Sons da resistência: Escombro, Surra, Subalternos, Dead Fish...
Marcelo Moreira
A letargia está sumindo, ainda que lentamente. Depois de um tsunami de más notícias desde que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assimiu, em janeiro, os roqueiros começam a se mexer e a bradar contra os retrocessos político-socais em curso no país.
Desde a campanha eleitoral do ano passado, quando Bolsonaro assumiu o protagonismo que o levou à Presidência da República, artistas de MPB e do rap tomaram à frente entre os artistas no que podemos chamar de "combate" a um conservadorismo pernicioso que se vislumbrava à época.
Os piores temores se concretizaram com o poder nas mãos de Bolsonaro, com ataques inacreditáveis à cultura, à educação e às artes, além do desmonte da ciência e políticas sociais reconhecidas internacionalmente, tudo isso inspirado por ideias obscurantistas e medievais – e, mais preocupante ainda, inspiradas em pressupostos fascistas, para não falar da nefasta influência do fundamentalismo evangélico.
No meio roqueiro, especificamente, surpreendeu (até certo ponto) a extrema cisão entre as duas visões políticas que predominam – a esquerda que denuncia o golpe contra Dilma Rousseff mas que defende políticas progressivas e a extrema-direita conservadora medieval.
Mais ainda, surpreendeu que uma quantidade enorme de roqueiros e fãs de heavy metal se mostrassem conservadores o suficiente para apoiar um candidato que é autoritário, reacionário e pouco afeito aos preceitos democráticos.
Como pode um apreciador de rock e heavy metal votar e defender alguém que nutre pouquíssima simpatia pela liberdade de expressão?
Os ideais históricos do rock e do metal, gêneros musicais que já sofreram censura e perseguião em vários locais do mundo ao lungo da história, pregam exatamente o contrário: liberdade de expressão, de opinião, de imprensa, artística e cultural. Quase sempre o rock é do contra, é oposição.
Como é possível apoiar alguém que, em última instância, vai lutar contra você e te combater de todas as formas? Alguém que pretende restringir e tutelar as atividades artísticas e culturais? Alguém que, em caso extremo, pode atender a pedidos de religiosos radicais que pedem o banimento de bandas "satanistas", como o Slayer, por exemplo, que tocará no Brasil neste ano?
Neste cenário diferente e inédito para o meio cultural brasileiro, as banda de rock, ainda que sejam do undeground, começam a se manifestar contra os ataques e os retrocessos.
O quarteto paulistano Escombro faz valer e vive pelo lema que eles mesmo criaram há anos, "Hardcore Por um Mundo mais Digno".
É uma das bandas mais atuantes neste ano entre aquelas que fazem músicas de protesto. A coisa ficou mais quente depois do episódio de "censura" durante um show em Brasília, no começo de junho deste ano.
A banda foi alvo de repreensão e abordagem truculenta por parte de policiais militares durante um show em que a PM, de forma geral, foi criticada em música.
O Escombro não perdeu tempo e rapidamente lançou o single "O Peso de Sobreviver". O single, disponível nas principais plataformas de streaming, pode ser conferido aqui: https://spoti.fi/2X0lA97
A nova música marca a estreia do Escombro na Seven Eight Life, o mais tradicional selo de hardcore do Brasil e com forte representatividade na América do Sul. Um novo EP está previsto ainda para esse ano.
"O Peso de Sobreviver", como sugere o nome, é tanto uma música pesada em termos de som, com guitarras metalizadas que destilam riffs furiosos, como carrega um enorme fardo que é fazer parte da resistência contra a censura, contra a onda crescente do racismo e segregação.
A faixa traz a raiva e a total indignação contra a perseguição, em todos os sentidos, a quem discorda do "pensamento oficial" e a quem defende "pautas progressistas de esquerda".
"Ficou mais pesado pela raiva que passamos ali no ocorrido", conta o vocalista Jota, que no dia 8 de junho foi detido e levado para uma delegacia da polícia militar em Brasília, enquanto se apresentava no União Underground Fest.
A repressão aconteceu durante a execução de "S.O.P. (Sistema Padrão Operacional)", música do primeiro álbum – Maldita Herança (2017) – com participação de Henrique Fogaça, renomado chefe de cozinha e vocalista da banda Oitão.
