A saga do AC/DC, em três bons livros em português
Marcelo Moreira
O Velvet Underground caminhava, mais uma vez, para a irrelevância, e o guitarrista Malcolm Young, pela primeira vez, estava sem saber o que fazer com a sua carreira de músico. O cenário de Sydney, uma das grandes cidades australianas, não inspirava muita confiança – ele conhecia todo mundo, já tinha tocado com todo mundo, e nada parecia engatar.
Seu irmão mais novo, Angus, também guitarrista, apareceu na sala de estar da casa da família e contou-lhe os problemas em suas bandas, como falta de talento e de comprometimento. Respirando fundo, Malcolm decidiu que era hora de tentar alguma coisa ao lado do irrequieto, talentoso e performático Angus, por mais que os dois brigassem muito em casa, na rua e nos bares. Essa foi a decisão mais importante da história da música australiana.
Malcolm e Angus decidiram formar uma banda no começo de 1973. No final daquele ano, ganharia o nome de AC/DC. Os dois divergem sobre a origem do nome nops principais livros sobre a banda, mas a versão mais aceita é que a sugestão veio de uma das irmãs mais velhas, que teria lido a expressão (sigla de corrente alternada-corrente contínua, em inglês) em uma etiqueta em um aspirador de pó.
Essa história é contada, com diferentes níveis de detalhes e com abordagens totalmente distintas, em três três livros recentemente editados em português. Nenhum traz grandes novidades ou revelações bombásticas, mas contam de maneira honesta e linear a trajetória de uma das bandas mais importantes do rock. E as obras fazem ainda mais sentido após o anúncio da saída – e provável aposentadoria – de Malcolm Young do grupo, por questões de saúde, aos 61 anos
"AC/DC – Rock'n'roll ao Máximo", de Murray Engleheart e Arnaud Durieux (Editora Madras), é o mais abrangente e detalhista, com detalhes precisos sobre a discografia, shows importantes, trocas de integrantes e dados biográficos dos três principais músicos – Angus, Malcolm e o vocalista Bon Scott, morto em 1980, aos 33 anos.
A obra da dupla de jornalistas e escritores é a que conseguiu transmitir as melhores informações a respeito da trágica morte do vocalista, por exemplo, não só mostrando o devastador impacto nos integrantes, mas também a reação de fãs, amigos de outras bandas e da imprensa. E o mais curioso é que o texto consegue captar uma situação pouco conhecida: todos no AC/DC não faziam ideia da importância que a banda tinha atingido, pois ainda se consideravam uma banda australiana em constante batalha pelo sucesso, mesmo com pelo menos três álbuns de sucesso no mundo. A morte de Scott mostrou o quanto eles haviam crescido.
Completamente diferente, e sem muito apuro por informações estatísticas, digamos assim, é o livro "Let There Be Rock – A História do AC/DC" (Companhia Editora Nacional), da jornalista norte-americana Susan Masino. Tem um diferencial: está recheado de relatos e anedotas pessoais da autora, amiga íntima de todos os integrantes.
Susan era uma jornalista insatisfeita de uma rádio de interior dos Estados Unidos quando um amigo pediu para que ela ajudasse uma banda novata estrangeira pela região, em troca de alguns dólares de ajuda de custo. Sem nada para fazer, acabou aceitando aquele trabalho em meados de 1977 e se tornou uma das mais importantes colaboradoras da banda pelos dez anos seguintes, ao mesmo tempo em que mantinha sua carreira em sua cidade e em Chicago.
Escrito em tom de crônica, mistura a biografia da banda com "causos" que presenciou ao trabalhar ou acompanhar a banda, bem como alguns comentários pessoais a respeito de álbuns, shows e mesmo comportamentos dos amigos. É bem interessante pelo tom informal e despretensioso, mostrando que Susan Masino é uma boa contadora de histórias.
O terceiro livro, recém-lançado, deveria ser o melhor dos três, mas não é. "AC/DC – A Biografia" (Editora Globo), tem a assinatura de Mick Wall, veterano jornalista inglês autor da elogiadíssima biografia "Led Zeppelin" e de também do melhor relato já publicado sobre o Metallica, "Metallica", ambos lançados no Brasil.
