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Taurus exalta a persistência e a esperança em novo trabalho

Combate Rock

27/03/2020 06h21

Marcelo Moreira

O início foi fervilhante e parecia que a cena iria estourar. Nada poderia ser comparado, na cultura nacional, com a explosão pop e jovem da primeira metade dos anos 80. O rock nacional deu o pontapé para que as subculturas de todo o país ganhassem espaço e mostrassem a cara nos estertores do regime militar.

O punk e o metal aproveitaram bem as possibilidades e colocaram o que se poderia chamar de música extrema na vitrine, chocando e arrebanhando um público ávido por "vingança", digamos assim.

O Taurus é um dos representantes dessa época, surgido em 1985 em Niterói (RJ). Veio em uma segunda onda do metal nacional, que começou um pouco antes com bandas como Stress, do Pará, a carioca Dorsal Atlântica, os mineiros do Sepultura e os paulistas Vírus, Harppia, Santuário, Centúrias e Korzus, entre outras.

Se o surgimento ocorreu em uma época de explosão do rock pelo Brasil, a sequência dos trabalhos foi acidentada para quase todas as bandas mais pesadas, sendo que poucas atingiram os dez anos ininterruptos e ficaram pelo caminho.

Quase 30 anos depois, muitos dos grupos pioneiros foram redescobertos por uma geração ávida por entender de onde surgiu o apaixonante metal nacional de tanto ouviram falar, impulsionando um movimento de resgate que culminou com a volta aos palcos de várias bandas.

"Os anos 80 foram marcantes para o rock do Brasil, e na grande mídia as bandas mais pop tiveram a repercussão que tiveram, e muitas estão voltando agora também. Foi uma época importante e tenho orgulho da história do Taurus", diz o baterista Sergio Bezz.

O grupo fluminense aguentou até 1994 e teve de esperar até 2007 para um retorno consistente e de forma definitiva. A banda prepara novo álbum para este ano, "V", enquanto prepara outras novidades.

O selo chinês Navid Pirala relançou em fita cassete o segundo álbum do grupo, "Trapped in Lies" (1988). "Fissura" (2010) também será relançado, desta vez pela gravadora atual da Taurus, a Dies Irae. Ele virá com uma faixa bônus, "Junkie Man", além de um pôster e de algumas mudanças na arte da capa.

A formação atual do Taurus, que está completando 34 anos de vida, conta com Otávio Augusto (vocal), Felipe Melo (baixo), Cláudio Bezz (guitarra) e Sérgio Bezz (bateria). Sérgio e Claudio Bezz conversaram com o Combate Rock sobre a boa fase da banda em 2020:

A participação de Alex Camargo no single surpreende por ser um artista de metal extremo. De quem foi a ideia do convite? Como foi a adaptação do estilo de vocês para receber a voz extrema dele?

Cláudio Bezz: Bem, nunca ficamos presos a rótulos nem a estilos. Nossa vertente principal é o thrash metal, mas também escutamos e gostamos de sons mais extremos (em todas as direções). Acho que a surpresa em estarmos juntos com o Alex vem do fato de nunca termos feito nada juntos, até agora. Foi um encontro sensacional, e foi fácil o entendimento musical. Na primeira audição das vozes que ele fez já foi matador. Coube a mim realizar a forma e equilíbrio entre as duas vozes, do Alex e do Otávio. Os timbres são diferentes, por isso o encaixe rolou bem…achei que ficou muito bom. Também gravamos uma música no novo disco com a participação do Louzada (em "Dark Phoenix"), vocal do Vulcano, também de outro estilo, além do Beto de Gásperis (Mutation), mais diferente ainda. Todos são hiper musicais, independente de tocar numa banda X ou Y, ter a voz assim ou assado. Todos nossos amigos/irmãos e isso é o que importa. Não houve nenhuma modificação no arranjo. A música já estava pronta quando o convidamos p participar. Achamos que a música "Existe um lugar" tinha a cara dele, e o encontro foi perfeito. O novo disco "V" é mais pesado do que os outros e tem mais espaço p experimentações Foi o que fizemos.

Sérgio Bezz: Desde que encontramos Alex e o Krisiun em um show em Manaus, ficamos muito animados desde lá com a ideia de estreitar nossos laços musicais. Já no DVD de 30 anos o Alex escreveu um pequeno texto sobre o Taurus que está no encarte, assim como Carlos Lopes, da Dorsal Atlântica, também fez. São pessoas que tiveram importância em nossa história, assim como Louzada, do Vulcano, figura excelente! Sempre que pode está com a gente em jams nos shows.

"V" é um álbum forte, diferente do que estamos acostumados com o rock pesado nacional em português. Em que medida os acontecimentos mais recentes de nossa vida brasileira influenciaram as composições?

