Torture Squad mergulha nas trevas da ditadura militar em novo CD
Marcelo Moreira
Contar a história da ditadura militar brasileira em pouco mais de uma hora de música pesada, sombria e violenta. Não é pouca a ambição do trio paulistano Torture Squad, remodelado e com novo vocalista há algum tempo. É o primeiro artista/banda brasileiro a se aventurar no delicado e pantanoso tema de forma conceitual e integral, contando de forma cronológica o período desagradável e sangrento da história recente brasileira. "Esquadrão de Tortura" é o nome do mais recente álbum da banda, que traz o delicado tema como o carro-chefe das músicas. E, ao contrário do que o nome sugere, não há músicas em português. Nada mais adequando no momento em que o golpe de 1964 completa 50 anos e as várias Comissões da Verdade pelo país começam a esclarecer vários crimes cometidos pela ditadora, ao mesmo em que vários oficiais da reserva começam admitir, alguns com orgulho, que mataram e torturaram supostos guerrilheiros, opositores e pessoas sem qualquer vínculo político com os dissidentes.
O baterista Amílcar Christófaro fala com empolgação da nova formação da veterana banda de thrash/death metal, que já venceu concurso internacional em pleno Wacken Open Air, o maior festival de heavy metal do mundo, na Alemanha. "O grupo está tinindo, este álbum é diferente de tudo o que já fizemos. Trabalhamos intensamente no Norcal Studios, em São Paulo, com os produtores Brendan Duffey e Adriano Daga."
Muitas horas de pesquisa foram gastas para escarafunchar a historia recente do país e resgatar alguns dos momentos mais funestos do Brasil, com o golpe de Estado de 1964, a tomada pelo poder pelos militares, o solapamento da democracia e os anos negros da tortura e do Ato Institucional nº 5 (AI-5) que, entre outras coisas, limitou as liberdades individuais, suspendeu o habeas corpus e dissolveu o Congresso Nacional.
"É um tema pesado, mas que ainda causa polêmica e mexe com ideário das pessoas. De vez em quando a gente observa eleitores e cidadãos pregando a volta dos militares para acabar com a corrupção e com o crime, mas são poucos os que realmente se dão ao trabalho de pensar e relembrar o que realmente foram os 21 anos de governo militar no Brasil, com tortura e prisões arbitrárias nos 60 e 70 e morte de guerrilheiros em combates no Araguaia", diz o baterista.
O baixista Castor sabe que o trio mexeu em um tema sensível e que ainda hoje exacerba as opiniões político-ideológicas a respeito. "Optamos por contar a história sem tomar partido, ainda que isso tenha sido difícil. Em uma obra dessa envergadura e com tamanho impacto, não há como ser totalmente isento, e é claro que em alguns momentos alguns de nossos pontos de vista ficam mais perceptíveis."
E é claro que as reações não tardaram, tanto de fãs de rock pesado como de pessoas que passam longe do rock pesado e pouco conhecem a respeito do Torture Squad – e mesmo sobre a história que a banda pretendeu contar. "Teve gente que nos atacou assim que soube dos nossos planos iniciais, chamando-nos de comunistas e apoiadores de subversivos, e isso antes mesmo de o CD começar a ser gravado. Xingaram a gente antes mesmo de ouvir o CD e ler as letras!", protesta Christófaro.
O vocalista e guitarrista André Evaristo, o mais novo da banda, encara a empreitada com entusiasmo, mas não nega que há uma responsabilidade grande por trás de um trabalho conceitual com um tema polêmico – e justamente no momento em que teve de assumir os vocais em sua primeira gravação com o trio. "Imagino que a maioria dos jovens do Brasil hoje tenham pouca informação sobre o período militar, como era o meu caso antes de gravar. A maioria não sabe do que se trata e parece nem se interessar pela questão, o que aumenta a importância do tema em nossa obra, na minha opinião, assim como a responsabilidade por mostrar uma história rica e fundamental da história de nosso país."
