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A saída do baterista mudou radicalmente o destino do Dream Theater em 2010

Combate Rock

29/05/2020 06h37

Marcelo Moreira

Os terremotos nas bandas de rock raramente são repentinos, mas as erupções são rápidas e devastadoras. A recente implosão da banda brasileira promissora Nervosa é o exemplo clássico.

A tão esperada turnê do álbum "Black Clouds and Silver Lining" (2009), do Dream Theater, passou pelo Brasil e nada indicava que o grupo seria sacudido por sismos a final dela.

Há dez anos a implosão quase acabou com o quinteto norte-americano, um dos grupos mais importantes surgidos no rock a partir de 1990.

A crise culminou com a saída meio forçada do baterista Mike Portnoy, fundados e um dos "donos". É um dos fatos importantes da história do heavy metal do século XXI, já que o Dream Theater, com aquele álbum, voltou ao auge, ms que significou o fim de uma era.

Naquele 14 de março de 2010, o Credicard Hall, em São Paulo, testemunhou aquela que possivelmente foi a melhor apresentação da banda no Brasil, rivalizando coma s duas antológicas no Aramaçan, em Santo André, em 1997.

Mike Portnoy (FOTO: DIVULGAÇÃO)

As excelentes músicas de "Black Clouds" deram um tempero diferente às energéticas e técnicas apresentações. A banda entrou no palco literalmente com vontade.

Nas poucas entrevistas antes do show, Portnoy assumiu, como sempre, o protagonismo e transbordava confiança a respeito da qualidade do material recente e no futuro do grupo após 25 anos de fundação e 20 de sucesso quase ininterrupto, com alguns poucos baixos.

Seis meses depois, o mundo da banda de prog metal mais importante ruiu e acabou com o teatro do sonhos, pelo menos até aquele momento.

De forma resumida, as tensões afloraram ao final da turnê por questões administrativas, financeiras e de calendário. Portnoy, fundador do grupo ao lado de John Petrucci (guitarra) e John Myung (baixo), tentava fazer com que a banda se mantivesse mais fiel ao metal e com letras mais densas e elaboradas.

Coim o apoio de Jordan Rudess (teclados, na banda desde 1999), Petrucci resistia e queria ampliar os horizontes artísticos, querendo mais versatilidade.

Ao mesmo tempo, a banda fazia um dinheiro e as solicitações de shows e a pressão por mais um trabalho inédito praticamente obrigava ao adiamento das esperadas férias que todos aguardavam. Apesar disso, todos toparam adiar o descanso, menos Portnoy.

Ninguém confirma até hoje, mas há fortes indícios de que o baterista já tinha se comprometido com alguns de seus vários projetos paralelos assim que a turnê acabasse. Sem consultar os colegas e sem contar com o adiamento das férias, tentou "trucar", ou blefar, para forçar uma interrupção das atividades do Dream Theater.

Só não contava com a resistência do amigo Portnoy, que contou com o apoio de toda a banda, inclusive do vocalista James LaBrie, o mais incisivo e inflamado a favor de mais shows e trabalho em estúdio.

Portnoy, ao que parece, não teria conseguido se livrar dos compromissos com outras bandas e, em outra alternativa, subiu as apostas na queda de braço e perdeu. Resignado, comunicou no final daquele 2010 que não era mais o baterista da banda.

Dream Theater em sua formação atual: Mike Mangini é o quarto da esq. para a dir. (FOTO: DIVULGAÇÃO

A firmeza de posição da banda o surpreendeu e o fez destilar ódio e venenos em entrevistas nos anos seguintes, ora criticando o amigo Portnoy, ora atirando, de forma velada, contra Rudess e LaBrie.

Entretanto, ele nunca foi claro sobre o que de fato o fez sair da banda que amou e liderou por 25 anos. Confirmou, no entanto, que as coisas estavam estranhas dentro do grupo já fazia alguns anos, mas considerou "normais" as tensões dentro de uma banda bem-sucedida por tanto tempo.

Muitas outras especulações surgiram em chats e fóruns na internet acerca do desentendimento que gerou a sua saída – briga por maia dinheiro, desavenças com LaBrie (com boatos de que teria exigido a saída do vocalista por três ocasiões entre 2009 e 2010), insatisfação com o aumento do protagonismo de Rudess nas artística e administrativa, entre outras especulações.

