Tierramystica traz a América Latina para o metal brasileiro
Marcelo Moreira
A América Latina é logo ali, mas poucos percebem – ou não querem perceber. E cabe mais uma vez aos gaúchos a honra de mostrar que a distância pode muitas vezes bem existir. "Heirs of the Sun", o trabalho mais recente do Tierramystica, é daquelas agradáveis surpresas para quem está acostumado a Skyclad ou Eluveitie quando se fala em folk metal, isso para não mencionar as toneladas de bandas escandinavas de black metal que exploram o tema.
O septeto de Porto Alegre faz questão de exaltar a sua proximidade com a América que o brasileiro costuma olhar com desdém, quase como no futebol. "Não sei se dá para rotular nosso trabalho como folk metal, já que nosso trabalho é completamente distinto do que se faz na Europa e até mesmo no Brasil. De vez em quando eu vejo bandas extremas ou do chamado folk progressivo tocando e se expressando como se estivessem no interior da Irlanda ou das florestas norueguesas. Para nós o que importa é o que surge nos Andes e nas nossas vizinhanças", diz o guitarrista Fabiano Muller.
E as influência andinas dominam toda a obra do grupo. O primeiro álbum, "New Horizon", de 2010, já surpreendeu com os temas e com uso massivo de instrumentos de sopro e percussão comuns em regiões da Colômbia, Peru, Bolívia e Equador. "Heirs of the Sun", lançado no final do ano passado, tem uma produção melhor e vem muito mais pesado, sempre permeado com os instrumentos musicais andinos. E tome doses grandes de quena, zampoña e charango. E o resultado é muito bom.
Algumas bandas de metal chilenas e peruanas fizeram a mistura com ritmos locais nos anos 90. Não é uma novidade. Entretanto, que uma banda brasileira que está mais longe do que o normal dos Andes privilegiar os temas sul-americanos e fazer com competência a mescla de influências, isso sim é uma novidade e tanto. "É quase surreal o desconhecimento que nós temos a respeito da história e da cultura de povos que vivem tão perto de nós. Sabemos pouco até mesmo dos índios que viveram e vivem no Brasil. O conceito da banda foi elaborado por mim e pelo outro guitarrista, Alexandre Tellini. Tínhamos certeza que estávamos trilhando um caminho único, e desconheço outra banda de rock que faça um mergulho tão profundo nos temas latino-americanos com tanta versatilidade", orgulha-se Muller.
A opção pelo "folk latino" ("Isso existe?", pergunta Muller zombeteiramente) abriu portas para excursões frequentes por toda a América do Sul e nas principais capitais brasileiras, fazendo do Tierramystica um nome fortíssimo no Sul do país e nos países andinos. Muller evita comparações com os mineiros Tuatha de Dannan, Kernunna, Tray of Gift e Lothloryen, referências no chamado folk metal tradicional, de inspiração europeia. As bandas citadas abusam das referências à cultura celta de origem irlandesa e ibérica, utilizando inclusive instrumentos exóticos para os brasileiros, como a flauta celta e o bódhran (instrumento de percussão irlandês que assemelha-se a um tamborim).
O peso é o fio condutor, mas os ritmos latinos estão presentes em todas as músicas de "Heirs of the Sun". Gui Antonioli é o vocalista principal, mas Ricardo "Chileno" Durán, que toca violão e charango (pequeno instrumento de cordas andino, que se assemelha a um alaúde) também canta e faz os vocais de apoio. É ele que faz a voz principal em "Llanto de Mi Tierra", toda cantada em espanhol – Durán, como o apelido diz, é chileno.
Enquanto as bandas mineiras centradas no folk europeu optam por um equilíbrio entre partes pesadas e acústicas, com vocais gritados em algumas passagens, o Tierramystica direciona o som para algo mais homogêneo, sem longos interlúdios com instrumentos de cordas. O pique é mais acelerado – excedo em "Llanto de Mi Tierra", quase toda acústica. O álbum abre com "When the New Dawn Arrieves", intro acústica com predominância de instrumentos folclóricos como o charango e flautas de bambu (as já citadas quena e zampoña), sendo emendada com a primeira pancada, "Visions of Condor".
"Essence of Pride " e "Myths of Creation" são ainda mais aceleradas, mergulhando no prog metal, com um trabalho admirável de guitarras e arranjos de muito bom gosto. No entanto, os destaques são as ótimas "Gate of Gods (Hayu Marca)", que abusa do rock progressivo, principalmente nas intensas variações de ritmo, e "The Rise of the Feathered Serpent (Quetzacoatl)", onde Antonioli mostra toda sua competência e versatilidade.
O público do metal nacional que é mais antenado já conhece as bandas "celtas" e "vikings" que surgiram por aqui. Está na hora de apreciar um metal bem feito onde as fadas, elfos e hobbits são substituídos por deuses e entidades incas, maias e astecas.
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