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Noturnall e Nervosa puxam a safra recente de bons CDs do metal nacional

Combate Rock

18/03/2014 06h35

Marcelo Moreira

O dinheiro ainda faz diferença na hora de gravar e produzir, mas a distância entre os mundos está ficando cada vez menor. É o que se pode constatar nas novas produções de bandas brasileiras de rock pesado que apostam em uma virada de mercado em 2014, mesmo com o público fugindo dos shows e comprando/pagando cada vez menos CDs ou por músicas digitais. Noturnall, Nervosas, Mechanical Souls e Slasher habitam mundos diferentes do heavy metal, mas conseguiram chegar a resultados parecidos em seus novos trabalhos.

A banda paulistana Noturnall é o destaque deste início de 2014, e não poderia ser diferente. "Noturnall", o álbum de estreia, estava previsto para ser o novo álbum da banda Shaman, mas as coisas mudaram bastante no meio do processo. Quatro integrantes aproveitaram os trabalhos de gravação de CD e clipe em Nova York e criaram o Noturnall no ano passado, com o baterista Aquiles Priester (ex-Angra e atual Hangar). O vocalista Thiago Bianchi diz que o Shaman está "congelado", evitando dar maiores detalhes sobre as diferenças com o baterista Ricardo Confessori, o líder do Shaman.

O álbum teve a participação nos vocais e na produção de Russell Allen, vocalista do Symphony X e Adrenaline Mob – e estará no Brasil em breve para tocar com o Noturnall em evento beneficente em São Paulo, no lançamento do CD. Tudo no álbum é de bom gosto e bem feito, com produção irretocável e arranjos bem estruturados, mostrando que os músicos tiveram tempo para criar e lapidar.

Bianchi alterou levemente sua maneira de cantar, dando ao Noturnall um aspecto mais moderno e menos melódico, embora as notas agudas altíssimas estejam lá. É impossível não perceber uma influência direta de Allen no direcionamento musical, embora a produção leve a assinatura dele e de toda a banda. Os ecos de prog metal permeiam todo o trabalho, numa referência clara ao Symphony X e um pouco ao antigo Shaman. Entretanto, o som remete mais proximamente ao Adrenaline Mob, a cria de Allen com Mike Portnoy (ex-Dram Theater), embora mais pesado e mais rápido.

noturnall

De alta qualidade, o álbum é homogêneo e praticamente não há lapsos. Na primeira audição têm-se a impressão de que as músicas são muito parecidas, mas nas seguintes as nuances vão aparecendo, especialmente o belíssimo trabalho de guitarras e a potente voz de Bianchi guiando, como nas duas primeiras, os grandes destaques do CD – "No Turn At All" e "Nocturnal Human Side", esta o primeiro single e primeiro clipe.

"St. Trigger" e "Master of Deception" mostram uma banda com muito groove, mais uma vez com ecos do Adrenaline Mob, afastando-se prudentemente do power metal reto com pitadas prog do Shaman de "Immortal". Merece um destaque também a bela "Fake Healers".

A verba para o trio feminino paulistano Nervosa foi menos farta, mas a banda contou com o precioso apoio de uma gravadora estrangeira. Influenciou no resultado? É discutível, mas essa é uma questão menor, já que o som do recém-lançado "Victim of Yourself" é poderoso e furioso, com produção correta e de qualidade.

O problema principal das bandas underground de thrash metal é conseguir levar ao estúdio a fúria demolidora dos palcos. As meninas do Nervosa conseguiram ultrapassar essa barreira com louvor, pois os ingredientes estão todos lá: baixo gordo na cara, em velocidade alucinante, bateria marcante e pesada e guitarras cortantes e certeiras. É porrada do começo ao fim, começando com a ótima "Twisted Values", passando pela fúria insana de "Justice Be Done" e "Wake Up and Fight" até chegar na desoladora "Nasty Injury", no melhor estilo alemão de thrash reto e sem concessões.

