Uma nação contra Lennon: os anos de ativismo do ex-beatle em Nova York
Marcelo Moreira
Uma nação contra um dos maiores ídolos da história do rock. Como foi possível que um ex-beatle conseguiu a atrair a ira de um governo de superpotência, a ponto de ser considerado um dos inimigos públicos dos Estados Unidos?
Essa é a história de "John Lennon em Nova York – Os Anos da Revolução", do jornalista James A. Michell, publicado no Brasil pela editora Valentina.
O tema é interessante e controverso, já que muita gente boa questiona se realmente John Lennon foi perseguido pelo governo de Richard Nixon por questões políticas ou se queria apenas ser favorecido (supostamente burlar a lei, no caso) para ter vantagens e conseguir um visto permanente de residência no país.
É interessante também porque joga luz a procedimentos institucionais ilegais e asquerosos que guardam muita semelhança com o momento político atual do Brasil.
Se um governo da maior democracia do planeta ousou quebrar regras e detgerminar uma perseguição político-ideológica contra um dos maiores artistas de todos os tempos, o que não faria com o restante de opositores, adversários e críticos?
Conciso e direto, o livro é curto, mas muito bem documentado e recheado de entrevistas. Mitchell prova não só que a motivação da tentativa de deportação d Lennon era política como os procedimentos ilegais de vigilância e busca de provas por parte do FBI, a polícia federal norte-americana.]
O foco principal do texto é o período entre 1971 e 1973, que compreende a chegada de Lennon para morar em Nova York e o momento de maior pressão do FBI e do Departamento de Imigração.
Meio desorientado após os fim dos Beatles, em abril de 1970, John Lennon e a segunda esposa, Yoko Ono, perambularam por Londres. O ex-beatle gravou dois álbuns, "Plastic Ono Band" e "Imagine", e decidiu apoiar a mulher na briga pela guarda da filha dela.
Kyoko Cox era filha de Yoko com Anthony Cox, seu segundo marido, que desde a separação mantinha a menina longe da ex-esposa. John e Yoko chegam aos Estados Unidos no início de 1971 para procurar Kyoko, então "sequestrada" por Cox – ambos ficaram meses desaparecidos.
Enquanto se estabelecia em Nova York, Lennon, no auge de sua atuação política em favor da paz, se ligou a vários líderes de esquerda e de movimentos civis considerados radicais, o que atraiu a atenção e a ira do governo Nixon, que encararia uma campanha eleitoral pela reeleição em 1972.
Paranoico e autoritário, Nixon e seus principais assessores e ministros viam conspirações por todo o lado e não suportavam qualquer tipo de crítica ou oposição – algo complicado em um momento em que a Guerra do Vietnã chegava a um impasse e matava cada vez mais.
Lennon, por sua vez, tinha de se dividir entre o ativismo político ao lado dos novos amigos, aguentar a perseguição e vigilância do FBI, as constantes viagens pelos Estados Unidos à procura de Kyoko, as investidas da Justiça e do Departamento de Imigração, que queriam deportá-lo, e a carreira musical ao lado da banda Elehpant's Memory. Era pressão demais para um astro munduial que tentava se reerguer.
Contado em formato de crônica e também de reportagem, o tema é fascinante porque mostra a tenacidade e a inteligência de Lennon pós-Beatles, um rapaz de 31 anos da classe trabalhadora que mostrava totis condições intelectuais para qualquer tipo de debate.
Mostra também a ingenuidade do britânico decente e de boa índole que é massacrado pelo sistema político norte-americano ao ser considerado um inimigo político. Ingenuidade essa que ficou mais explícita ao ser manipulado e usado por malucos e radicais que se diziam liderar o "Movimento", a juventude revolucionária que queria combater Nixon.
Enquanto tentava fazer música, engajou-se em vários eventos beneficentes de cunho político-panfletário. Mesmo com um bom advogado, esteve às raias de ser deportado por pelo menos quatro vezes até 1973, o que lhe causava pavor. Por conta disso, não podia sair dos Estados Unidos, pois corria o risco de não poder voltar.
O tema é fascinante e joga luz em um tema recorrente neste século XXI: como o autoritarismo de inspiração fascista, em várioos lugares do mundo, inclusive nos Estados Unidos e na Inglaterra, usa a lei e artifícios éticos questionáveis éticos, mas legais, para perseguir, vigiar, destroçar e neutralizar adversários e opositores.
A história mostra que Lennon venceu a batalha contra a deportação, saboreando inclusive a renúncia de Nixon, em 1974, em conseguência do caso Watergate (espionagem política de inimigos do governo). O visto de permanênca saiu em 1976.
No entanto, o custo para o músico foi alto: o afastamento do ativismo político, o distanciamento dos líderes radicais americanos, o fim da colaboração com a Elephant's Memory, o desânimo com fracasso em achar Kyoko e uma produção irregular de álbuns, que tiveram sucesso relativo – fopram eles "Some Time in New York City", "Wall and Bridges", "Rock'n'Roll" e "Mind Games". Ele odiaa saber que seus álbuns solo vendiam menos do que os trabalhos de Paul McCartney e George Harrison.
O pico de frustração e problemas foi a separação de Yoko, no começo de 1974, uma consequência de todos os problemas relatados. Foram 15 meses morando em Los Angeles, o que chamou de "fim de semana perdido": muito abuso de drogas e bebidas e um namoro sem entusiasmo com May Pang, então sua secretária.
Teve de reatar com Yoko, em 1975, para recolocar a vida nos trilhos, com direito a uma gravidez da esposa que gerou Sean Lennon.
Finalmente o período de Lennon como ativista político, no seu auge, ganhou um livro à altura e sem grandes ranços ideológicos – o autor não esconde que é beatlemaníano e admirador de Lennon, além de crítico pesado de governos conservadores, como o de Nixon. É um trabalho necessário que extrapola a simples literatura relacionada ao rock.
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