Topo

No 'último show de todos os tempos', Golpe de Estado transborda magia

Combate Rock

17/03/2020 07h01

Marcelo Moreira

"Vamos nos divertir naquele que será o último show de todos os tempos, de nossas vidas!" Por trás do sorriso sarcástico, Nelson Brito escondia uma melancolia e indignação com o "toque de recolher" imposto a todos nós pela disseminação rápida do covid 19-coronavírus.

O baixista do Golpe de Estado estava a minutos de subir ao palco do Parque Salvador Arena, em São Bernardo do Campo (ABC Paulista) para aquele que certamente seria o último show por algum tempo.

Justamente por isso, talvez prevendo dias mais difíceis e confinados, uma pequena multidão de quase mil pessoas superlotou o pequeno anfiteatro do parque municipal. Não teve uma pessoa que não tenha saído satisfeita de um espetáculo simples, descontraído, energético e com muita qualidade.

Aquele que seria o "último show de nossas vidas" antes do confinamento fez parte do Festival Cultura e Sabores durante dois dias e que também teve s shows gratuitos de O Bardo e o Banjo, de São Paulo, e da banda Montanha, de Santo André, antes do Golpe subir ao palco.

O Bardo e o Banjo (FOTO: MARCELO MOREIRA)

O trio O Bardo e o Banjo faz parte de um movimento relativamente antigo de artistas que decidiram mesclar folk tradicional, bluesgrass, celtic folk e country music e rodar o Brasil mostrando uma maneira diferente de expor esse tipo de som – fazem parte dessa turma bandas como Tuatha de Danann, Lothloryen, The Leprechaun, Folk na Kombi, Terra Celta e muitas outras.

Foi o aquecimento perfeito para uma tarde quente e ensolarada. O trio engatou juma série de temas que fizeram a plateia dançar e se divertir bastante com a pegada caipira do sul dos Estados Unidos com o estridente som do banjo aliado a um mandolim, um contrabaixo acústico bem timbrado, um violino e uma percussão acionada pelos pelos pés do vocalista e "banjoleiro".

Os temas próprios foram misturados com versões ótimas para clássicos do rock e do country, como "Ring of Fire" (Johnny Cash), "Highway to Hell" (AC/DC) e um medley bacana com músicas de Raul Seixas, Elvis Presley e Luiz Gonzaga.

"Creio que acertamos quando fizemos essa mistura, já são quase 20 anos e muita gente ainda se surpreende quando começamos a tocar o nosso som. Nossos shows sempre terminam em festa", diz Marcus Zambello, que toca mandolim e violino, além de vários vocais principais.

Os bardos paulistanos tinham entretido cerca de 400 pessoas e saíram ovacionados, deixando um problemão para o Montanha. Certamente o seu stoner rock/stoner metal seria algo pesado para o público que curtiu a festança caipira anterior. Entretanto, foi a passagem perfeita para a apoteótica apresentação do Golpe de Estado.

Montanha (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Durante a transição, o peso comeu solto e o quarteto andreense estremeceu o anfiteatro do Salvador Arena. Muito peso, muita distorção e uma surpreendente performance do veterano do ABC: boas canções, alguns duelos de guitarra e uma precisão elogiável.

Sem recorrer a versões de clássicos do rock e do metal, o Montanha despejou boas canções em português abrangendo toda a carreira de quase 30 anos em menos de uma hora.

Despejaram petardos como "O Arquipélago", "Peregrino", "Macondo" e a ótima "A Retomada", com destaque para os timbres tenebrosos e gigantes das duas guitarras. O show foi tão legal que cativou e surpreendeu os fãs do Golpe, que chegavam em peso para a apresentação principal.

Quando o quarteto paulistano iniciou o seu concerto, o anfiteatro estava abarrotado – provavelmente nunca tivera público parecido em shows de rock. Emocionados, os quatro integrantes enfileiraram hits e mais hits e não deixaram ninguém em pé.

Era a ocasião perfeita para que Marcello Schevano demonstrasse toda sua classe e energia em solos incandescentes de guitarra em suas versões para clássicos do hard rock nacional.

Se no Carro Bomba ele é um vulcão sonoro de riffs pesados e estrondosos, no Golpe de Estado ele se adaptou perfeitamente ao ritual hard de riffs na cara e solos bluesy, incorporando várias ideias de Hélcio Aguirra, o fundador que morreu em 2014.

João Luiz (ao fundo) comanda a festa do Golpe do Estado (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Já o cantor João Luiz, que é o vocalista há quase três anos, pareceu feito para cantar as músicas do Golpe de Estado. Estiloso e estilista, tem uma voz espetacular e "veste" de tal forma as músicas da banda, com tal comprometimento, que consegue rivalizar  muitas vezes com o carismático André Marechal, o Catalau, que integrou o conjunto entre 1986 e 1995 e hoje é pastor evangélico.

"A Fila Vai Andar", que estará no novo álbum, "Caosmópolis", previsto para o segundo semestre, foi um bom aperitivo para a insana plateia ávida pelos clássicos. Ao lado de "Feira do Rato", do mais recente trabalho, "Direto do Fronte", é a cara do novo Golpe de Estado, que tem apenas Nelson Brito como integrante origina.

O público, no entanto, queria mesmo é a fileira de hits incansáveis. "Caso Sério" levou muitos às lágrimas, assim como o mais do que clássico "Noite de Balada", que fechou o show.

E clássicos eram o que não faltavam na manga do Golpe de Estado, já que eles executaram de forma magistral "Nem Polícia, Nem Bandido", "Terra de Ninguém", "Forçando a Barra" e "Olhos de Guerra".

Golpe de Estado (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Há quem diga que a banda já encerrou a sua fase de consolidação da formação atual. Isso é possível constatar na forma segura e serena da apresentação em São Bernardo, onde era visível a emoção e a estupefação dos músicos com a superlotação do local.

É uma banda que praticamente surfa em sua onda sem muitos perigos, o que é bom enquanto instituição do rock, mas ruim porque leva a uma eventual acomodação no futuro.

No momento, o quarteto saboreia o ótimo momento e não tira o pé do acelerador, até porque ainda precisa mostrar para os mais exigentes que está estabilizado e que terá estofo para assumir as novas canções do disco deste ano.

Com uma lista de músicas previsível por conta do pouco tempo de que teriam em São Bernardo, pouco mais de uma hora, é de se esperar que as apresentações futuras ganhem mais flexibilidade, com a inclusão de surpresas, e que tenham um pouco mais imprevisibilidade e improvisações, que sempre foram marcas registradas do Golpe de Estado.

Pelo nível de satisfação de público e músicos, não poderia ser melhor o nosso "último show de rock de todos os tempos".

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock