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'Beggar's Banquet', o disco que salvou os Stones, faz 50 anos

Combate Rock

10/12/2018 06h44

Marcelo Moreira

O blues e o álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" salvaram a carreira dos Rolling Stones, e nos deram aquele que está sempre na lista dos melhores discos de todos os tempos e o maior do quinteto britânico: "Beggar's Banquet", que foi lançado há 50 anos.

Se 1967 foi um ano de ouro para o rock e para os Beatles, foi ruim para os Stones, que praticamente não subiram aos palcos, entraram pouco no estúdio para gravar e teve a sua linha de frente – o cantor Mick Jagger e os guitarristas Keith Richards e Brian Jones – presos ou envolvidos com a Justiça inglesa.

O período conturbado se refletiu no irregular álbum "Their Satanic Majesties Request", gravado às pressas e lançado no final de 1967. Ficou claro que, a despeito de algumas boas ideias e canções, teve como conceito uma "resposta" à obra-prima "Sgt. Pepper's", dos Beatles. Não deu certo. Ficou parecendo uma cópia de qualidade inferior.

O fiasco foi decisivo para que a banda tomasse a decisão mais importante de sua carreira no começo do ano seguinte: voltar ao blues e às raízes.

Capa censurada de 'Beggar's Banquet'

A segunda decisão mais importante viria dois meses depois: isolar e depois demitir Jones, que estava se transformando um estorvo por conta do abuso de álcool e drogas. Não compunha e aparecia cada vez menos nas sessões de gravação.

O afastamento definitivo da banda que criara viria em junho de 1968, quando seu substituto, Mick Taylor, da banda de John Mayall, já trabalhava nas gravações do que viria ser "Beggar's Banquet", no final daquele ano.

E Taylor revelou-se o cara certo para duelar com Richards e solar nas belas canções que viriam a ser compostas. Havia muito blues, muito country e muito folk americano, em uma coleção de canções que representou o resgate dos Rolling Stones após o mergulho lisérgico e psicodélico no álbum anterior.

Os Beatles apostavam cada vez mais na ousadia e na psicodelia? O Who, o Cream e Jimi Hendrix caíam cada vez mais no rock pesado? Então os Stones contra-atacariam com o blues e o rock'n'roll furioso.

E nada representa mais a fúria e a rebeldia do que "Street Fighting Man", um dos hinos de todos os tempos do rock. "O que mais pode fazer um garoto pobre a não ser cantar em uma banda de rock?", bradava Mick Jagger conclamando à revolução?

Isso para não falar da abertura, que é uma verdadeira declaração de guerra e de intenções: "Sympathy for the Devil", com suas inserções de samba e batucadas tipicamente brasileiras, cortesia das viagens de Jagger e Richards ao Brasil naquele período.

E o que dizer da épica "Salth of the Earth", com o dueto Jagger e Richards, que seria uma prévia da não menos épica e grandiosa "You Can't Always Get What You Want", que surgiria no álbum "Let It Bleed", de 1969?

O blues rock safado e sacana de "Stray Cat Blues" é um dos pontos altos, em contraponto com as belas "No Expectations" e "Factory Girl", além da urgente "Jigsaw Puzzle".

Há divergências sobre qual seria o melhor disco da banda e qual seria o mais importante. O melhor talvez seja "Exile on Main Street", de 1972, mas certamente o cinquentenário "Beggar's Banquet" é o mais importante.

Nova capa do álbum. Essa foi a arte das edições posteriores de 'Beggar's Banquet', inclusive vendida no Brasil

'Sgt. Pepper's" salva a carreira dos Stones

Os Rolling Stones foram sábios em não tentar bater de frente com os Beatles e tentar competir de igual para igual, especialmente na época de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band".

Os integrantes das duas bandas eram bons amigos desde 1963 e frequentavam as casas de uns e outros, e a turma de Mick Jagger preferiu não participar da batalha intelectual entre Liverpool e Califórnia – os Beach Boys eram os maiores rivais artísticos dos Beatles.

Em público, Stones e Beatles estimulavam a rivalidade entre os fãs, mas nos bastidores combinavam as datas de lançamentos de compactos (singles) para que não houvesse uma concorrência predatória.

Hoje desbocados e desdenhosos a respeito dos então concorrentes, Mick Jagger e Keith Richards eram reverentes a John Lennon e Paul McCartney na época.

A dupla cerebral dos Beatles ofereceu uma música aos Stones depois que a estreia deles em compacto, uma versão do rock americano "Come On", não decolou.

"I Wanna Be Your Man" era só um esboço de canção quando Lennon McCartney foram visitar os Stones no estúdio, no centro de Londres, em meados de 1963. O clima era de marasmo total, com falta de ideias e a busca incessante de versões de blues americanos para o próximo compacto.

A conversa acabou amenizando o clima e Lennon desatou a falar sobre a turnê inglesa que fizeram naquele ano. Quando iam embora, Jagger brincou: "Vocês vieram, tomaram o nosso chá e comeram nossos biscoitos. Será que não têm uma música aí no bolso para nos ajudar?"

A surpresa veio com a resposta de McCartney: "Temos sim, mas ainda não está pronta. Vamos dá-la a vocês, certo, John?", perguntou ao companheiro, que concordou. "Ligamos nesta semana e mandamos."

Não se passaram 20 minutos e Lennon e McCartney voltaram ao estúdio, no meio de uma tentativa de solo de Richards. "Esqueceram algo?", perguntou Jagger. "Não, terminamos a música no elevador."

"I Wanna Be Your Man" se tornou o cartão de visitas de verdade dos Stones para a Inglaterra, com bom desempenho nas paradas. A música também foi incluída no segundo LP dos Beatles, "With the Beatles", cantada por Ringo Starr.

Quatro anos depois, a amizade estava cada vez mais estreita. Era comum ver Jagger, Richards e Brian Jones nos estúdios de Abbey Road durante a gravação de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band".

Nem mesmo um desabafo de John Lennon em 1966 azedou a amizade. "Tudo o que nós fazemos os Stones copiam seis meses depois". Ele se referia à cítara da música "Paint It Black", que Jagger e Jones decidiram incluir após ouvir "Norwegian Wood", faixa do álbum "Rubber Soul", lançado seis meses antes.

Fascinados com o resultado de "Sgt. Peppers", os Stones não se importaram em passar recibo e decidiram que iriam gravar o seu próprio "Sgt. Peppers" assim que o álbum dos Beatles chegou às lojas.

Sem qualquer planejamento, foram para o estúdio e mergulharam fundo na psicodelia e nas invencionices para produzir o esquisito "Their Satanic Majesties Request", lançado em dezembro de 1967 (capa no começo do texto).

Caótico, desconjuntado e sem foco, o álbum fracassou nas paradas e foi duramente criticado. Ficou claro que era uma tentativa de copiar o álbum dos Beatles, mas sem imaginação e com canções infinitamente mais fracas.

Os próprios Stones declararam anos depois que aquele foi um grande erro na carreira, mas que foi necessário para recolocar a banda nos trilhos, de volta ao blues e ao rock visceral, sem se preocupar em ombrear os rivais. Foi a maior decisão que eles tomaram em sua carreira.

O resultado foi uma quadra de ouro, de tirar o fôlego: "Beggar's Banquet" (1968), "Let It Bleed" (1969), "Sticky Fingers" (1971) e o álbum duplo "Exile on Main Street" (1972), os melhores trabalhos dos Rolling Stones. Não consta que até hoje Jagger e Richards tenham agradecido a McCartney pelo empurrãozinho.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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