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Pete Townshend foi desleal com as memórias de Keith Moon e John Entwistle

Combate Rock

30/11/2019 07h02

Marcelo Moreira

A anedota: um repórter chega perto de John Bonham, baterista do Led Zeppelin, ao final de um show no Madison Square Garden, em Nova York, em 1973, e pergunta: "Como é ser o melhor baterista do planeta?" O genioso músico rebate na lata: "Sei lá, pergunte para o Keith Moon." Ninguém sabe se isso é verdade.

A realidade: o repórter Julio Maria, do jornal "O Estado de S. Paulo", entrevista Paul McCartney, por telefone, antes da última passagem do ex-beatle por São Paulo. A pergunta: "Qual seria a sua banda de rock dos sonhos? Quem a integraria?" Paul não titubeou: no baixo, escalaria John Entwistle.

Os integrantes do Who, que já morreram, integram muitas das listas de melhores músicos da bistória em seus instrumentos, frequentemente encabeçando-as. Estão presentes em uase todas as listas de bandas de rock dos sonhos. Então por que foram atacados por quem mais devera agradecê-los pelo que fizeram pela banda e pela música?

As manchetes foram sensacionalistas: em entrevista à revista Rolling Stone, Pete Townshend, o guitarrista e principal compositor do Who, disse que "agradecia a Deus" pelas mortes dos companheiros, já que isso possibilitou novas "possibilidades musicais" e expansão do repertório instrumental.

The Who em foto promocional da turnê norte-americana de 1975: da esq. para a dir., Keith Moon (bateria), Pete Townshend (guitarra), Roger Daltrey (vocais) e John Entwistle (baixo) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Pegou tão mal que ele teve de se explicar em uma longa nota publicada nas redes sociais onde, na verdade, pouco esclarecia. Disse que foi irônico, mas de ironia nda continha as suas declarações. O companheiro vivo de The Who, o vocalista Roger Daltrey, tratou de ficar em silêncio para não piorar as coisas.

É sabido que as relações entre os quatro músicos nunca foram bem resolvidas e que, no fundo, nunca foram amigos, apesar de se conhecerfem desde a adolescência.

Daltrey foi expulso da banda depois de agredir Keith Moon após uma discussão sobre comprometimento. O cantor odiava atrasos e e erros infantis no palco. Era baixinho, mas invocado e briguento. "Eu seria um delinuente das ruas se não me tornasse cantor", disse certa vez.

Punido de forma dura, acabou readmitido pelos companheiros após pedir perdão. Era o final de 1965 e o emprego era bom, sustentava a mulher e o filho recém-nascido.

Daltrey também socou Townshend no começo de 1973, durante um ensaio. Durante uma discussão sobre o álbum "Quadrophenia", em produção, o guitarrista estava bêbado e tentou golpear o companheiro com a guitarra. Estava furioso. Daltrey foi mais rápido e o atingiu no nariz. Townshend foi parar no hospital ao bater a cabeça na quina de um amplificador.

Havia animosidade também entre Townshend e Entwistle, apesar dso entrosamento musical. O baixista sempre se ressentiu da liderança do guitarrista, que dava pouco espaço às composições de Entwistle nos discos da banda

Townshend também não digeriu bem a morte do baixista, em junho de 2002, dois dias antes do começo da turnê norte-americana. Sóbro havia muito tempo, o guitarrista recriminava e se preocupava com excessos de bebidas e drogas do companheiro de banda. Ficou furioso quando soube que uma overdose de cocaína matou o baixista.

Tanto Daltrey como Townshend nunca foram muito efusivos ao falar dos amigos mortos. Sempre foram reverentes, mas evitavam ser laudatórios ou excessivamente emotivos. O cantor também não digeriu a morte do baterista, em setembro de 1978, após uma overdose de remédios para combater o alcoolismo.

Ainda que tenhmos esse histórico, é incompreensível que Townshend desdenhe musicalmente dos companheiros mortos, reconhecidamente músicos incríveis. Tipo da coisa desnecessária, uma polêmica vazia e vergonhosa, ainda mais pra um senhor de 74 anos e ídolo.

Ao ser questionado pelo jornalista da Rolling Stones se sentia saudades da época retratada em fotos antigas da banda, ele retrucou: "Isso não irá deixar nenhum fã do The Who muito feliz, mas graças a Deus eles estão mortos."

Ele continuo: "Porque era difícil pra caralho tocar com eles. Eles nunca, nunca conseguiram criar bandas por conta própria. Eu acho que a minha disciplina musical e minha eficiência musical como um ritmista seguraram a banda por tanto tempo."

Sobre Entwistle: "O som do baixo de John era como um órgão de Messiaen. Cada nota, cada harmônica no céu. Quando ele morreu e eu fiz os primeiros shows sem ele, com Pino Palladino no baixo, ele tocava sem todo esse lance… e eu pensei, 'Wow, agora eu tenho um trabalho'."

No dia seguinte, surgiu a tentativa de pedido de desculpas nas redes sociais (leia o post original aqui):

"Sei que muitos fãs de longa data do Who vão se magoar da forma como [a declaração] virou manchete. Posso só esperar que me conheçam bem o suficiente e saibam que eu falo a verdade o máximo que posso, mas também falo os dois lados [bom e ruim], e o positivo foi deixado de lado nas manchetes. Era frustrante tocar com músicos tão talentosos e idiossincráticos: "Jamais saberão quanto sinto falta do Keith e do John como pessoas, amigos e músicos. A alquimia que dividíamos no estúdio não está presente no novo disco, e sempre me parece errado tentar invocar isso sem eles, mas sempre ficaremos tentados a tentar. Até hoje estou bravo com eles por terem morrido. E isso vem à tona as vezes. É egoísta, mas é como me sinto."

Formação original do Who em 1965: da esq. para a dir., Roger Daltrey, Keith Moon, John Entwistle e Pete Townshend (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Frustrante é ler um monte de ressentimento a respeito de gente que morreu faz tempo. Mais do que falta de respeito, foi uma deslealdade. Se Pete era o cérebro e até o coração da banda, Moon era o motor e Entwistle, a estabilidade, assim como Daltrey era a alma.

O guitarrista foi desleal porque esqueceu que Moon e Entwistle pensaram seriamente, por alguns dias, em sair do Who e montar um supergrupo com os guitarristas Jeff Beck e Jimmy Page em 1967.

A ideia ocorreu durante as gravações do primeiro álbum de Jeff Beck Group. O quarteto gravou a música "Greensleeves" e chegaram a conversar, meio sem convicção, em foram a banda, com Entwistle e Beck nos vocais. Teria sido ali a origem do nome "Led Zeppelin". "Não vai dar certo", teria dito Keith Moon, cético e brincalhão. "As chances cde sucesso seriam as mesmas de um zepelim de chumbo ("lead zepellin") decolar

A vontade de sair diminuiu à época porque foram convencidos de que o Who tinha um grande futuro e porque Townshend era o músico certo para liderar a banda. Foram sensatos, mas tiveram de engolir certa arrogância e pedantismo de Townshend na imposição de suas canções. Não deixa de ser uma espécie de lealdade, certo.

The Who lança no começo de dezembro o novo álbum, "Who", após 13 anos longe dos estúdios. As três músicas até agora divulgadas são razoáveis e mostram o guitarrista retomando a velha forma e se mostrando antenado com sons mais modernos e temas mais espinhosos. Não era necessário polemizar de forma tão baixa para chamar a atenção.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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