O álbum foi composto de forma cronológica, de forma didática, passando pelos principais fatos do período entre 1964 e 1985, desde o golpe contra o presidente João Goulart, em 31 de março, até a redemocratização com a eleição indireta do presidente Tancredo Neves. Christófaro não teme que o tema específico de uma parte da história brasileira seja rejeitado pelo público internacional. "Temos uma carreira no exterior e acho que a ditadura militar pode despertar o interesse lá fora justamente por ter aspectos não muito conhecidos nem mesmo pela geração mais jovem dos brasileiros. Estamos animados com as possibilidades que o assunto permite trabalhar."
Grande parte da pré-produção do álbum foi gasta na pesquisa para o tema. Christófaro foi atrás de livros, jornais e visitou diversos lugares importantes para a elaboração do conceito. Na audição prévia do CD, todo o processo de busca de informações teve a orientação do historiador Alexandre Rossi e do jornalista e escritor Roniwalter Jatobá. "Foi impactante visitar o cemitério de Perus, onde muitos corpos de vítimas da ditadura foram enterrados sem identificação. O Museu da Resistência, onde funcionava o antigo DOPS, também nos marcou muito."
O trio não economizou na ousadia após a saída surpreendente do vocalista Vítor Rodrigues (hoje no Voodoopriest) em abril de 2012. O death metal cru e poderoso do então quarteto então passa a ser um thrash violento e técnico com o guitarrista André Evaristo assumindo os vocais, levando a banda para uma praia mais frequentada por bandas como os alemães do Kreator, mas com a mesma pegada.
Entre os convidados estiveram João Gordo (Ratos de Porão), Sphaera Rock Orquestra (quarteto de cordas em duas músicas, com regência e arranjos de Alexey Kurkdjian), Rafael Augusto Lopes (ex-Torture Squad, Fanttasma) e Fernanda Lira (Nervosa).
O quarteto virou trio, e uma nova dinâmica teve de ser implantada. "O Vítor era vocalista e principal letrista, ele até chegou a participar do início dos trabalhos do novo CD. A banda toda teve que se mobilizar e ajudar nas letras, mas eu acabei assumindo a maior parte da tarefa. Boa parte do conceito foi desenvolvido por mim", relata Christófaro.
O som mantém a fúria do clássico "Pandemonium" e do ótimo "Aequilibrium", o último CD, de 2010, também produzido por Duffey. A pancadaria é extrema do início ao fim do álbum, que apresenta as mesmas timbragens de bateria e guitarras um pouco mais limpas, mas não a ponto de descaracterizar o Torture Squad.
O clima claustrofóbico e tenso já dá as caras na abertura pesadíssima de "No Escape from Hell". Com guitarras bem à frente, em um legítimo death metal, não dá um pingo de sossego ao ouvinte.Na sequência, "Pull the Trigger" mantém o pesadelo, com um riff mortal que penetra fundo no cérebro, com um vocal mais rasgado e um pouco mais limpo. "Pátria Amada", instrumental, fecha a trinca inicial e não dá descanso, um interlúdio perfeito para outras porradas, "Wardance" e "Architecture of Pain", que tornam mais extrema a sonoridade. Outros destaques são a mais claustrofóbica ainda "Conspiracy of Silence", a cortante "For the Countless Dead" e a tétrica e sombria "Fear of the World", que fecha o álbum com um misto de paranoia e desesperança.
"Não poderíamos estar vivendo mais especial no ano em que comemoramos 20 anos de banda, além da assinatura de um contrato com a Substancial Music. Pretendemos fechar 2013 no melhor nível possível, com um show na Malásia no fim do ano e, e quem sabe, uma pequena turnê pela Ásia", diz Christófaro. A Substancial já está preparando novas edições de álbuns anteriores para que o lançamento do novo trabalho seja completo e marcante no 20º aniversário do Torture Squad.
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