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Última noite do Abril Pro Rock é marcada por protestos e vaias contra Bolsonaro

Maurício Gaia

21/04/2019 11h49

Por Wilfred Gadelha* – Especial para o Combate Rock

Aos que acreditam no poder confrontador da música, em especial as vertentes mais pesadas, a noite do Sábado de Aleluia na capital pernambucana foi uma celebração ao que há de mais sagrado desde que Tony Iommi inventou o heavy metal: a liberdade. Em tempos obscuros como os nossos atuais, a rebeldia e a afronta aos poderes e preconceitos constituídos deram seu ar da graça na tradicional data reservada aos camisas pretas do festival Abril Pro Rock,. O Baile Perfumado, casa de shows no Prado, Zona Oeste do Recife, se transformou em um grande caldeirão de revolta. E o alvo da raiva não poderia ser outro: a onda de conservadorismo que assola o país, traduzido na figura patética do presidente Jair Bolsonaro, o Judas que todo mundo malhou com satisfação.

Se na Sexta-Feira da Paixão, as vozes femininas se elevaram, em especial nas apresentações da banda russa Pussy Riot e da carioca Letrux, na noite deste sábado 20 a contestação não foi diferente. A máxima de que "metaleiro é reaça", bem em voga nos últimos tempos pelo posicionamento – ou pela falta dele – de parte de fãs e artistas foi por água abaixo. Praticamente todas as bandas mandaram um "recadinho" ao presidente. Umas de forma mais explícita, como na performance de Farsa, sucesso local da banda Câmbio Negro HC, que foi entoada pelo seu ex-vocalista Pesado, aos berros de "Bolsonaro é o caralho" – sobrou também para o machismo, a homofobia e o white metal. Ou nas entrelinhas, como o fez John Connely, vocalista do Nuclear Assault (EUA), que lembrou a plateia a necessidade de identificar os fascistas verdadeiros.

Manger Cadavre (Foto: Pei Fon/ Rock Meeting)

E teve mais: a plateia urrou excitada quando a baixista do Eskröta, Tamy Leopoldo, inaugurou os "elogios" ao presidente, logo após mandar um "Marielle, presente!". Em tempo: Mônica Benício, ativista e viúva da vereadora carioca executada em 2018, em uma trama que respinga sangue e lama nas paredes do Palácio do Planalto, esteve presente ao festival na sexta-feira. Os paulistas do Manger Cadavre? denunciaram a prisão política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, rasgaram um cartaz com a foto de Bolsonaro entoaram um "Lula livre", acompanhados por milhares de camisas pretas. "Com fascista não se dialoga. Fascista se esmaga", disse a  cantora Nata de Lima. O frontman do The Mist, Vladimir Korg, exibiu uma faixa com o título da música Hate e questionou os presentes: "Vocês sabem o que move o mundo, né? O ódio". Por outro lado, o quarteto paulista Desalmado profetizou: "Bolsonaro vai terminar como Mussolini: morto nos braços do povo". E teve faixa "Foda-se Bolsonaro" e bandeira do MST no show do Ratos de Porão.

Mesmo que seja possível – e eu acho que não é – dissociar música de política, o som que ecoou na noite chuvosa deste sábado agradou. O Abril Pro Rock escolheu atrações mais extremas. Então, não teve tempo pra choro nem vela: foi porrada sem descanso para os ouvidos. O pau cantou nas rodas de pogo. O Exorcismo, banda pernambucana de thrash metal, foi a primeira da noite, com seu som calcado em Kreator, Vio-Lence e outros nomes do estilo. Apesar do pouco tempo, foram bem e também soltaram suas farpas, em especial para o que o vocal Denis Andrade chamou de "jornalismo chapa-branca". Na sequência, foi a vez de Pesado e sua banda formada por uma espécie de dream team do hardcore pernambucano. Acompanhado do seu companheiro dos tempos de Câmbio Negro, o guitarrista Pedrito, o cantor não mediu as palavras e iniciou seu show com um "Vai tomar no cu, seu Armando", em referência ao áudio que viralizou durante as chuvas torrenciais que atingiram o Rio nas últimas semanas.

Eskröta e Flageladör – ah, esses tremas… – fizeram apresentações muito boas, com seu som sujo e violento. Na apresentação da primeira, cuja linha de frente é formada por mulheres, chegamos a ouvir a plateia cantando "Escuta, machista, a América Latina será toda feminina". Num show de metal. Que coisa linda.

