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A marca da intolerância vai reger as nossas vidas depois da pandemia

Combate Rock

14/05/2020 06h32

Marcelo Moreira

(FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Todo dia alguém corrói a nossa paciência com o mantra "nada mais será como antes" ou "não voltaremos à normalidade e precisaremos de um 'novo normal"'. Parece claro desde o começo da crise mundial que seria assim.

O que está chocando todos é o tamanho do impacto nas relações interpessoais. Afinal, como vai ser possível encarar aquele seu amigo ou parente que desdenhou as milhares de mortes e desrespeitou todas as regras e avisos para conter a disseminação do vírus?

De certa forma, trata-se apenas de um agravamento de algo que já havíamos observado no ano passado, principalmente em vários meios dedicados à arte e ao rock, especificamente: o completo distanciamento entre pessoas que deixaram o respeito e a tolerância de lado e a impossibilidade de conviver com gente que apoia medias e políticas que, em última análise, representam um perigo para muitas pessoas.

É o agravamento da polarização política, que se infiltrou indelevelmente nas discussões sobre o combate à pandemia, turvadas pelo comportamento irresponsável de um presidente da República ignorante, estúpido e perigoso.

Para os imbecis que se dizem ultraconservadores – na verdade, dejetos humanos extremistas de direita -, lutar ela preservação da vida e para evitar o colapso do sistema de saúde por superlotação é coisa da "esquerda, de vagabundo que não quer trabalhar".

Esse tipo de imbecil ignora os perigos e as consequências da covid-19 e minimiza o número de mortes, quando não o questiona sem qualquer base informativa.

Essa gente imbecil é inimiga do conhecimento, da ciência e da educação, afronta o bom senso e despreza a arte e a cultura, tratando-as como inimigas – só podem ser inimigas mesmo, já que costumam diariamente desmascarar a indigência intelectual e cultural dessa gente nojenta e atrasada.

Como é possível voltar a conviver com esse tipo de imbecil que quer sobrepor a economia à saúde pública? Que acha que o trabalho é superior à preservação da vida?

É esse mesmo tipo de imbecil que já está sofrendo as consequências de sua irresponsabilidade, quando procura os serviços de saúde e não encontra vagas, passando a vomitar esgoto contra a "incompetência dos serviços de saúde de um país corrupto"…

A coisa piora quando a quantidade desse tipo de idiota é espantosamente maior do que achávamos dentro do rock, um ambiente supostamente progressista e pautado pela tolerância.

Quando a maioria dessa gente defende a ditadura, relativiza a tortura e a violência contra "adversários" e apoia a depredação da liberdade de expressão é sinal de que a sociedade está contaminada além do coronavírus: a burrice passou a fazer parte do DNA do ambiente em questão.

Será possível separar o estúpido valente de redes sociais que, causalmente, é músico, da obra que ele produz? Será que conseguiremos olhar de alguma forma menos crítica para o idiota que defende censura e tortura na mesa de um bar? E como conversar com um pai com essas ideias abjetas ou um tio totalmente burro como se nada tivesse acontecido?

Sera que você, que teve uma mãe idosa, uma avó ou filho enfraquecido morto pela covid-19? Vai conseguir ficar perto de pessoas que falam com escárnio dos mortos pela pandemia? Que fazem piadas com os memes dos funerais de Gana – aqueles dos negros que carregam caixões dançando?

Dá para ficar no mesmo ambiente com pessoas toscas e ignorantes que passaram meses bradando contra a quarentena e contra o fechamento do comércio, vomitando que "as pessoas precisam trabalhar"?

Ao menos no Brasil, a intolerância será a marca das relações interpessoais após a pandemia. Haverá menos paciência com gente burra e ignorante, que apostou na morte por estupidez e egoísmo.

Haverá menos condescendência com lixos humanos que apoiam candidatos autoritários e corruptos, que abusam da delinquência institucional e que constantemente afrontam a inteligência e o bom senso.

Ficará muito, mas muito difícil tolerar qualquer menção relacionada a Jair Bolsonaro e ao nojento bolsonarismo encharcado de corrupção e tentações golpistas.

Muitos músicos e artistas flertam abertamente com a censura e a destruição da democracia. Sabotam o meio em que vivem e as próprias carreiras ao atentar contra as liberdades civis e de expressão. Orgulham-se da própria burrice e da disseminação da própria burrice.

Em qualquer democracia, o boicote é uma arma poderosa e eficiente de pressão e de reivindicação. É legítima e necessária em tem,pos de crise institucional, como é frequente no Brasil.

Muitos estudiosos relacionam boicotes à intolerância e ao autoritarismo, um corpo estranho em um debate saudável na democracia.

Para mim, boicote é uma arma legítima que faz parte da liberdade individual de escolha. Em termos institucionais, é um elemento poderoso para intimidar e pressionar quem quer que seja por conta de suas posições político-ideológico-econômico-sociais. O que é um segundo turno de qualquer eleição senão um boicote a um candidato?

Boicote é uma manifestação de intolerância? Que seja então, já que entendemos que a intolerância será a tônica das relações sociais no Brasil e no mundo após a covid-19.

São mais do que legítimos os boicotes a pessoas/artistas/bandas com ideias fascistas e contra a vida, que atentaram contra a quarentena e o isolamento social.

É necessário que boicotemos empresas/lojas/marcas que apoiam o fascismo, o autoritarismo e as "carreatas da morte".

É crucial que lutemos pela neutralização/banimento de gente que anseia pela censura e pela violência contra adversários, que sonham com uma nação regida pela mais podre e asquerosa religiosidade que existe e por uma vida que se reuma a bater continência e se ajoelhar a militares divorciados da realidade.

As marcas da intolerância estão explícitas dentro do rock nacional, onde vicejam ideias retrógradas e medievais já mencionadas neste texto. É um pequeno retrato do que está por vir após o vírus.

Infelizmente, a intolerância vai aprofundar diferenças e ampliar as divisões. Vai afastar os agora ex-amigos e expulsar de nosso convívio parentes tóxicos e burros, indignos de nossa presença por compartilhar os piores sentimentos dos seres humanos que vivem em sociedades atrasadas.

Infelizmente, intolerância se converterá no único modo de manter a sanidade em um mundo que retrocede para a Idade Média.

P.S.: Não custa relembrar um trecho de um artigo interessante do Ivan Lago, professor e doutor em Sociologia Política. Ivan Lago vê em Bolsonaro "uma expressão bastante fiel do brasileiro médio, um retrato do modo de pensar o mundo, a sociedade e a política, que caracteriza o típico cidadão do nosso país". O retrato que ele encontrou em suas pesquisas não é nada bonito. "Quando me refiro ao brasileiro médio, obviamente não estou tratando da imagem romantizada pela mídia e pelo imaginário popular, do brasileiro receptivo, criativo, solidário, divertido e "malandro". Refiro-me à sua versão mais obscura e, infelizmente, mais realista. No "mundo real", o brasileiro é preconceituoso, violento, analfabeto (nas letras, na política, na ciência… em quase tudo). É racista, machista, autoritário,interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto".

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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