Biografia de Bruce Dickinson não passa de uma grande reportagem
Marcelo Moreira
Um intelectual charmoso, mas arrogante, pedante e egocêntrico em vários momentos cruciais de sua carreira. O cantor inglês Bruce Dickinson, do Iron Maiden, nunca se deu ao trabalho de rebater tais "adjetivos" impregnados em sua impressionante carreira de 35 anos no rock e no heavy metal. Talvez por isso tenha ignorado os insistentes apelos do jornalista e escritor John Shooman para entrevistas a serem utilizadas em uma biografia não autorizada. Mesmo sendo um fã ardoroso, o autor não amenizou ao retratar o artista em "Bruce Dickinson", publicado originalmente em 2007 e lançado agora no Brasil pela editora Gutenberg.
É evidente que o resultado final sai prejudicado sem uma única declaração de Dickinson sobre sua história, embora de maneira alguma isso invalide a obra. Para amenizar o obstáculo, Shooman fez uma pesquisa imensa em jornais e revistas britânicos para compilar as principais entrevistas da carreira do cantor. Por conta disso, são mais de 200 notas de rodapé ao longo de 300 páginas, com todas as referências necessárias a respeito da origem das declarações e ano de publicação.
Tecnicamente, o texto é enquadrado em biografia, mas na verdade é uma grande reportagem sobre a carreira de Dickinson. Mais de 50 pessoas que conviveram intimamente com o artista deram depoimentos valiosos, embora algumas vezes contraditórios e até mesmo pesados, sem que houvesse o "outro lado" registrado. "Coincidentemente", nenhum membro atual ou ex-membro do Iron Maiden foi entrevistado, assim como o poderoso empresário da banda, Rod Smallwood. Toda essa blindagem não evitou a publicação.
Considerando-se que o livro é uma grande reportagem, então o resultado é muito bom. A melhor parte é o extenso período de Dickinson em sua primeira banda profissional de verdade, o Samson, liderada pelo guitarrista Paul Samson, morto em 2002 em consequência de um câncer. Entre 1979 e 1981, o cantor gravou três singles e dois álbuns. Há declarações bastante interessantes do baixista Chris Aylmer, mas as melhores informações são de autoria do baterista Barry Graham Purkis, o mascarado Thunderstick. Dono de excelente memória e dono de um acervo sobre sua própria carreira excelente, deu detalhes sobre as principais gravações, shows e negociações contratuais de uma das mais subestimadas bandas inglesas dos anos 80.
Thunderstick revela como Dickinson deixou a banda de boteco The Shots para impressionar no Samson logo nas primeiras semanas, assumindo a coliderança com o guitarrista e já começando a com por freneticamente. "Ele era excelente tecnicamente e sua autoconfiança era contagiante, embora ele tivesse que melhorar muito em termos de presença de palco em 1980. Bruce fazia palhaçadas demais no palco, contava piadas, zoava com todo mundo. Funcionava no pub da esquina para 20 pagantes, mas não em um festival. Mas ele aprendeu rápido."
É claro que houve mágoas quando surgiu o convite para entrar no Iron Maiden, em agosto de 1981, substituindo o o instável e insano Paul Di'Anno, mas mesmo o baterista admite que os rivais locais do Iron Maiden tinham mais a oferecer. "Ficamos chocados quando ele saiu, mas não totalmente surpresos. Ele percebeu rápido, assim como muita gente, que o Samson não estava virando e que, inexplicavelmente, não viraria, apesar dos bons álbuns e shows. Claro que, se havia alguma chance de nossa sorte melhorar, era com Bruce."
A oferta era irrecusável? Ele seria louco se recusasse, ficando no complicado Samson? "Não vou desmerecer minha banda. O Samson foi pioneiro da New Wave of British Heavy Metal, junto o Maiden, com o Saxon, e o Def Leppard. Nossa qualidade era reconhecida por todos, por mais que tivéssemos problemas administrativos complicados, como o péssimo serviço da empresa Ramkup, que nos empresariava. Eu sempre apostei na banda, e só Bruce pode responder se não dava para recusar", pondera Thunderstick, que reconhece uma grande qualidade no cantor: a lealdade e a honestidade. "Ele sempre trabalhou duro conosco, sempre esteve comprometido. E fez questão de nos avisar rapidamente de sua saída quando se decidiu pelo Iron Maiden."
Dickinson no Iron Maiden é, curiosamente, a parte mais fraca do livro, justamente porque não há depoimentos de colegas de banda e do estafe administrativo. Talvez por isso não seja tão extensa, já que as fontes são as entrevistas do vocalista e dos outros músicos do Iron Maiden publicadas em revistas inglesas, norte-americanas e francesas. Para esse tipo de informação, até mesmo Shooman recomenda o ótimo "Run to the Hills", já editado erm português, a biografia autorizada do Iron Maiden escrita por Mick Wall.
Para compensar a escassez de informações novas e inéditas de sua época de Iron Maiden, o livro mostra com detalhes até então pouco conhecidos a carreira solo de Bruce, entre 1993 e 1999, período em que esteve fora do gigante do heavy metal por vontade própria. São bem interessantes e detalhados os depoimentos de músicos da banda Skunkworks – Chris Dale (baixo), Alex Dickson (guitarra) e Alex Elena (bateria) -, que acompanharam o cantor na turnê do álbum "Balls to Picasso" e gravaram o álbum seguinte, "Skunkworks". Também são valiosas as entrevistas dos produtores Tony Platt e Chris Tsangarides a respeito do método de trabalho de Dickinson -e de como era prazeroso estar com ele em estúdio.
Como grande reportagem, "Bruce Dickinson" é um bom livro, com texto fácil e leve – a tradução é da mesma qualidade. Como biografia, deixa a desejar pela falta de informações mais relevantes e de explicações mais profundas sobre aspectos importantes da trajetória do músico. É uma boa leitura complementar ao caprichado "Run to the Hills".
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