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Uma história dos Scorpions que poderia ser bem contada, mas que não foi

Combate Rock

22/04/2014 06h24

Marcelo Moreira

Herman Rarebell foi o melhor baterista da história do grupo alemão Scorpions. Entretanto, provavelmente é o pior contador de histórias da turma. Ele bem que tentou ser engraçadinho, inteligente, espirituoso e sagaz no livro "Scorpions – Minha História em uma das Maiores Bandas de Todos os Tempos", que ganhou uma versão nacional lançada pela editora Panda Books, com tradução do vocalista Gus Monsanto (ex-Adagio). Fracassou redondamente.

O músico teve o auxílio do jornalista e escritor alemão Michael Krikorian, amigo de longa data, mas nem assim a obra teve salvação. Confuso, impreciso e repleto de tolices – entre piadas sem graça e tiradas deslocadas -, ele supostamente tenta narrar a sua expressiva passagem de 20 anos pela excelente banda alemã de hard rock. No começo ele promete muito, mas entrega muito pouco.

Dois problemas saltam à vista nas primeiras páginas: falta de informações que justifiquem a autobiografia e sua passagem pela banda; e a constante perda de foco, com desvios inexplicáveis para fazer comentários aleatórios sobre vários assuntos sem ligação com o assunto tratado – isso para não mencionar as repetitivas justificativas ao longo do livro de seus relacionamentos com groupies, gueixas, garçonetes e camareiras, mesmo sendo casado.

scorpions livro

Contraditória em vários pontos, valoriza sua técnica e sua presença na banda enquanto tenta, em vão, mostrar-se modesto e cordato, bem como paciente e generoso. Assume logo de cara que errou muito nos relacionamentos com as esposas e com os membros da banda, que exagerou na bebida e nas drogas, mas a cada dez páginas faz a apologia do estilo de vida, ao narrar com empolgação de como a vida era boa no final dos anos 70 e toda a década de 1980. Se preserva os detalhes sórdidos da vida na estrada "para não comprometer os ex-companheiros", logo em seguida, sem citar nomes, diz exatamente o que todos faziam e em que momentos.

Por mais que Krikorian tente manter um fio condutor de história, os constantes desvios e comentários desnecessários e desconectados travam a leitura, em uma tentativa fracassada de mostrar o baterista como um alemão bem-humorado, versátil e descolado.

A veia engraçadinha predomina sobre a informação, e o leitor fica sem saber mais detalhes sobre os álbuns em que participou, a convivência com outras bandas e as dificuldades de produção e composição – fatos que ele ameaça contar, mas aparentemente muda de ideia. Mesmo a sua passagem pela Inglaterra antes de entrar no Scorpions, entre 1970 e 1976, há pouca coisa revelada. Ele menciona que tocou em bandas, mas nomeia poucas; informa que foi baterista de estúdio, mas prefere fazer comentários aleatórios a esclarecer com quem realmente tocou.

Até mesmo o episódio que mudou a sua vida e o transformou em astro, a sua entrada no Scorpions, é narrada de forma "chutada", ainda que ele tenha conseguido demonstrar sua desconfiança em relação ao futuro dos Scorpions em meio a uma saraivada de comentários tolos e inúteis.

O pior, no entanto, está no final, quando ele faz questão de relegar a um plano secundário a sua saída da banda, em 1996. Na segunda metade da obra ele dá indicações do que motivou a sua saída e de sua falta de vontade em continuar, mas, quando, a muito custo, chega ao capítulo sobre o assunto, evita detalhes, dizendo apenas que desde 1990 sentia-se progressivamente excluído do processo de composição das músicas – era m parceiro valioso de Klaus Meine, o vocalista, e Rudolph Schenker, o guitarrista, tanto musicalmente como nas letras, já que era de longe o integrante que melhor fala inglês.

Capa da edição inglesa do livro, com a foto do baterista

Capa da edição inglesa do livro, com a foto do baterista

Ele faz questão de dizer que saiu sem brigas, numa boa, por mais que de vez em quando não faça comentários lisonjeiros aos demais integrantes. E mais nada. Não conta a reação dos companheiros à sua saída, não menciona em que momento isso ocorreu, nem cita qual foi o último show ou mesmo sua última contribuição em uma gravação. É claro que falta algo, pois se ele estava sendo "escanteado" e "fritado", o relacionamento dentro do grupo não devia ser bom, mas Rarebell pouco se atém a esse fato e nem sabe precisar quando e o porquê de ter sido deixado de lado.

Fica a impressão que, na realidade, o ex-baterista dos Scorpions tinha muito pouco a contar, o que é muito chato, pois com certeza a história da banda é bem rica, que merecia um narrador mais dedicado e comprometido com as informações, e não com piadinhas, comentários aleatórios sobre qualquer coisa e filosofia barata de almanaque.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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