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Sem alarde, Ian Anderson decreta o fim do Jethro Tull

Combate Rock

29/04/2014 06h59

Marcelo Moreira

Ian Anderson (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Ian Anderson (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Parece ser uma tendência entre alguns veteraníssimos do rock: deixar suas criações sumirem lentamente, sem que ninguém perceba. Encerar as atividades de suas bandas sem alarde, para decepção de fãs e jornalistas. O mais novo adepto é Ian Anderson, cantor, violonista e flautista escocês que criou e conduziu com mão de ferro o Jethro Tull, ícone do rock progressivo, por quase 45 anos. Deixou a banda definhar até que ela simplesmente acabou sem os fãs percebessem.

As indicações do fim do Jethro Tull foram várias desde 2008, mas ficaram explícitas quando Anderson passou a fazer shows pela Europa e pelo Brasil sozinho, com outra banda e repertórios diferentes – embora tenha reunido a banda da época em algumas poucas ocasiões desde então. O guitarrista Martin Barre, fiel escudeiro desde 1969 no Jethro Tull, ficou esquecido e ninguém nunca mais ouviu falar dele. Na divulgação de suas turnês solo, ou o vocalista se recusava a falar da banda, ou dava declarações evasivas e sem esclarecimentos.

Em 2012, surpreendendo a todos, surge o álbum "Thick as a Brick 2", uma continuação do clássico álbum de 1973 do Jethro Tull. Só que os créditos não deixaram dúvida: o CD era de Jethro Tull's Ian Anderson, ou seja, um álbum solo do cantor e flautista. Com muito custo, Anderson admitiu que a banda estava "hibernando" e que não havia previsão de retorno.

Em entrevista à revista Billboard norte-americana na semana passada, Ian Anderson voltou a sere notícia após dois anos, com o lançamento daquele é considerado o seu sexto álbum solo o recém-lançado "Homo Erraticus". Muito articulado e inteligente, fez firulas com as palavras, rodeou e enrolou, mas acabou dando a entender aquilo que quase todos já imaginavam: o Jethro Tull acabou.

Segundo o texto da revista, e baseado no encarte do álbum novo, Anderson considera que "a enorme obra que é o catálogo do Jethro Tull permanece firme e bem posicionado junto a mim… Mas acho que, nos meus últimos anos de vida, prefiro usar meu próprio nome, tendo sido compositor de praticamente todas as músicas do Tull desde 1968".

Uma das últimas formações do Jethro Tull, no século XXI (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Uma das últimas formações do Jethro Tull, no século XXI (FOTO: DIVULGAÇÃO)

"O grande repertório do Jethro Tull, a discografia, a música, e eu acho que, olhando para trás, ele mais ou menos chegou ao fim ao longo dos últimos dez anos com alguns álbuns ao vivo e um disco de estúdio com músicas natalinas. Esses devem definir os últimos álbuns com o nome Jethro Tull. E acho que é melhor deixar isso como um legado"', completou o músico.

Uma das bandas mais importantes de todos os tempos, com obras excelentes e um desempenho fantástico nos palcos, o Jethro Tull merecia um fim mais digno. Não se trata de uma banda grunge qualquer, cujo desaparecimento nem seria notado mesmo se houvesse emissoras de rádio esgoelando o fato. Trata-se de uma lenda musical que expandiu os limites da criatividade dentro do rock.

Anderson é um profissional dedicado e extremamente comprometido com seu trabalho, fato que o indispôs com muitos músicos. Entretanto, também é extremamente vaidoso e egocêntrico, tudo disfarçado com seus modos educados e com um suposto bom humor. Diante disso, fica incompreensível o motivo de deixar sua maior criação desaparecer sem a menor cerimônia. Um completo desrespeito a si mesmo, com a banda e com os fãs.

Surgida como uma banda de blues no norte da Inglaterra no começo de 1968, o Jethro Tull era um quarteto conceituado na época, entretanto, vivia na penúria diante dos poucos lugares que tinham para tocar. A coisa melhorou um pouco quando conseguiu um contrato com a EMI no final do ano para gravar e lançar o álbum chamado "This Was", uma das grandes estreias em álbum no rock.

As coisas começavam a melhorar quando em dezembro de 1968 a disputa pela liderança da banda entre Anderson e o guitarrista Mick Abrahams explodiu, com a saída do segundo. No desespero, com um convite inesperado para participar de um programa especial de TV com os Rolling Stones ("Rock'n'Roll Circus"), Anderson fez alguns testes rápidos com guitarrista, mas acabou ficando com a indicação de amigos: Tony Iommi, então guitarrista de uma banda de Birmingham chamada Earth (que mais tarde mudaria o nome para Black Sabbath).

Iommi foi convocado, tocou no especial de TV, mas durou somente duas semanas, desgostoso por estar longe dos amigos, com o som do Jethro Tull e com a liderança férrea de Anderson. Foi aí que a banda fez o maior acerto de sua carreira, a escolha do discreto, educado e afável Martin Barre, que criou um som inconfundível de guitarra para a banda em 1969, que mais tarde viraria um quinteto.

'Homo Erraticus', o novo álbum de Ian Anderson

'Homo Erraticus', o novo álbum de Ian Anderson

Nos anos 70, a fama cresceu muito rapidamente por conta das obras-primas "Aqualung", "Thick as a Brick", "A Passion Play" e "A Minstrel in the Gallery", colocando o Jethro Tull no top 5 do rock progressivo (ao lado de Pink Floyd, Yes, Emerson, Lake & Palmer e Genesis). No final dos anos 70, a banda foi uma das afetadas pelo rolo compressor do punk rock e teve a popularidade corroída, também em razão de álbuns pouco inspirados, como "A" e "A Broadsworth and the Beast", o que a deixou no limbo até 1987, quando voltou a receber atenção por conta do bom disco "Crest of a Knave".

Gravando com regularidade, o Jehtro Tull manteve-se ativo até o começo dos anos 2000, com várias passagens excelentes pelo Brasil. Ao mesmo tempo, as atividades empresariais de Anderson no norte da Inglaterra e na Escócia do vocalista cresceram bastante, a ponto de reduzir bastante as turnês da banda, o que pode ter inspirado o músico a deixá-la morrer por inanição. Um fim indigno e melancólico para um dos gigantes do rock.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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