O The Mist voltou aos palcos após décadas parado. Comemorando 30 anos do álbum Phantasmagoria, fez um show calcado neste e no segundo disco, The Hangman Tree. Tendo o guitarrista galalau Jairo Guedz, o cara que ensinou a Max e Igor Cavalera como montar uma banda, os caras se mostraram tensos no início, mas o show foi melhorando e Korg não parava de elogiar a plateia. Mandaram ver em músicas como Flying Saucers in the Sky, Like a Bad Song, Scarecrow, Peter Pan Against the World, The Hangman Tree, Step into the Dark e a obra-prima The Enemy que, mesmo com um problema na guitarra, chegou a emocionar os mais velhos – eu incluído.

No palco menor, Desalmado, Manger Cadavre? e Sanctifier destilaram doses cavalares de death metal, cada uma à sua maneira. A primeira ostentou um som denso, carregado de breakdowns e citações às coisas mais experimentais do Napalm Death. A segunda caminhou numa linha mais tradicional, com d-beats à la death metal sueco. E os potiguares, uma lenda do estilo no Nordeste, estrearam seu novo vocalista, Jefson Souza, ex-Torment the Skies. Com sua sonoridade lovecraftiana, tocaram músicas de todas as fases da carreira que começou lá em 1989.

Nuclear Assault (Foto: Pei Fon/ Rock Meeting)

Falando dos headliners, o Nuclear Assault se apresentou pela primeira vez no Recife. A figura gigantesca do baixista Dan Lilker, uma instituição do heavy metal mundial, se avolumava no palco. Eles tiveram alguns problemas técnicos, principalmente na guitarra de John Connely, que só melhorou no solo de Sin, já da metade pro fim do show. Na bateria, Nick Barker parecia meio perdido algumas vezes – a exemplo de um show que eu vi deles em Baltimore (EUA), em 2016. Reclamando do calor e fazendo questão de comentar cada gole de vinho ou cerveja que dava, Connely é um frontman divertido. Atrapalhou-se várias vezes com seus óculos e seu "teleprompter" – uma pasta com as letras que insistia em não ficar na página certa. Por outro lado, se os cabelos de John não são os mesmos, a voz continua igual; Integrantes do Eskröta apareceram no palco várias vezes para cantar, como em Critical Mass, por exemplo. Em tempo 2: surgiu uma pequena polêmica entre os círculos underground locais a respeito da letra da canção Lesbians, de 1986. No hotel onde eles estavam, eu conversei rapidamente com Connely e Lilker e eles disseram que a letra é uma ironia. "A galera não entendeu o que queríamos dizer". Sigamos.

João Gordo, do Ratos de Porão (Foto: Pei Fon/ Rock Meeting)

Fechando o evento, o Ratos de Porão entrou com os dois pés. O pano de fundo com a belíssima e clássica capa do disco Brasil, outro que virou balzaquiano em 2019, dava a dimensão de como este álbum ainda é atual. E João Gordo fez questão de salientar isso várias vezes nesse show especial, em que Brasil é tocado de cabo a rabo. Em Plano Furado 2, ele tirou o nome de Sarney e colocou o de Bolsonaro. Em Farsa Nacionalista, a plateia mesmo entoou o coro "Ei, Bolsonaro, vai tomar no cu". Em Máquina Militar, o vocalista parou e disse: "Quem não quiser entender, que se foda". Aliás, esse disco é, em minha opinião, o melhor da música pesada brasileira. Gordo, Jão, Boka e Juninho aproveitaram também para comemorar os 25 anos de Just Another Crime…in Massacreland, um álbum do auge da fase metal do RDP. Dele, sacaram Diet Paranoia e Bad Trip. Também sobrou tempo para outros clássicos, como Morrer e Crucificados pelo Sistema.

Em resumo: há uma luz no fim do túnel. O metal não é reaça por definição. (claro, há otário em todo lugar) Quem esteve ontem à noite no Recife teve a chance de ver que há muita gente incomodada com esse rótulo e também com a presença de fascistas, bolsomínions e crentes no meio. E o melhor: reagindo à altura.

* Wilfred Gadêlha é jornalista, escritor e roteirista. Autor do livro Pesado – Origem e Consolidação do Metal em Pernambuco e roteirista do documentário "Pesado – Que Som É Esse Que Vem de Pernambuco?"

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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