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Limitar a Lei Rouanet é um caminho sem volta para o desastre

Combate Rock

11/04/2019 12h00

Marcelo Moreira

Para completar o quadro tenebroso do futuro da cultura e do conhecimento no Brasil, eis que uma figura sem suspeitas faz um alerta para um novo ataque à Lei Rouanet, que regulamenta e disciplina incentivos e renúncias ficais para investimentos em eventos culturais.

Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura do Estado de São Paulo e ex-ministro da Cultura do péssimo governo Michel Temer, afirma que a intenção do presidente Jair Bolsonaro de limitar a no máximo R$ 1 milhão os valores a serem requisitados dentro da Lei Rouanet pode inviabilizar a realização de turnês musicais, de peças de teatro, de mostras de artes plásticas e até a fechar museus públicos e privados.

Leitão é insuspeito porque é secretário de João Doria (SP). governador paulista que sempre demonstrou pouco apreço pela cultura e que tinha a intenção de cortar R$ 148 milhões do orçamento da pasta de Cultura, o que afetaria a continuidade do Projeto Guri, importantíssimo para o aprendizado gratuito de música de estudantes carentes, além de manutenção de museus e equipamentos públicos.

Aparentemente, o governador, diante da má repercussão das medidas, recuou e pretende ao menos rever os cortes. Afirmou que o Projeto Guri não será afetado e que outras medidas serão estudadas para que nenhum museu ou casa de cultura encerre as atividades.

Em declaração o jornal "Folha de S. Paulo", o secretário estadual de Cultura espera que o presidente reveja a sua intenção de mudar o teto de captação da Lei Rouanet. "Caso isso se mantenha, será um desastre para o meio cultural, com o fechamento de museus e a interrupção da vinda de mostras importantes de artes plásticas, teatro e mesmo importantes turnês musicais."

Mano Sinistra ao vivo no Sesc Belenzinho (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Se um executivo público vinculado a governos conservadores, que notoriamente são pouco amigos das áreas de cultura e entretenimento, faz um diagnóstico desses, é porque a medida realmente causará um desastre sem proporções na cultura.

Leitão até deixa transparecer que o governo Bolsonaro desconhece o funcionamento do mecanismo de captação de recuros da Lei Rouanet – na verdade, diante do amontoado de trapalhadas e declarações esdrúxulas sobre o tema, é de se supor que ninguém saiba o que está fazendo ou tenha ideia do que seja a tal lei de incentivos

Em outra frente de batalha, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) está procurando os governadores de cada Estado para obter apoio para impedir cortes de verbas e repasses no chamado Sistema S, que reúne entidades como Sesc, Senac, Sesi e Senai.

Essas entidades são importantíssimas para o fomento da cultura e apoio a eventos diversos de lazer e entretenimento, além, é claro, de representar um nicho de excelência no ensino técnico e na capacitação profissional.

Demonstrando viés ideológico e desconhecimento da importância da atividade cultural do Sistema S, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não perdeu uma oportunidade sequer desde o ano passado, após a eleição presidencial, de atacar a gestão do sistema.

"Aquilo é uma caixa-preta, ninguém sabe como os gastos são feitos e ninguém presta contas a ninguém", afirmou o ministro certa vez em uma palestra na Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).

Sob aplausos de  vários empresários desinformados, Guedes disse ter a intenção de cortar em até 50% os repasses de dinheiro público às instituições, o que inviabilizaria toda a parte cultural e esportiva promovida pelo Sistema S.

"Há claramente um desvio de finalidade. O Sistema S tem de se preocupar com o ensino profissionalizante e mais nada", criticou o ministro, que demonstra preocupante falta de informação sobre como funcionam os Sescs, por exemplo.

Na verdade, Guedes apenas replica a ideia torta disseminada pelo bolsonarismo de que a cultura e as artes estão infestadas de "comunistas" e que podem ser um foco frequente de oposição ao seu projeto obscurantista de governo para as áreas de cultura e educação.

Para a CNC, os cortes de verbas e repasses serão catastróficos porque causarão desemprego e redução drástica de ofertas de eventos culturais, de lazer e até de ensino.

Cálculos iniciais dão conta de que se houver uma redução de 30% nas contribuições o impacto nos orçamentos do Sistema S será de R$ 1 bilhão, no mínimo.

Isso significaria, em tese, 20 mil alunos a menos, com o fechamento de 140 escolas do Senac e 64 do Sesc. Na área da saúde, seriam 700 mil atendimentos a menos em um prazo de um ano; no caso da assistência social, seriam 400 mil atendimentos a menos.

Infelizmente não há nenhuma mobilização para evitar esses danos à cultura, exceto em alguns planos setoriais. Emudecida e paralisada, a sociedade brasileira parece não ligar para esse projeto de desmonte na esfera federal e também na estadual.

O que deveria ser um escândalo e merecer uma série de protestos não passou, por enquanto, de uma mera passeata no último final de semana em São Paulo, reunindo menos gente do que deveria.

São poucos os artistas de renome, em todas as áreas, que estão se levantando contra os furiosos ataques orçamentários contra a cultura. Não bastam alguns artistas xingarem Bolsonaro nos palcos do Lollapalooza Brasil.

Bayana System no palco do SESC Pompéia (Foto: Debora Oliveira)

Os protestos precisam ser constantes, e envolvendo nomes cada vez mais importantes e famosos. É legal ver uma artista emergindo do underground como Letrux se posicionar politicamente contra o governo conservador, mas isso é muito pouco.

É preciso que o rock se levante e solte o grito mais alto e mais contundente contra os desmanches. Foi importante ver o carnaval coalhado de mensagens políticas contra o conservadorismo, mas acabou e o mundo do samba está em compasso de espera.

É preciso que mais artistas de televisão e cantores importantes da MPB mantenham o assunto em alta em entrevistas e espetáculos. O viés político pode ser mantido, mas o foco agora é direto: evitar a todo custo uma redução do investimento público na cultura e no Sistema S.

Cada vez mais espezinhados e xingados, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, por exemplo, se tornaram uma espécie de porta-vozes de um movimento que precisa emergir das trevas e exigir que a cultura seja tratada de forma decente e tenha a sua importância cada vez mais realçada. Portanto, senhores gigantes das artes, não esmoreçam nos protestos. Agora é a hora de lutar e resistir.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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