No discurso introdutório, Jota faz críticas à instituição policial. Dois policiais tentaram parar o evento e prender o vocalista, que foi conduzido à delegacia.
"A letra não é direcionada à PM. É também para outros agentes da sociedade. Alguns se sentem agora mais protegidos e respaldados por políticos no poder com discurso de ódio, e estão saindo do armário. A música é uma crítica a todas estas pessoas racistas, preconceituosas, que querem a volta da censura e da opressão a artistas, negros, pobres", desabafa Jota.
Jota, em nome do Escombro, dá o recado. "Não vamos nos acovardar. Episódios como esse só fomentam nosso inconformismo, alimentam a revolta, nossa e de muita gente, seja no hardcore ou em outros movimentos. Vamos sempre questionar e bater de frente."
Os também paulistas do Surra não alivia o quesito engajamento e protesto, como está explícito no novo trabalho do grupoo, "Escorrendo Pelo Ralo", uma pancadaria sonora de 30 minutos passando por 17 músicas.
Não é original nem surpreendente, mas o Surra chama a atenção pela mistura furiosa de hardcore e metal extremo, tudo tenmperado com protesto político e engajamento.
"Nosso som tem essa pegada oitentista, de urgência, de barulho, de inquietação. Não tem como mascarar, nossas influências vão de Ratos do Porão a Kreator, passando por D.R.I. e até G.B.H.", diz o guitarrista Léo.
O Surra aposta no volume e execução reta como uma serra elétrica. O baixo se transforma em guitarra base com distorção e volume no máximo, em performances que deixariam os Ratos de Porão orgulhosos.
Em tempos sombrios de política polarizada, desmonte de programas sociais e políticas públicas suprimidas, o undeground se mostra sintonizado com a realidade, algo que não estamos vendo em relação a bandas mais famosas e com púbico maior. E o hardcore não está aliviando, para nossa sorte.
Os Subalternos, outra banda paulista, também vai para cima quando se trata de engajamento político, na melhor tradição da música de protesto e de inspiração esquerdista.
Prestes a embarcar para uma série de shows na Inglaterra, com direito a participação no maior festival punk do mundo, em Liverpool, os Subalternos estão divugando um lançamento.
Com arte assinada pelo Paulo Rocker, apresentamos a capa do EP "No Borders". O disco, no formato vinil 7″, conta com as faixas "Backing Down" e "Bring the Bastards Down", das bandas inglesas Drongos for Europe e Resistance 77, respectivamente, além de "Caminhos" e "Mídias Sociais", das brasileiras Subalternos e Fibonattis.
Se alguém ainda questiona sobre a relevância e a conveniência de ser punk em pleno século XXI, as duas bandas brasileiras se encarregam de dirimir qualquer dúvida, principalmente os Subalternos, que não aliviam na mensagem por justiça social e defesa intransigente dos direitos humanos.
Na mesma linha vai a banda Dead Fish, originária do Espírito Santo. Com o laçamento de "Ponto Cego", o novo álbum, o trio praticamente faz uma declaração de guerra. "O punk rock tem um lado", diz o vocalista Rodrigo Lima, em recente entrevista ao "UOL Entretenimento".
No álbum, o grupo vai para cima e chama Bolsonaro de demagogo. "Senti urgência no cenário político e social do Brasil para fazer letras mais diretas e contestadoras, num momento em que o rock tem perdido o papel crítico de suas origens."
O single "Sangue nas Mãos" já tinha mostrado que o Dead Fish vinha fumegando, com críticas à orientação político-ideológica do atual governo.
"A gente vive uma distopia. Por que abrir para um diálogo com alguém que não vai querer debater? Eu acho que você vai ficar chovendo no molhado. Não quer dizer que as pessoas não podem mudar de opinião. Mas é por isso que esses tempos de pós-verdade funcionam bem. Cada um tem suas máximas e quer ganhar seus likes. Nós temos uma postura desde que começamos. E preciso mostrar, dentro da minha postura, o que eu penso e o que vejo que está posto aí", disse o vocalista, de 46 anos.
É inútil ficar especulando se as bandas de rock estão acordando na hora certa ou hora errada para fazer uma contraposição ao conservadorismo medieval que avança em nossa sociedade. É bom que estejam acordando e que mostrem criatividade, energia e potência para equilibrar a disputa. Nunca o som da resistência foi tção necesspario quanto agora.
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