Cláudio Bezz: Total influência. Quando nos sentimos de alguma maneira fora de nossa zona de conforto, sendo empurrados diariamente para um precipício de estupidez ideológica, falta de compreensão, total desprezo pelas conquistas que lutamos a duras penas, o sangue ferve, e eu, em especial, fui movido a um sentimento de criação artística que representasse essa frustração. Inicialmente compus três músicas muito, muito pesadas, com um clima dark mesmo. Era o que eu sentia. Elas estão no disco, e de certa maneira foram o estopim para a criação de todo álbum. "Dark Phoenix", "Distopia" e "Mãos de Ferro" são os títulos. Todas falam sobre o nossa força em passar pelas agruras, sermos fortes, não olharmos p trás e passar uma mensagem de que não vamos deixar assim. Tanto nas letras quanto nos riffs, bases e grooves pesados que criamos para este disco, deixamos esta mensagem. As outras músicas do disco seguem essa mesma vertente, do metal mais rápido aos mais cadenciados. Gosto cada vez mais desse disco. A produção foi minha e descobri um modus operandi que funcionou bem. Muito trabalho foi feito para esse disco ficar como ficou.

Desde 2015 vemos um resgate mais sólido do som pesado dos anos 80 em português, com ressurgimentos bem-sucedidos de bandas como Salário Mínimo, Metalmorphose, Vírus, Golpe de Estado e mais alguns, além do Taurus. A que vocês atribuem esse resgate? Por que não houve esse interesse lá nso 80, quando todas essas bandas estavam fazendo história?

Cláudio Bezz: Quando estamos vivenciando as coisas, in loco, não temos a noção do que acontece em um âmbito maior. Aprendi que isso chama-se "distanciamento temporal". Tínhamos muita energia para inventar espaços de atuação naquela época. Não existia internet, e tudo era na vontade mesmo. Ir aos lugares, vender fita demo nas lojas, ir aos shows para divulgar a sua banda, essas coisas. Para nós, éramos apenas uns meninos fazendo música pesada, e curtindo muito cada momento. Hoje temos a exata noção de que vivemos um período seminal, importante na história do Metal no Brasil, e o que temos feito desde nossa volta, em 2007, é celebrar isso da melhor maneira, que é fazendo discos, shows e no encontro com os fãs.

Sérgio Bezz: Acho que todas essas bandas têm sua história viva em cada momento de seu caminho. Os anos 80 foram marcantes para o rock do Brasil, e na grande mídia as bandas mais pop tiveram a repercussão que tiveram, e muitas estão voltando agora também. No meio do metal todas essas bandas tiveram seu espaço, que era reduzido, porque o espaço do metal era reduzido mesmo. Parece então que aconteceu alguma coisa naquela década na música pesada que ficou ainda viva, incubada, e que agora está com energia para voltar à ativa. Nós nunca decretamos o fim da banda. Pudemos lembrar disso em nosso retorno depois do intervalo de alguns anos.

Sergio Bezz, do Taurus (FOTO: DIVULGAÇÃO)

4 – No ano que vem teremos o aniversário de 35 anos do Taurus. Já estão pensando em algo especial para comemorar?

Cláudio Bezz: Sempre!! Já penso no próximo projeto, que pode ser um novo disco e um DVD em estúdio, que é uma ideia que está rodando nossas cabeças desde o ano passado. Vamos viver uma coisa de cada vez. Agora é a hora do "V", nosso novo disco. Ele vem com muita energia e não deixa de ser um retrato da gente nesse momento. Afinal, é disso que se trata: Mantermos a energia em alta rotação. Isso nos deixa muito otimistas em relação ao futuro próximo do Taurus. Lembrando que quando fizemos 30 anos, soltamos o DVD ao vivo p comemorar e relançamos o nosso primeiro disco, "Signo de Taurus" (1986), em vinIl. Novidades virão, podem esperar.

A relação do ouvinte com a música mudou demais neste século. Tudo ficou muito fácil e de graça, e não há mais o comprometimento com o produto. Como a banda encara essa nova realidade, de arquivos digitais, streamings e maiores dificuldades para ganhar dinheiro no underground e com o rock?

Sérgio Bezz: É uma realidade muito interessante porque facilitou o acesso a bandas do mundo todo que antes não se tinha notícia. Às vezes é difícil também porque não se discerne bem quem é quem, tudo tende a ficar muito parecido. Continuo atento a iniciativas que sejam mais originais e novas ideias -há muita repetição de fórmulas já conhecidas. Curiosamente ainda há um nicho que gosta do produto físico, CD, vinil e ! Aliás, nossos álbuns foram relançados em cassete nesse ano por um selo da China. Há quem entenda que o objetivo é o de somente ganhar dinheiro. Quando fazemos um novo trabalho não pensamos em ganhar dinheiro propriamente, mas viabilizar o trabalho, e para isso, o dinheiro faz parte.

Por falar em dificuldades na cena roqueira, muita gente envolvida com o antigo festival Super Peso Brasil reclama bastante da falta de apoio para repetir tal evento e transformá-lo em evento fixo e frequente do calendário nacional. As reclamações recaem basicamente em relação a pessoas e empresas do próprio meio, seja na questão de patrocínio, seja na falta de engajamento. Como vocês entendem essa questão? Por que não é possível que mais eventos como esse ocorram?

