Vírus demole o entretenimento e empurra músicos para a fila do (des)emprego
Marcelo Moreira
Um mercado que vai deixar de existir e que não conseguirá recomeçar do zero tão cedo; músicos que ainda conseguiam viver razoavelmente de shows e com agenda quase lotada procurando emprego; donos de bares e casas de shows desesperados em busca de renegociação de contratos de aluguel.
A pandemia de covid 19-coronavírus desestruturou as economias de vários países e forçará o estabelecimento de novos paradigmas de convivência e de trabalho, bem como em relação às finanças e novos negócios.
No entanto, duas áreas serão as mais afetadas pela imensa recessão, e de forma imediata: o trabalho informal, em todos os sentidos, e a área de entretenimento, que envolve cultura, artes e gastronomia.
Se o mercado de shows internacionais de todos os portes ainda conseguia uma boa receita, shows de artistas brasileiros, em sua maioria, deram uma encolhida em termos de público e agenda.
No underground do rock, eram poucas as bandas e artistas que mantinham um nível minimamente aceitável. Já na circuito de bares e espetáculos menores, quase todos levavam a coisa no limite desde o agravamento da crise econômica persistente desde 2016.
O vírus derrubou tudo o que restava com o isolamento social e o distanciamento quase que obrigatório imposto por governos estaduais e prefeituras, todos assustados com as consequências devastadoras na Itália e na Espanha, que contam os mortos aos milhares.
Sem atividade econômica e sem perspectivas de retomada dos negócios, com a provável extensão da quarentena em quase todos os lugares do país, músicos e artistas em geral se viram sem opções e sem remuneração no período.
Se a própria Galeria do Rock, com suas 215 lojas (perto de 40 ainda dedicadas à música) já admite a possibilidade de que a maioria dos negócios feche definitivamente as portas, imagine então bares e restaurantes que apostavam bastante em música ao vivo e autoral…
A precarização de um setor historicamente precarizado nas relações de trabalho e de negociação de cachês atingiu o auge e terá consequências severas. Entre ameaças de demissão e dispensas efetivas, as perspectivas de aumento de desemprego são sombrias.
O esperado aperto nos cintos será bravo e vai durar um período extenso, segundo a maioria dos economistas de empresa de análises e de bancos de varejo. Sem crédito e sem caixa, as empresas de todos os portes terão de fazer ajustes ou encerra as atividades.
O impacto será devastador para pequenas e médias e empresas e para a informalidade. Ajuda do Estado? Mesmo enviando ao Congresso Nacional projeto de auxílio financeiro à população mais vulnerável, o governo nefasto de Jair Bolsonaro, do alto de sua suprema incompetência, parece ter mudado de ideia de pagar R$ 600 mensais por três meses a no mínimo 25 milhões de trabalhadores de vulnerabilidade.
Parece que o ministro da Economia, Paulo Guedes, resolveu refazer as contas ignorando que o pacote de ajuda foi aprovado a toque de caixa na Câmara dos Deputados e no Senado, como se a fome e o desalento pudessem esperar meros cálculos insensíveis nas contas públicas, sendo que a rigidez fiscal foi afrouxada com autorização judicial.
Enquanto isso, os bancos de lucros bilionários foram mais uma vez agraciados com medidas que os permitem atravessar a crise brava sem preocupações, como se estivesse com a corda no pescoço – não estão e nunca estiveram.
O trilionário aumento da liquidez deveria obrigatoriamente trazer maior oferta de crédito e maiores facilidades no socorro a pequenas e médias empresas com empréstimos condições mais favoráveis do que nunca.
E não é que está acontecendo justamente o contrário? Os bancos, até os públicos, estão endurecendo e dificultando ainda mais as condições de negociação de forma deliberada, zombando do governo frágil e espúrio de Bolsonaro, da Justiça e da sociedade.
É lamentável ler diariamente nas redes sociais músicos e empresários do show business anunciando paralisações de atividades por tempo indeterminando, encerrando definitivamente negócios e demitindo funcionários sem a perspectiva de ao menos pagar parte de alguma indenização.
Pior ainda é descobrir que músicos renomados, com vários CDs e DVDs lançados, estão anunciando que estão mudando de área e pedindo emprego nas mesmas redes sociais.
Gente com carreira internacional está distribuindo currículo para trabalhar nas áreas de marketing, vendas e logística, entre outras, justamente em um momento que o nível de desemprego aumentou em fevereiro, segundo dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Se já estava difícil antes, o que dizer agora?
A chamada economia criativa não tem soluções de curto prazo para a área de entretenimento, e isso sem ter ideia de quanto tempo mais a quarentena vai se estender.
Como buscar alternativa de trabalho em um mercado implodido depois de 10, 20 ou 30 anos se dedicando à arte e tocando em palcos variados? Como ficam os vários festivais de música e teatro pelo país e toda a sua cadeia produtiva de serviços?
Os otimistas insistem que tudo vai passar, mesmo que tudo seja novo e diferente quando acabar e a vida "normal" for retomada. Mas e o agora?
As poucas tentativas do poder público de oferecer alguma verba acabaram sendo torpedeadas pela Justiça e burocratas preocupados com as contas públicas, que afirmam que a prioridade é o combate ao coronavírus. como discordar disso?
O desafio é inacreditável e a solução está bem longe de qualquer horizonte. Infelizmente, o entretenimento foi o primeiro e mais afetado com a crise e, certamente, estará no fim da fila das prioridades.
Alguns de nossos melhores músicos, de todas as áreas, terão de procurar emprego diante de um mercado de trabalho depredado e vilipendiado.
Nem nos seus melhores sonhos Bolsonaro e de seus soldados destrutivos poderiam imaginar um fim de mundo tão letal para as artes e para a cultura.
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