The Mist comemora 30 anos do álbum 'Phantasmagoria' com volta aos palcos
Wilfred Gadêlha* – especial para o Combate Rock
Há 30 anos, o metal brasileiro vivia uma de suas fases mais ricas. A Cogumelo, gravadora mineira que mostrou o Sepultura ao mundo, desovava material novo quase todo mês: Sarcófago, Chakal, Mutilator, WitchHammer, Sextrash, Holocausto, Psychic Possessor. Um oásis pesado no meio do cerrado.
Naquele 1989, enquanto o Sepultura despontava no cenário gringo com seu primeiro disco pela Roadrunner, "Beneath the Remains", um outro disco em especial chamava a atenção por sair um pouco da curva no que diz respeito à qualidade das letras: "Phantasmagoria", do The Mist, que juntava remanescentes do Mayhem (não confundir com a lenda do black metal norueguês) com o ex-vocalista do Chakal, Vladimir Korg.
O cantor já havia se destacado por escrever de uma maneira mais introspectiva, fazendo analogias e metáforas entre a condição humana e fatos do dia a dia, no primeiro disco da sua antiga banda, "Abominable Anno Domini" (1987).
Dois anos depois, saía o segundo disco do The Mist, com Jairo Guedz na guitarra – um dos fundadores do Sepultura e antecessor de Andreas Kisser na então banda dos irmãos Max e Igor Cavalera. "The Hangman Tree" marcou época no cenário nacional como uma ópera-thrash, com referências a ícones da cultura pop, como O Mágico de Oz e Peter Pan.
Corta a cena: de lá pra cá, Korg deixou o The Mist, voltou ao Chakal, juntou-se a Paulo Xisto (Sepultura), André Márcio e Allan Wallace (Eminence) e criou o The Unabomber Files, saiu do Chakal de novo e anunciou o retorno do The Mist.
A priori, The Mist ressurge com Korg, Guedz, o batera original Cristiano Salles e o novo baixista, Wesley Ribeiro (ex-Drowned e Hammurabi, também no Hell's Punch). A ideia é cair na estrada. A banda vai reestrear em grande estilo, em 20 de abril, no Abril Pro Rock 2019, no Recife. E o que virá pela frente, só o tempo dirá.
Conversamos com Korg e ele explica que estava querendo voltar o The Mist já há algum tempo. "Eu comecei a conversar com o Cello Dias (Marcello Dias, baixista original e ex-Soulfly, atualmente tocando nos Estados Unidos com o OneSideZero) via WhatsApp e começamos a nos ligar e falar por horas. Queria ver se ainda tínhamos uma ligação musical e pedi para ele escrever algumas coisas. Eu estava querendo fazer alguma coisa e colocar minha voz em forma de novo", conta o vocalista. "Comecei a ensaiar sozinho em casa. Berrando madrugada a dentro e vi que a textura que minha voz tinha tomado estava perfeita para cantar as velhas músicas do The Mist."
O próximo passo foi contatar Salles e, na sequência, Guedz, que passou por The Southern Blacklist, Overdose, Eminence e até Metallica Cover Brazil. Como Cello Dias se mantém nos EUA, eles recrutaram Ribeiro. "Começamos a ensaiar e nos reconectamos. Achamos um baixista que coube com uma luva e vimos que estávamos com um som honesto de novo para os nossos fãs. Aqui estamos."
O The Mist ainda não fala em novo trabalho – depois da saída de Korg e Cello, eles ainda soltaram dois discos, com Cassiano Gobbet no baixo e vocal. O lance agora é palco. "Estamos com a tour. Pensando nela. Queremos estar com os pés no agora. Material novo seria colocar o carro adiante dos bois. Temos que amadurecer, reencontrar nossos fãs e ver se temos condições de sermos relevantes o bastante para produzirmos alguma coisa", adianta o vocalista.
Ex-balconista da Cogumelo – reza a lenda que foi o vocalista quem mostrou os moleques imberbes do Sepultura ao João e Pati, os donos da loja que virou gravadora -, Korg fala como vê o heavy metal nos dias de hoje, chamando a atenção para os movimentos à la montanha-russa que o estilo segue de tempos em tempos.
"Parece uma onda que ora está num topo incrível e ora está num marasmo chato. Nenhum álbum empolgante o bastante, shows vazios, ninguém propondo nada. De repente você ouve bandas desconhecidas com álbuns incríveis, a Nervosa tocando nos principais festivais do mundo e aí a coisa esquenta de novo", diz ele, emendando: "E o show do Judas Priest (BH, novembro de 2018) emocionando todo mundo. Cara, o metal apronta com todo mundo. Por mais que as coisas pareçam perdidas e sem graça vem um cara cantando em falsete 'Screaming for Vengeance' e te levanta de novo. Aí você vê, um cara com quase a minha idade de vida de carreira nos palcos convocando todo mundo de novo. O metal, eu espero que seja forte neste ano de 2019 porque mais do que nunca precisamos dele".
Nervosa
Por falar em Nervosa, a presença feminina em gigs e na cena como um todo é um fator que empolga o vocalista do The Mist. "Eu tenho muita admiração pelas garotas do metal. Esse empoderamento é que está ditando o novo no metal. E eu quero que elas botem pra fuder mesmo. Eu tenho muito orgulho dessas meninas. Acho que elas estarem detonando e os olhares dos fãs não levarem mais em conta o cabelinho sedoso e a cor da pele e sim a honestidade de sua música é um amadurecimento da escuta do metal brasileiro e com certeza popularizará mais ainda o estilo", afirma ele, apontando os holofotes sobre a velha pecha de o metal ser racista, misógino e homofóbico.
"Preto, eu sempre fui. O Chakal era 3/4 de negros ou ainda é, sei lá. Eu vejo um bando de tolos chamando o outro de preto achando que estão se tornando mais brancos por causa disso. Dá dó. A maioria são brancos do cu preto, com medinho de ir a praia e ficarem 'moreninhos' e serem discriminados quando forem comer lixo na Europa. Um bando de pau no cu."
Trinta anos depois do primeiro disco do The Mist, Korg acredita que as suas letras ainda fazem sentido. "Essas metáforas estão ainda aí. Foram coisas que senti e escrevi. O Espantalho do Mágico de Oz, que busca um cérebro, busca a racionalização das coisas. O corpo do espantalho como o corpo em frangalhos que é o que seremos, e o Peter Pan como a alma que jamais quer envelhecer, lutando contra o desencantamento da vida", discorre.
Merda
Sobre o momento atual do País, cuja divisão ideológica se reflete no metal, Korg afirma que se sente triste. "É uma merda, não é? Porque por mais que você se posicione na direita ou na esquerda, você está triste. Não adianta você estar certo na sua escolha se você se sente sozinho, porque também não adianta você ser da maioria, você estará se sentindo sozinho nesse momento porque deveríamos estar todos juntos. E isso não vai acontecer. Independente de partido, sempre fomos a escória, sempre comemos restos e sempre com um olhar de esperança almejando uma mudança revolucionária que iria nos colocar num lugar mais digno", lamenta o vocalista.
Ele continua: "Passei minha vida vendo gente morrendo de fome, professores mendigando porcentagens de migalhas pra ensinarem melhor os nossos filhos, pessoas morrendo na fila de hospitais, minorias sendo massacradas no dia a dia pelo simples fato de serem iguais a nós mas com particularidades e desejos que para outros os tornam abomináveis. Sempre foi essa merda. Às vezes menos, às vezes mais, mas sempre foi isso. A nossa única saída é sermos tristes. Porque hoje a única coisa que nos une é a tristeza."
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