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Anjo Gabriel mergulha no progressivo instrumental dos anos 70

Combate Rock

28/02/2014 06h57

Marcelo Moreira

Hard rock setentista alemão diretamente de Pernambuco, da melhor qualidade. A banda Anjo Gabriel não economiza na hora de explicitar as suas influências. E não está nem aí para as costumeiras críticas de "som datado", "estagnação no passado" e outras idiotices que costumam acompanhar quem opta pelo som vintage em pleno século XXI, fazendo música boa e repleta de referências. Aos poucos coisas diferentes vão surgindo no mercado quase parado do rock nacional. Mesmo que seja música instrumental, algo que nunca teve boa acolhida por aqui, a banda tem qualidade de sobra para conquistar os fãs roqueiros órfãos de música com qualidade e informação.

A banda Anjo Gabriel, além de apostar em algo próximo do que ficou convencionado de kraut rock – típico som pesado e progressivo característico de grupos alemães dos anos 70 -, faz músicas instrumentais e de longa duração, o que assanha ainda mais os críticos pobres de espírito e sem nenhuma cultura musical. É stoner rock, bem pesado e cadenciado, mas também é doom metal, com seu ritmo que lembra Black Sabbath em muitas partes. E é totalmente progressivo, nas melhores tradições inglesas, holandesas, alemãs, italianas e belgas.

Os dois álbuns dos pernambucanos estão saindo agora por mais um selo originado da Galeria do Rock, em São Paulo. A Aqualung Records lançou o novíssimo "Lucifer Rising" e também o anterior, de 2009, "O Culto Secreto do Anjo Gabriel". Como o grupo ainda tem grande parte de seu público em São Paulo, ainda encontra problemas para os deslocamentos, que deixam de ser constantes pela distância. Entretanto, só o fato de terem obtido um apoio de peso em terras paulistanas é motivo de comemoração – e de preocupação, pois vai obrigar os músicos a trabalhar cada vez mais.

A banda em seu habitat (FOTO: DIVULGAÇÃO/ARQUIVO PESSOAL)

A banda em seu habitat (FOTO: DIVULGAÇÃO/ARQUIVO PESSOAL)

O som do quarteto guarda boas referências no prog alemão setentista, mas também bebe também na psicodelia inglesa dos anos 70, relembrando os temas épicos que caracterizaram o Pink Floyd entre 1969 e 1971. Estão lá todos os "ecos" de "Echoes" e os maneirismos e timbres de "Careful with the Axe, Eugene", em um climão que com certeza se encaixaria no conceito do ótimo álbum duplo "Ummagumma", um dos clássicos do Floyd já sem o mago Syd Barrett.

O novo álbum, "Lucifer Rising", aponta ainda para outra direção, o stoner rock, a vertente pesada com base no som do hard rock que se fazia nos anos 70 na Inglaterra e nos Estados Unidos. São apenas duas músicas, as partes 1 e 2, cada uma delas divididas em subtemas, bem ao gosto dos ingleses do Yes. A primeira parte é uma longa suíte de 18 minutos, repleta de efeitos sonoros que remetem aos experimentalismos de bandas que faziam o chamado space rock, como o próprio Pink Floyd e os também ingleses do Hawkwind. A quantidade de informações é absurda, assim como a de referências.

Quanto à execução dos temas, ela é irrepreensível no estúdio. O guitarrista Cris Rás absorveu como ninguém por aqui a técnica de extrair sons climáticos e suntuosos de seu instrumento, transformando trechos das suítes ora em orações, ora em longos solos recheados de feeling, revezando com o ótimo tecladista André Sette na criação de camadas sonoras que acentuam e amenizam a tensão, com arranjos bem trabalhados e interessantes.

O baixo de Shanti não aparece muito na primeira faixa, mas toma conta do ritmo na segunda, lembrando bastante a banda norte-americana Atomic Bitchwax, que tempos atrás lançou na internet uma música de 42 minutos, totalmente instrumental. Completa o quarteto o correto baterista CH Alves, mais discreto do que no primeiro álbum da banda.

Capa do álbum

Capa do álbum "Lucifer Rising"

Os temas são totalmente anos 70, ainda que um pouco rejuvenescidos. Cheiros de incenso ali, ecos de conversa hippie ali, em clima predominantemente "São Tomé das Letras", como se observa nos subtítulos das músicas/suítes, como "Ascensão dos Druidas" e "Se transformar em Ar", na parte 1, e "Melting Transition" e "UFO's Wizard Flashback", na parte 2.

E a produção? Merece elogios o quarteto e o produtor executivo Marco da Lata, em gravações realizadas em Olinda, vizinha a Recife, e em São Paulo. A recriação de timbres e a elaboração de arranjos  detalhista certamente são alguns dos destaques de "Lucifer Rising", que demorou demais para ver a luz do dia, como o quarteto comentou tempo atrás em reportagem publicada no Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo. A questão ali, em 2012, era suplantar a chamada maldição do segundo álbum.

"Temos uma ideia basicamente definida quanto ao próximo lançamento, que já está composto e arranjado. Será uma trilha para o filme 'Lucifer Rising', de Kenneth Anger. Como o filme tem somente meia hora, nossa intenção é fazer uma trilha alternativa, e lançá-la num disco de dez polegadas que deve sair até o meio do ano de 2012, antes do mundo acabar…", disse Cris Rás. Parece que a maldição do filme pegou mesmo, porque o álbum só emergiu dos estúdios dois anos depois. E é bom lembrar que a trilha sonora original do filme também só chegou às lojas no ano passado, graças à liberação de seu autor, ninguém menos do que Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin.

Primeiro álbum

Capa do primeiro álbum do Anjo Gabriel,

Capa do primeiro álbum do Anjo Gabriel, "Culto ao Segredo do Anjo Gabriel"

 

O primeiro CD da banda, "O Culto Secreto do Anjo Gabriel" é denso e complicado à primeira audição, mas torna-se palatável com o tempo. Os destaques são os teclados e as guitarras pesadas, com timbragem perfeitas, fruto de amplas pesquisas com o que de melhor foi produzido nos anos 70 dentro do rock progressivo.

De certo modo, até pelo modo despojado das execuções, Anjo Gabriel lembra um pouco o ótimo trio Macaco Bong, de Cuiabá, que faz um rock instrumental pesado com elementos de blues, jazz e ritmos regionais brasileiros.

Enquanto o Macaco Bong é mais caótico, fazendo questão de acentuar o lado jam session, os pernambucanos fazem questão de colocar ordem na casa, escolhendo a dedo os timbres e as notas de cada música – remetendo ao Yes em relação ao extremo zelo e cuidado com as composições.

"Culto Secreto ao Anjo Gabriel", o primeiro CD da banda

O mergulho nos anos 1970 é completado com a mixagem feita com aparelhos analógicos. A música "Sunshine in Outer Space" leva direto ao space rock do Hawkwind, que teve Lemmy Kilmister, do Motorhead, em sua formação nos anos 70. O subtítulo de "O Poder do Pássaro Flamejante (Dubdeepsabbath)" entrega logo: influências diretas de Deep Purple e Black Sabbath, com efeitos eletrônicos esquisitos, mas não tão esquisitos assim.

O som é fácil e acessível? Depende da disposição do ouvinte. O som é datado, no bom sentido, e carregado de influências e remissões, o que pode cansar um pouco quem não é familiarizado com o rock progressivo entupido de psicodelia específico da primeira metade dos anos 70, marcadamente feito na Europa. Entretanto, a música é de altíssima qualidade.

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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