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Phil Lynott, o trator sonoro da Irlanda

Combate Rock

05/01/2014 12h10

Marcelo Moreira

Existe uma passagem impagável no filme "The Commitments" (de Alan Parker), de 1992, sobre uma trupe de músicos amadores em Dublin, Irlanda, tentando alguma coisa tocando soul e rhythm and blues. O saxofonista resolve ensaiar no meio da rua uma música, observado por dois garotinhos, para quem aquele som estranho – soul music – não passava de barulho. O rapaz solta do nada: "Isso é soul music, música de negros. Os irlandeses são os negros da Europa", fazendo alusão à questão musical e à carga grande de preconceitos.

Ninguém encarnou com tanta propriedade tal máxima como Philip Lynott, um garoto negro nascido em Birmingham, na Inglaterra, em 1949, mas de mãe irlandesa e de pai aparentemente desconhecido (dependendo da biografia, a mãe do músico, Phyllis, declara que o pai era um músico brasileiro ou venezuelano, sem entrar em detalhes). Negro, com cabelo à la Jimi Hendrix, cresceu na profundamente religiosa e preconceituosa Dublin dos anos 50 e 60, sem o suporte de um pai e tendo de ajudar no orçamento de casa. Esse improvável garoto irlandês negro se tornou um dos mais importantes músicos do rock britânico.

Lynott, ótimo baixista, compositor excelente e cantor único, foi a força principal do fantástico Thin Lizzy, talvez a maior de todas as bandas já saídas da Irlanda, tanto do norte como do sul. Há 28 anos, o baixista morreu em consequência de insuficiência cardíaca, agravada por anos de abuso de álcool e drogas. tinha apenas 36 anos, embora já tivesse enterrado o Lizzy três anos antes e o seu fracassado projeto Grand Slam, de 1984.

Uma medida da importância de Lynott é que ele foi um dos heróis de Steve Harris, o baixista do Iron Maiden, ao lado de Pete Way, do UFO, e de Gary Thain, do Uriah Heep. Com senso melódico extraordinário e um ataque poderoso no baixo, deixando seu som gordo e grande, o líder do Thin Lizzy logo fez fama nos bares e festinhas de Dublin e da rival e não muito longe Belfast, na Irlanda do Norte.

As duas cidades, apesar de terem produzido importantes artistas dos anos 60, como Them e seu líder, Van Morrison, entre outros, ainda se mostravam bastante provincianas para apresentar uma cena roqueira realmente profissional, o que atrapalhou o começo do Thin Lizzy, do Skid Row (banda de Gary Moore, que depois vendeu, junto com os ex-colegas, os direitos do nome para a banda de Sebastian Bach no final dos anos 80) e do Taste, do mago da guitarra Rory Gallagher.

Com muita dificuldade, o então trio Thin Lizzy ficou na ponte aérea Londres-Dublin na primeira metade dos anos 70, gravado ótimos álbuns, mas penando um pouco com a falta do verdadeiro reconhecimento e das vendas insuficientes. A situação mudou a partir de 1975, já como quarteto, com o álbum "Fighting", que contou com uma versão excelente de "Rosalie", de Bob Seger, o grande hit do álbum. No ano seguinte veio o estouro, com os hits "The Boys Are Back in Town" e "Jailbreak", contidos o álbum "Jailbreak".

As coisas melhoraram, mas não a ponto de transformar a banda num gigante, o que deprimia o sensível e instável Lynott, que se mostrava frequentemente inseguro. O mergulho no álcool e na cocaína foi quase inevitável. A banda segurou as pontas até 1980, mesmo com álbuns sem a mesma inspiração – exceto pelo excelente "Black Rose (Róisin Dubh)", de 1979, com o amigo Gary Moore nas guitarras.

Perdendo espaço no mercado e com os resultados abaixo do esperado dos álbuns "Renegade" (1981) e "Thunder and Lightining" (1983), o Thin Lizzy acabou em 1983, com Lynott amargurado, endividado e cada vez mais viciado. A tentativa de revitalizar a carreira com o Grand Slam, ao lado do amigo e discípulo John Sykes (mais tarde guitarrista do Whitesnake e do Blue Murder), mas não deu certo.

O baixista ainda insistiu com outros músicos, entre eles o bom guitarrista Laurence Archer, mas aparentemente nenhuma gravadora quis apostar num grupo cujo líder era um dinossauro dos anos 70 e instável, ao mesmo tempo que o mercado era assolado pelo hard rock californiano do Poison, Ratt e Motley Crue. Foi o fim do maior roqueiro irlandês – que dá nome a um festival anual de rock que ocorre próximo ao local onde está a sua estátua em Dublin.

Abaixo, uma singela homenagem ao grande baixista e fundador do Thin Lizzy, em sua canção mais emblemática, "The Boys Are Back in Town":

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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