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Entre clichês e ousadia, Brave e Black Swell exploram sonoridades distintas

Combate Rock

14/03/2020 06h54

Marcelo Moreira

Quase 40 anos depois de seu surgimento e 30 de se auge artístico, o Manowar ainda segue relevante como influência em várias partes do mundo, e o Brasil é onde mais proliferam seguidores do metal épico e "tonitruante", como definiu certa vez um vocalista gaiato do rock nacional.

Curiosamente, uma outra vertente do som pesado brasileiro segue em alta tendo como influências bandas que se arriscam em temas científicos e conceitos filosóficos mais amplos.

Brave e Black Swell, duas bandas paulistas que estão divulgando seus novos trabalhos, demonstram coragem a abordagem de assuntos complexos ou datados, em doses de vitalidade que espantam as pessoas que se incomodam com as precariedades atuais do mercado fonográfico, ainda em cacos em todo o mundo.

O quarteto Brave, de Itu (SP), é veterano de 20 anos de estrada no metal tradicional e conseguiu prestígio no interior do Estado de São Paulo. "The Oracle" é apenas o terceiro disco do grupo, que enfiou os dois pés naquele metal épico que se tornou caricatural com o Manowar.

Como autênticos discípulos, os integrantes do Brave emulam quase tudo da banda norte-americana. Em alguns momentos, a inspiração se torna quase imitação, quando não uma cópia nacional – o vocalista Sidney Milano se esforça até não poder mais para repetir os maneirismos e cacoetes vocais de Eric Adams.

"Fazemos um metal tradicional sem firulas. Ponto. É o som que gostamos de ouvir e tocar, bem anos 80 mesmo", reforça Milano durante a audição para imprensa do novo disco, na casa Full House, em São Paulo, no final de fevereiro.

A convicção do que fazem é tão forte que as frequentes comparações inevitáveis com Manowar e até mesmo com Cirith Ungol e Manilla Road surgem a todo momento, o que chega a ser um orgulho para os músicos.

"Reverenciamos mesmo esse tipo de banda e temas epicos como as batalhas medievais. Para nós faz parte de um tipo de essência do metal, ou de um aspecto do heavy metal", diz o guitarrista Carlos Bertolazi, responsável por alguns solos muito interessantes no álbum, embora totalmente inspirados na pegada marcante de Ross the Boss, o guitarrista da fase áurea do Manowar.

No limite entre a reverência e a imitação, "The Oracle" cumpre o seu papel de resgatar o que a banda chama de "brutal power metal", englobando a grandiosidade sonora do metal épico com um conceito medieval que parece ter saído direto dos uadrinhos e dos filmes de Conan, o Bárbaro.

"No mundo antigo, a are divinatória era uma forma de comunicação com os deuses. Os guerreiros, antes das jornadas ou das batalhas épicas, recorriam às divindades port meio dos oráculos. São temas fascinantes", acredita Milano.

Na relação com os tempos atuais, o baixista Ricardo Carbonaro é mais direto ao abordar o conceito do álbum. "É uma alegoria que cabe perfeitamente em qualquer tempo. Usamos as batalhas épicas para reforçar a necessidade de lutar sempre, de se esforçar ao máximo, em todas as circunstâncias. É o que a maioria das pessoas, no mundo todo, faz todos os dias."

Em que pese o excesso de espadas, escudos e aço tilintando, "The Oracle" consegue superar as ideias datas e meio fora de moda com um instrumental enérgico e bem arranjado, mesmo que a produção simples não tenha favorecido os timbres de guitarra – em alguns momentos, a bateria suplanta o volume dos outros instrumentos.

Sidney Milano consegue bons resultados ao tentar escapar da armadilha de cantar em tons muito altos, por m ais que tenha recaídas à la Adams, do Manowar, e de forçar um pouco, em algumas passagens, uma rouquidão que soa forçada, como na balada "We Burn the Heart" – que tem arranjos de violão simples, mas funcionais.

"Wake the Fury" e "Fall to the Empire" são os destaques, muito pesadas e com uma sonoridade que tenta emular o metal oitentista, mas sem cair nos excessos de produção que caracterizaram as bandas do período.

