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Você já se arrependeu de alguma de suas decisões hoje?

Combate Rock

04/06/2020 07h00

Marcelo Moreira

Você deve se martirizar por saber que perdeu a oportunidade de sua vida? Sim, é algo que merece muito arrependimento; talvez, imaginando que talvez você devesse ter percebido os sinais de que a sorte grande estava por perto; não, porque é impossível prever o futuro.

A vida costuma pregar muitas peças, em todos os níveis, a todas as pessoas. Sorte, clarividência, premonição, extrema competência na avaliação de informações e uma intuição invejável.

Tudo isso faz parte das situações de tomada de decisões sobre qualquer coisa, sendo que existe uma boa dose de imponderável na determinação do que vai dar certo ou não.

A carreira de um certo Terry Reid motivou a "pensata" a respeito de como é impossível – ou nem tanto – definir as fronteiras do sucesso e do fracasso, especial no esporte e nas artes.

Uma pequena roda de amigos que desrespeitou, em parte, a quarentena mostrou que a vida vale a pena ser vivida também nos fracassos – uma conversa boa, movida a conhaque francês e cerveja brasileira e irlandesa.

Relendo a versão brasileira de "O Guia do Led Zeppelin", de Nigel Williamson, relembrei aos amigos como o cantor inglês Terry Reid, pouco conhecido fora da Inglaterra, "deixou passar o cavalo selado" ao ser convidado por Jimmy Page para cantar no Led Zeppelin em julho de 1968.

Os Yardbirds tinham acabado em março daquele ano, ao fim da turnê norte-americana, mas tinham dois shows pendentes no meio do ano. A contragosto, a banda cumpriu as datas, mas imediatamente deixou Jimmy Page e o empresário Peter Grant sozinhos ao final das apresentações.

Led Zeppelin, ainda como New Yardbirds, em outubro de 1968 (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O baixista Chris Dreja ainda ajudou Page a recrutar os músicos que viriam a compor o Led Zeppelin, mas pulou fura para se tornar fotógrafo. Mas apoiou o guitarrista no convite a Reid.

"Eu tinha padecido em uma série de grupos sem futuro e então alguém acreditou no meu potencial. Virei artista solo e comecei a ver algum dinheiro entrar. Eu tinha sucesso – limitado, mas tinha. Era elogiado e tinha público. Como abrir mão disso para começar uma banda do zero, com músicos meio desconhecidos, embora Jimmy tivesse prestígio?", afirmou o cantor no começo dos anos 2000 à revista "New Musical Express", em um especial sobre a carreira do Led Zeppelin.

Sim, Reid recusou o convite de Page, a primeira peça que comporia os New Yardbirds, que viriam a ser o Led Zeppelin. O guitarrista e o empresário Grant queriam Stevie Winwood desde 1966, mas o cantor e tecladista continuava vinculado ao Traffic, além de não mostrar muito interesse.

A segunda opção era Steve Marriott, dos Small Faces. Este se interessou em trabalhar com Page em 1966, mas os empresários de sua banda o forçaram a desistir da ideia. Dois anos depois, ainda tinha compromissos com a banda e recusou novamente.

Então veio Reid, o terceiro da lista. "Para ser sincero, não via futuro, ao menos imediato, Page parecia tatear em busca de um projeto, e eu já estava bem à frente. Não me arrependo, até porque eu ainda não tinha o poder de prever o futuro", afirmou rindo.

O cara a bola passar na frente do gol, sem goleiro, e não fez o gol. Será? Caindo para o futebol: dá para condenar o cidadão que não aprovou Pelé em um teste no Corinthians, em 1955? Ou o cara que dispensou Rivellino no Palmeiras, em 1963 ou 1964?

Em uma situação um pouco mais complicada: dá para culpar Gary Cherone, cantor consagrado no Extreme, por ter aceitado ser o vocalista do Van Halen em 1997?

"III", o único que gravou, foi um desastre artístico e de vendas, mas nem tanto nos shows. Ainda assim, dava para perceber que aquele Van Halen seria um desastre?

O cavalo passou selado, ele montou e deu tudo errado… Da mesma forma no caso de Ray Gillen, o desconhecido que achou que tinha tirado a sorte grande ao ser chamado para substituir Glenn Hughes no Black Sabbath, mas que durou poucos meses no cargo.

Os exemplos são muitos, mas os atenuantes geralmente não aliviam a barra de ninguém. Como é que deve ter se sentido o executivo da Decca que recusou os Beatles em 1962?

Nem mesmo a contratação dos Rolling Stones temos depois serviu para amenizar a sensação de erro grotesco e fracasso monumental. As perguntas torturantes são: tinha como ser diferente? Existia alguma possibilidade de evitar o erro, ou os erros?

As respostas são irrelevantes, embora a maioria tenha o "não" como eventual resultado. São circunstâncias que engordam as histórias de bastidores do rock e as lendas a respeito do que teria sido o futuro com o Led Zeppelin com outro cantor, por exemplo.

São pensatas inúteis, que nem mesmo servem para nossas reflexões a respeito de erros e oportunidades perdidas ou mesmo sobre as chances que temos a partir de então – o supremo de autoajuda que nos impelem aproveitar cada segundo da vida após a superação de uma doença grave ou a perda de um parente próximo – "será que não deveríamos ter dado mais atenção, conversado mais, aproveitado mais as pequenas coisas" e coisas do gênero?

Até certo ponto, são bobagens que não alteram nossas vidas, já que não temos as rédeas dela e não temos como direcionar, o futuro, por mais que seja um exercício prazeroso para muita gente.

O "se" não existe, e certamente tornaria a nossa vida mais fácil se fosse desconsiderado na maioria das vezes, mas não deixa de sempre nos enviar um recado para todas as situações em que o potencial de lamentação de decisões tomadas fica evidente: que tal prestarmos um pouco mais de atenção nos momentos cruciais de nossas vidas, quando decisões precisam ser tomadas.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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