"Victim of Yourself" não dá descanso e a pancadaria segue inclemente com as ótimas "Envious" e "Morbid Courage", desaguando na boa sequência mas técnica de "Death!", "Into the Moshpit", "Deep Misery" e a faixa-título, para encerrar na hardcore "Urânio em Nós", em português e mais antiga.

nervosa

Outra banda paulista, no entanto, teve de fazer tudo na raça, com orçamento bem mais apertado. O Seventh Seal,  do ABC (Grande São Paulo), finalmente lançou "Mechanical Souls", muito aguardado pelos fãs locais. Uma prévia do álbum foi dada no ano passado, no show de aniversário da cidade de São Bernardo do Campo.

A banda atua em uma área complicada, que é o heavy metal tradicional, onde a cobrança é maior, assim como a competição. A presença do cantor Leandro Caçoilo (ex-Eterna), por si, só, já é um atestado de qualidade. O esforço produziu um álbum promissor, de boa qualidade, mas sem aquela faixa que faz estremecer e que chama a atenção, como "Nocturnal Human Side", do Noturnall.

Lançado pela Shinigami Records, "Mechanical Souls" não é conceitual, mas apresenta uma certa unidade entre as faixas, bem trabalhadas e produzidas pelo guitarrista Thiago Oliveira, que assina a composição de todas as faixas. E a banda encontrou no Norcal Studios, de São Paulo, a ajuda certa para gravar e mixar. Os competentes Brendan Duffey e Adriano Dagga auxiliaram na mixagem e deram um formato necessário e coeso a uma produção sem folga orçamentária.

seventhseal

Tudo é bem simples, mas bem solucionado, e as duas primeiras faixas surpreendem. "Beyond the Sun" mostra um heavy metal moderno, na linha do Primal Fear, mas sem tanta velocidade. O foco são as melodias cadenciadas e os arranjos preciosos de teclado, arrumados de forma a evidenciar o poderoso vocal de Caçoilo. A situação se repete na boa "Back to the Game", com seu ar oitentista dissimulado em um baixo intrincado e um trabalho de guitarras sem firulas, mas correto.

"Ouless Reality" não ousa muito, ao contrário de "334", com seus solos de baixo e clima fantasmagórico, caindo propositalmente para o progressivo, cheio de andamentos diferentes e variações. "Sleepless" é a balada pesada obrigatória, bela e singela, mas sem grandes arroubos de ousadia. Serve como um interlúdio para a interessante "Imprint Memories", talvez a mais moderna do álbum, retomando algumas ideias do prog metal escandinavo dos anos 90. É estranha em um primeiro momento, mas depois retoma o caminho do heavy tradicional.

"Mechanical Souls", rápida e intensa, mostra a habilidade de Oliveira nas guitarras e mostra ser provavelmente a maior candidata a hit. O Seventh Seal é um time coeso e entrosado, que precisa de um apoio mais efetivo para que consiga gravar o seu trabalho definitivo.

O Slasher, por sua vez, surpreendeu com excelente "Katharsis", que ganhará em breve a sua versão física. Na mesma situação orçamentária do Seventh Seal, é uma prova concreta de como as bandas brasileiras de metal extremo se especializaram em fazer sons violentos e insanos. De onde vem tanta raiva para tanta desgraceira? O Slasher faz com que o mundo cai na sua cabeça nas três primeiras músicas, empurrando o ouvinte diretamente para o inferno.

O quinteto de Itapira, no interior de São Paulo, passa por cima como um rolo compressor, sem piedade. Pancada atrás de pancada, a música é direta e reta, permeada com um apuro técnico no trabalho de guitarras. Após a intro, "Disposible God" entra de forma muito pesada, com um thrash estremecedor de inspiração europeia. "Overcome" segue a mesma toada, com riffs excelentes e muito peso, desta vez prestando um tributo ao Testament.

slasher kata

"Final Day" já é mais moderna, com um pegada com mais saturação e som mais amplo. O mesmo ocorre em "Face the Acts", com raros solos e foco nos riffs ensurdecedores. "Jamais Me Entregar", apesar do título em português, é um thrashão maduro e sem respiro, assim como "Hostile".

É de se imaginar como seria o Slasher com um orçamento mais generoso para turbinar a produção. Qualidade não falta, e desde já "Katharsis" se candidata a um dos destaques do metal nacional de 2014.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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