Se Portnoy e companhia forçaram a situação deliberadamente para forçar o então incômodo Portnoy a sair, ou se apenas resistiram na certeza que o baterista cederia, só os membros do grupo podem esclarecer.

Em uma das poucas afirmações diretas a respeito, Portnoy escreveu, em seu site pessoal, no dia 8 de setembro de 2010, que oficialmente estava deixando a banda. No texto, de uma forma um tanto pedante e despeitada, escreveu que "estaria se divertindo mais em seus projetos paralelos do que com a banda".

O que ficou claro é que a decisão de Portnoy obrigou ao adiamento e cancelamento dos planos mais imediatos, já que o grupo demorou a encontrar um substituto – Mike Mangini, que era da banda solo de LaBrie e que tinha participado dos discos solo deste -acabou escolhido após um "concurso" mundial no qual sete bateristas foram selecionados para um vestibular ao longo de duas semanas em Nova York, entre eles o brasileiro Aquiles Priester (ex-Angra, Shaman e Noturnall, atual W.A.S.P.).

Para muitos "especialistas" em Dream Theater e jornalistas americanos, teria sido apenas um golpe publicitário: os sete bateristas realmente estiveram em Nova York e fizeram audições, mas ninguém se surpreendeu com a escolha de Mangini, amigo de longa data do grupo e, principalmente, de LaBrie. Jogo de cartas marcadas?

Entre os "candidatos" estavam instrumentistas extraordinários, como o alemão Marco Minnemann e o americano Virgil Donati, além de Priester.

Este último, em entrevista ao programa Combate Rock, comentou sobre os testes e que ficou honrado em participar e de ser lembrado. De acordo com ele, tudo foi muito profissional e foi muito bem tratado por toda a equipe. "Não fiquei com a vaga, mas ganhei alguns amigos na equipe deles."

Com a entrada de Mangini, a partir de 2011, o Dream Theater oscilou entre o metal mais tradicional e o rock progressivo. "A Dramatic Turn of Events" (2011) e "Distance Over Time" (2019) eram mais diretos e traziam ecos de um passado longínquo, com a predominância de um hard'n'heavy de alto nível.

"Dream Theater" (2013) e "The Astonishing" (2015) enveredavam pelo lado mais progressivo. O segundo era o oposto, já que John Petrucci e Jordan Rudess tentaram compor uma meta ópera ao estilo do projeto holandês Ayreon, do guitarrista Arjen Lucassen. Menos pesado e mais ambicioso, causou estranheza nos fãs.

Se Portnoy queria mais liberdade, então conseguiu. Criou bandas – Adrenaline Mob, Winery Dogs, Flying Colors, Sons of Apollo -, retomou outras – Transatlantic – e participou de trabalhos de Avenged Sevenfold e Noturnall.

Dream Theater em formação de 2010,: Portnoy é o último da esq. para a dir. (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Em passagem pelo Brasil, em 2019, mostrou a energia e o entusiasmo de sempre , principalmente pelo Sons of Apollo, ao que parece a sua banda principal da atualidade. Não mencionou Winery Dogs nem Flying Colors e mostrou-se até mesmo surpreendido com o sucesso recente.

"Estou feliz com a aceitação do Sons of Apollo, um desejo antigo meu e de Derek Sherinian (tecldista, ex- Dream Theater). Queríamos fazer um metal progressivo mais pesado, e conseguimos", disse em entrevista à revista Roadie Crew.

Portnoy e Petrucci se reencontraram várias vezes nestes dez anos, a maioria em eventos sociais, e demonstraram que, se há ressentimentos, estão ficando menores a ponto de relevá-los temporariamente.

O baterista também se encontrou algumas vezes com Rudess, chegando a tocar juntos em pelo menos duas vezes. Com LaBrie, no entanto, a coisa está azeda. Em uma conversa via redes sociais com fãs, foi perguntado sobre a possibilidade de um show ou álbum com ex-membros – Portnoy, Sherinian, Charley Dominici (ex-vocalista) e Kevin Moore (ex-tecladista).

"Duvido muito que alguma reunião com Portnoy ocorra. Duvido muito que isto aconteça. Mas não sabemos o que o futuro nos reserva, certo? Então é como diz o ditado, nunca diga nunca", disse LaBrie secamente.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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