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A Inquisição está de volta: bandas de abertura na mira dos 'haters'

Combate Rock

15/08/2019 06h54

Marcelo Moreira

O anúncio de nova turnê do Metallica no Brasil, em 2020, provocou certo terremoto, como era de se esperar, e veio acompanhado de duas polêmicas: a abertura por conta do quarteto Greta Van Fleet, que tocou no Lollapalooza deste ano em São Paulo, e a escalação dos brasileiros do Ego Kill Talent para o início do que seria o minisfestival.

Com relação ao Greta Van Fleet, será mais do mesmo: a banda será novamente comparada ao Led Zeppelin e será chamada por muitos, ou pela maioria, de mera cópia da banda de Jimmy Page. Nada de novo, até porque a banda norte-americana copia descaradamente tudo nos dois EPs e no primeiro álbum autoral.

A divulgação da presença do Ego Kill Talent nos shows brasileiros levantou uma questão que parecia, de certa forma, meio adormecida. Por que essa banda aparece em vários festivais nacionais ou novamente abrindo para bandas internacionais de grande porte?

Diante dos tempos bolsonaros sombrios de ódio latente em todos os cantos da sociedade, o grupo brasileiro logo se viu enredado em acusações de ter pago pela "vaga" para abrir o minifestival com Metallica e Greta Van Fleet.

Ego Kill Talent (Foto: Divulgação)

Desde sempre, para os roqueiros/metaleiros raiz, true, originais, puros e guardiões das mais preciosas tradições do gênero, é um dos maiores crimes pagar para abrir shows grandes, ainda mais se quem paga tiver talento de menos, na opinião dessa galera zelosa.

Em quase todos os fóruns e redes sociais que tratam de rock no Brasil, houve ao menos uma menção à "compra da vaga", direta ou de forma velada. Muita gente ironizou gritando "Quem é Ego Kill Talent?".

Outros simplesmente partiram para a desqualificação pura e simples, sendo que alguns assumiram nunca ter ouvido nada do som da banda. E, quando se fala em ódio roqueiro neste assunto, sobrou até para o quarteto Doctor Pheabes, que está para gravar o seu primeiro DVD.

Só para situar, o Doctor Pheabes é um grupo que já existe há muito tempo, com três CDs autorais gravados com músicas de hard rock e heavy metal em inglês.

Seus integrantes, duas duplas de irmãos, são empresários do ramo de saúde, são donos de hospitais e operadoras de planos de saúde. Possuem recursos para usar os melhores estúdios no exterior e contar com renomados produtores.

Não bastasse isso, por conta da ligação com o rock, patrocinam grandes festivais no Brasil e suas empresas são as responsáveis pela infraestrutura de saúde desses eventos. E eles nunca negaram que, por conta disso, já tocaram em vários festivais, como o Rock in Rio.

E mais uma vez o Combate Rock pergunta: qual o crime cometido até agora? O que as duas bandas teriam feito de errado?

Doctor Pheabes é uma banda boa, sendo que seu novo trabalho, "Army of the Sun", é de boa qualidade, com algumas músicas legais. Dificilmente estará em alguma lista de melhores do ano de 2019, mas é um CD bastante agradável de ouvir e, ao vivo, é um grupo bom e competente.

Partindo do pressuposto de que não crime pagar para obter uma vaga para tocar em festivais, então não há nada de errado – e muito menos se os integrantes do grupo forem também patrocinadores do evento.

Moralmente é um absurdo que isso ocorra, como muita gente que adora aontar o dedo afirma nas redes sociais? Partindo de outro pressuposto, o de quem organiza e banca o evento tem o direito de contratar quem quiser, então tudo isso é conversa mole, não passando de uma enorme imbecilidade.

Doctor Pheabes ao vivo na Audio, em maio de 2019 (FOTO: DOCTOR PHEABES/FACEBOOK/INSTAGRAM)

É o mesmo raciocínio tosco de quem reclama que o Sepultura tocou em todos os Rock in Rio brasileiros, exceto o de 1985. Podemos até questionar a questão da curadoria – será que não existe ninguém mais além do Sepultura? -, mas afirmar que isso é crime, que está errado?

No caso do Ego Kill Talent, não há informações de que tenham pago a quem quer que seja para abrir para Metallica e Greta Van Fleet.

Não temos informações de que a banda, que é de muito boa qualidade e tem entre seus integrantes Jean Dolabella, ex-baterista do Sepultura, tenha pago para abrir shows grandes no passado ou para participar de festivais.

Se, por um acaso, tais situações forem confirmadas, a pergunta mais importante continua valento: e daí? O que tem de errado nisso? Qual é o crime?

Tontos de vários matizes logo vão sacar do coldre as velhas frases feitas: mas isso é injusto, onde está o mérito? "O talento deveria prevalecer".

Da mesma forma que o futebol é injusto. Afinal, Palmeiras e Flamengo têm os melhores jogadores porque têm mais dinheiro, assim como o Real Madrid e o Barcelona têm dinheiro para contratar Neymar ou Cristiano Ronaldo ou quem quer que seja, enquando o Espanyol e o Getafe, pobrezinhos, não têm dinheiro algum.

Não se tem notícia de que esses dois times pequenos tenham choramingado contra essa "injustiça". Se o fizeram, ninguém deu a mínima, como tinha de ser.

O fato é que não é crime algum pagar para abrir shows ou participar de festivais. Isso sempre ocorreu no mundo e não consta que alguém tenha reclamando de forma efusiva contra isso em algum lugar.

Isso é bonito? A resposta é irrelevante. Bandas influentes, com empresários competentes e/ou ricos, têm mais chance de obter visibilidade. Aliado a talento e alguns outros fatores, podem evoluir a tal ponto que, um dia, talvez dispensem a influência e/ou o dinheiro investido para participar de eventos.

Portanto, parabéns ao Ego Kill Talent, que vai abrir para o Metallica e para o Greta Van Fleet. Assim como o Doctor Pheabes, o Armored Dawn, o Angra, o Noturnall e Edu Falaschi, o grupo é muito profissional e fazem um trabalho de qualidade, independente do nível financeiro ou de competência envolvidos.

Muitas bandas maravilhosas jamais verão a luz do sucesso, assim como milhões de craques da várzea, reconhecidamente talentosos e gênios, jamais ultrapassarão os limites do bairro (e do barro), pois jamais serão descobertos e jamais terão uma oportunidade – ou, se tiverem, é muito possível que a desperdicem, seja qual for o motivo.

A vida é assim, gostemos ou não. Só resta então aplaudir a oportunidade conseguida pelo Ego Kill Talent, torcer para que façam um show, xingar o Greta Van Fleet da pista e curtir mais um megaevento com o Metallica.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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