Se a intenção era extrapolar a reverência e resgatar a música do Manowar, o objetivo foi atendido, até porque existe um público cativo pra esse tipo de som e para os temas abordados – afinal, Hammerfall, Emperor e muitas outras bandas do estilo continuam bebendo na mesma fonte e se dando bem na Europa.

Para os paulistanos da Black Swell, a pegada é outra e mais ousada. O EP "The Higgs Boson" busca um metal mais moderno em todos os sentidos. A influência aqui também é norte-americana, mas vai de Deftones e Soulfly a Lamb of God, Mastodon, Orange Goblin, entre outros, passando também pelo stoner metal.

Por enquanto, é um projeto do guitarrista Paulo Igna, que contou com alguns amigos estrelados: Marcello Pompeu (Korzus, vocal), Fabio Carito (baixo, ex-Shadowside e várias outras bandas) e Ricardo Confessori (bateria, Shaman e ex-Angra).

É uma grata surpresa ver Pompeu fora de sua zona de conforto, cantando mais limpo e rasgado, lembrando bastante Dee Snider (Twisted Sister) e Alice Cooper. As guitarras dominam todo o cenário, mas é Pompeu quem brilha em interpretações ótimas.

O EP conta com 4 faixas e aborda temas científicos, aspectos religiosos, história e ideias que passeiam pelo transcendental. As guitarras, bateria e baixo do disco foram gravadas no estúdio The Waves Music Place em São Bernardo do Campo (SP).

As letras foram compostas por Marcello Pompeu e o vocal gravado no Mr. Som estúdio- a mixagem e masterização foram realizadas por Ricardo Confessori.

Já a arte de "The Higgs Boson" foi desenhada pelo renomado artista João Duarte, que trabalha com nomes como Angra, Shaman, Alirio Netto e grandes bandas internacionais que aportam no Brasil todos os anos.

Em termos de conceito, o projeto mergulha fundo no rock/metal progressivo. São quatro músicas diferentes, mas encadeadas como se fosse uma suíte. Todas chamam "The Higgs Boson", mas acrescidas dos complementos "Parts 1, 2, 3 e 4", cada uma delas representando os quatro elementos básicos da vida – ar, terra, água e fogo.

A terceira parte é a melhor e mais pesada, com sua pegada stoner mais evidenciada. Pompeu mostra todo o seu talento e consegue encontrar o ponto certo entre o dramático e o furioso.

Bóson de Higgs é um importante conceito da física para explicar fenômenos cósmicos e também a origem do universo. Especificamente, é uma partícula elementar bosônica prevista pelo modelo padrão de partículas, teoricamente surgida logo após ao Big Bang.

Paulo Igna comenta que o projeto surgiu meio que de forma despretensiosa. "Eu e o Ricardo temos um amigo em comum. Gravei as guias do projeto e enviamos para ele fazer um orçamento para a produção, isso em 2016, pois bem, por motivos diversos particulares naquele momento não foi possível fazer o projeto."

O guitarrista retomou as atividades em 2018 e se surpreendeu quando Confessori se prontificou a gravar a bateria, pois ommaterial era bastante interessante. A chegada de Carito foi natural, já que é parceiro do baterista na banda solo deste.

"Era para ser um projeto de rock instrumental e as coisas foram acontecendo naturalmente. Resolvi fazer um teste de vocal para algumas partes somente e foi aí que o Ricardo disse que ficaria melhor as músicas com melodia e ele estava certo. Daí então entrei em contato com o Marcelo Pompeu para fazer as letras e o vocal", completou o guitarrista.

Pela qualidade do som produzido e pela ousadia nos temas e na abordagem do metal moderno, o Black Swell não pode ficar a restrito a apenas um EP.

Os músicos ainda estão decidindo como será possível seguir com o projeto, já que não estão previstos shows por conta das agendas lotadas de todos os integrantes. Seja como for, seria bastante interessante ver Marcello Pompeu nos palcos cantando limpo sem ser o costumeiro death metal do Korzus.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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