Cláudio Bezz: Essa relação entre produtores de shows e o meio do metal é muito complexa. Existe um público muito grande, com características próprias de consumo e atividade. Enquanto não se fizer um estudo, mapeando esse público, sabendo suas preferências, e principalmente, a relação custo/benefício para produções de shows, mesmo em pequena escala, não será possível fazer nada. Alguns eventos foram e são animadores, como o próprio Super Peso, Abril pro rock, Armaggedon, Otacílo e outros. Pessoas trabalhando com logística, custos, previsões e captação de patrocínios… Tudo no Brasil é difícil, mas precisamos insistir na excelência dos projetos. Se não dá p fazer da maneira correta, não façam. Os efeitos nocivos que um evento mal produzido causa nas bandas, público e imprensa especializada demora muito tempo p se desfazer. Uma coisa é montar um sarau, ou evento pequeno entre as próprias bandas de determinada região. São atitudes louváveis e importantes, que têm que acontecer, mas mantendo sempre o passo do tamanho das pernas. Nesse aspecto, aconteceram muitas histórias ruins com a gente nesses 34 anos. Não desistimos porque gostamos muito disso tudo, e achamos que nossa maior vitória é estar aqui para contar nossas experiências e, quem sabe, de alguma maneira ajudarmos a continuar a construir essa ponte entre os produtores de excelência, banda e público.

Claudio Bezz, do Taurus (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Como os relançamentos de álbuns antigos do Taurus podem proporcionar uma conexão com os fãs mais recentes? Qual a viabilidade de realizar tal iniciativa?

Cláudio Bezz: A única maneira de estabelecermos um vínculo com o público é através da nossa história, traduzida em discos e shows. Hoje já sabemos que as pessoas não querem só o "objeto", no sentido do disco X, da banda Y. Ele tem que vir junto com algo que faça sentido p ele, ou seja, a história e o conteúdo são os principais elementos desse contato. Nós sempre fizemos questão da máxima qualidade em tudo o que fizemos. Desde discos até shows. Nunca abrimos mão disso. Por isso não temos 50 discos e um milhão de shows em nosso currículo. E isso não está relacionado ao que outras pessoas fizeram por nós, mas o que nós fizemos por nós mesmos. Temos orgulho do primeiro disco até o mais recente, "V", porque eles foram gerados sempre por sentimentos genuínos e verdadeiros, que nos impulsiona a querer fazer mais. Isso também valeu pelos shows. Hoje as plataformas digitais, e mídias sociais ajudam muito também, mas como tudo, a ferramenta é vazia, neutra. Se não houver técnica no manuseio, não vai rolar nada. Estamos nos educando cada vez mais na utilização dessas ferramentas. É importante e crucial até. Tomarmos decisões sobre a carreira do Taurus é algo complexo, que envolve a direção que nós quatro integrantes queremos dar para a banda. Tudo é feito no sentido de não ultrapassarmos os limites que cada um têm, em relação às suas vidas particulares. Esse é um ponto de entendimento crucial que explica os 34 anos, até agora, de existência do Taurus.

Com a "novidade" do coronavírus virando a nossa vida de cabeça para baixo, como o Taurus está se adequando à nova realidade?

Cláudio Bezz: Reclusão total até tudo isso passar. Estamos, assim como todos, conscientes do nosso papel na não transmissão viral, e todos temos responsabilidade quanto a isso.

Sérgio Bezz: Nossos lançamentos estavam na porta para sar, e estão saindo! O relançamento do Fissura e o novo de inéditas "V" estão aí! A Dies Irae está trabalhando para fazer a distribuição como puder nesse momento dos CDs, mas já há encomendas e distribuição prevista no mundo inteiro no mundo inteiro. Há também a lançamento nas plataformas digitais. Em termos práticos, iríamos lançar o novo disco "V" em dois eventos importantes do calendário metálico no Brasil, o Abril Pro Rock e no Armaggedon no primeiro semestre, mas como tudo, estamos aguardando o andamento das coisas e prováveis novas datas. Isso acaba adiando nossos planos para o primeiro semestre 2020, mas estamos fortes e confiantes que tudo vai passar e continuaremos em frente. O lançamento do disco físico "V" está programada para o final de março e o digital, em todas as plataformas, no dia 27 de março. Esperamos que as pessoas ouçam o disco e comentem o que acharam. A opinião deles é muito importante p nós. É um disco feito com muito esmero e carinho, tudo que aqueles que gostam do Taurus merecem. Lançamos nossa loja virtual https://taurusofficial.loja2.com.br/ também e temos produtos oficiais à disposição – CDs, vinis, camisas, fitas cassete, tudo com a marca oficial do Taurus. Também estamos online em todas as mídias sociais e no nosso site. Vão lá e deixem um recado p gente que vcs serão respondidos. Tudo será diferente depois dessa crise que estamos vivendo. Esperamos que tenhamos mais consciência e respeito pelo próximo e pela natureza. Vamos continuar a fazer Arte através do metal, e isso ninguém tira de nós.

 

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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