Justamente por levar a assinatura de um dos melhores do gênero, esperava-se mais. Como os integrantes do AC/DC concedem pouquíssimas entrevistas, Wall, de 55 anos, baseou-se em entrevistas antigas e em reportagens de arquivo – pesquisa exaustiva, aliás, uma das marcas do jornalista inglês. Entretanto, falta nesta biografia o que sobra em "Led Zeppelin": informações detalhadas, entrevistas reveladoras e um painel mais amplo sobre o processo de criação das obras. Mick Wall fez um trabalho correto e eficiente diante das condições que teve para escrever, mas os outros dois livros contêm elementos mais interessantes que os diferenciam.
Apenas mais uma banda de rock…
Depois que os irmãos brigões se uniram, atraíram já no comecinho de 1974 a atenção de vários músicos iniciantes de Melbourne e Sydney. Já como AC/DC, chamaram Dave Evans nos vocais, mas uma série de bateristas e baixistas que passaram pelo grupo em menos de um ano. No entanto, rapidamente os irmãos Young transformaram um quinteto garageiro em um dos mais importantes da história do rock.
Dave Evans não durou muito, graças a algumas brigas e rusgas com Angus, e foi substituído por então motorista de van que já tinha sentido um gostinho de ser cantor de rock com The Valentines e outras bandas no final dos anos 60 e começo dos anos 70. Bon Scott era alma que faltava ao rock barulhento e pesado do AC/DC.
Finalmente efetivado no início de 1975, o novo vocalista mostrou carisma, competência e qualidade como letrista. Logo a banda seria a número um na Austrália, embora demorasse mais três anos para consolidar seu nome na Inglaterra e na Europa. Os Estados Unidos só seriam definitivamente conquistados a partir de 1979.
Scott morreu em fevereiro de 1980, mas o que deveria ser o fim da linha se tornou o combustível para que o AC/DC se tornasse um fenômeno mundial já com Brian Johnson. A dor da perda de um amigo e parte vital de uma estrutura gerou uma das obras-primas do rock pesado, "Back in Black". O quinteto subiu de patamar: de gigante passou a ser monstruoso.
Angus e Malcolm sempre trabalharam para isso, mas jamais imaginariam que aquela decisão na acanhada sala de estar da casa dos pais 40 anos atrás pudesse levar ao estrelato de forma tão magistral. O irmão caçula sempre dizia, de forma presunçosa, que o AC/DC seria a maior banda do mundo, Malcolm até ria, mas concordava em parte. O quão longe chegaram era inimaginável.
Somente uma pessoa tinha certeza que iriam atingir o patamar de lendas: George, um dos irmãos mais velhos – era oito filhos, todos nascidos na Escócia, sendo Malcolm e Angus os mais novos. Sete anos mais velho do que Malcolm, George era a referência musical da família e um dos músicos-produtores mais famosos da Austrália no começo dos anos 70. Integrante da banda Easybeats, fez enorme sucesso entre 1964 e 1968 em seu país, até que a boa fase da banda foi acabando aos poucos.
Ao lado do amigo e colega de Easybeats Harry Vanda, formou uma requisitada dupla de produtores de música pop, e foi o grande incentivador da união dos irmãos mais novos. No começo do AC/DC, acompanhou de perto os shows e as primeiras gravações do iniciante e jovem grupo. Sentiu o potencial e acolheu o grupo para burilar as pedradas pesadas e transformar a energia em algo vendável. Foi produtor, empresário e também músico do grupo, tocando vários instrumentos em estúdio.
"Nunca tive dúvidas de que seriam grandes. Mas quando os vi nos palcos em 1976 e 1977, percebi que seriam gigantes. Não havia nada igual ou levemente parecido no mundo", afirmou George Young no livro "AC/DC – Rock'n'roll ao Máximo".
Sobre os Autores
Sobre o Blog
Contato: contato@combaterock.com.br
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.