que se chegou a um teto, ou a um momento de saturação? Como estimular a criatividade na busca pelo inédito e pelo novo?

Desafio que se estende a todo o mundo – pelo menos aos músicos e a uma parcela dos consumidores que gostam de ser surpreendidos -, a procura por músicas diferentes e bandas inovadoras perdeu um pouco de fôlego nos últimos anos, no mesmo ritmo em que o mercado encolhe e os instrumentistas e cantores encontram menso lugares para tocar.

Cada vez mais bandas e artistas divulgando seus trabalhos, e cada vez menos tempo para ouvir tudo, para buscar coisas novas e muito menos lugares para ver e ouvir rock autoral. Será que realmente existe música que seja ao menos um pouco diferente na atualidade, que possa surpreender o ouvinte – para o bem ou para o mal?

O rock nacional, variando entre pop e rock, há coisas interessantes. Se não há originalidade, ao menos existe sopros bem-vindos de qualidade e um pouco de ousadia, como no caso da banda paulistana Fábrica de Animais, que seu som coalhado de blues, soul e rock ligeiramente pesado, com o ótimo vocal de Fernanda D'Umbra. O trio paulistano O Terno se destaca pela mistura de elementos do rock sessentista britânico, rock setentista brasileiro e MPB com competência, embora a originalidade não seja o forte do grupo.

Mergulhando na linha do rock psicodélico, bebendo também no rock setentista e no progressivo, há duas boas iniciativas, com criatividade em alta. Os goianos do Boogarins, com agenda cheia em shows no Brasil e no exterior, mostram garra e qualidade no recente Popload Gig, festival alternativo no final de novembro, em São Paulo. O quarteto faz um trabalho diferente, com qualidade e inteligência, buscando sonoridades pouco abordadas no Brasil.

Capa do primeiro álbum do Anjo Gabriel,

Capa do primeiro álbum do Anjo Gabriel, "Culto ao Segredo do Anjo Gabriel"

Hard rock setentista alemão diretamente de Pernambuco, da melhor qualidade. A banda Anjo Gabriel não economiza na hora de explicitar as suas influências. E não está nem aí para as costumeiras críticas de "som datado", "estagnação no passado" e outras idiotices que costumam acompanhar quem opta pelo som vintage em pleno século XXI, fazendo música boa e repleta de referências. Mesmo que seja música instrumental, algo que nunca teve boa acolhida por aqui, a banda tem qualidade de sobra para conquistar os fãs roqueiros órfãos de música com qualidade e informação.

A banda Anjo Gabriel, além de apostar em algo próximo do que ficou convencionado de kraut rock – típico som pesado e progressivo característico de grupos alemães dos anos 70 -, faz músicas instrumentais e de longa duração, o que assanha ainda mais os críticos pobres de espírito e sem nenhuma cultura musical. É stoner rock, bem pesado e cadenciado, mas também é doom metal, com seu ritmo que lembra Black Sabbath em muitas partes. E é totalmente progressivo, nas melhores tradições inglesas, holandesas, alemãs, italianas e belgas.

No metal nacional, há bandas que também buscam inovar, ou ao menos fazer algo diferente do que a maioria. A mais recente é a Higher, de São Paulo, que juntou cinco músicos com larga experiência no jazz e na MPB instrumental para criar um metal diversificado, lotado de fraseados de guitarra inusitados, linhas de baixo sincopadas e virtuosas e desenhos de bateria com  algumas viradas improváveis. Se a originalidade não é o forte, como na esmagadora maioria dos casos, louvemos a coragem e a audácia por conta das "invenções" em arranjos estranhos, mas eficientes.

Capa_Higher

O Daydream XI mostrou-se seguidor legítimo seguidor do Dream Theater, apostando no puro prog metal virtuoso e técnico. Com certo sucesso, a banda tenta romper alguns limites e criar suítes com diversos elementos de rock progressivo, música erudita e até jazz.

Na mesma pegada, O Maestrick, de São José do Rio Preto, também segue na linha do prog metal, embora cada vez mais prog, folk e world, por assim dizer, com a fusão do metal com elementos de música brasileira de forma inusitada diferente, indo além do Angra, que surpreende com o o ótimo "Holy Land", em 1996.

Ressurgindo depois de mais de uma década de silêncio, a banda brasiliense Dark Avenger também surpreendeu com um ótimo álbum, "Tales of Avalon – The Lament", a segunda parte de um trabalho bastante interessante iniciado em 2000. O álbum de 2013 ficou entre os três melhores do ano lançados no Brasil, de acordo com o Combate Rock, e mostrou ao mais do que um trabalho conceitual.

DARK AVENGER -

DARK AVENGER – "TALES OF AVALON – THE LAMENT"

O que muitos enxergaram como excesso em relação aos arranjos grandiosos e muito elaborados, outros viram um trabalho meticuloso de busca incansável de timbres de guitarra, teclados e de orquestra, sempre de acordo com o tema proposto e casando de forma magistral com as letras e linhas vocais de Mário Linhares. Um trabalho primoroso e elogiável, ainda que remeta a produções levemente similares feitas na Europa, mas com bom gosto e competência poucas vezes vistas no Brasil.

Para finalizar, a porrada extrema do metal cantando em português, com três expoentes do gênero: Confronto, Project46 e Paura cospem fogo em uma mistura de thrash metal, death metal, hardcore e muita violência sonora, despejando fúria com competência e qualidade. A originalidade não é algo que possa ser identificada nos trabalhos mais recentes destas bandas, mas o peso e a pancadaria sonora criada remete aos grandes momentos do Ratos de Porão e outros mestres do crossover nacional. Violência sonora extrema, e em português, tem sido coisa rara por aqui.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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