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Fogo no museu queima a dignidade nacional e acelera a nossa morte diária

Combate Rock

03/09/2018 19h33

Marcelo Moreira

Museu Nacional pega fogo no Rio de Janeiro (FOTO: TANIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL)

A instituição cultural mais importante e simbólica do Brasil pega fogo e fica destruída. Nas redes sociais, dejetos humanos saem dos bueiros para vomitar dizendo que "museu não gera lucro nenhum, e só custo, desperdício de dinheiro público – e que é bom zerar a 'história esquerdista' e começar tudo do zero".

No mesmo dia, um jornal de uma cidade grande do interior do país faz uma enquete perguntando se teatro e música deveriam ser ensinados nas escolas, nos ensinos fundamental e médio, tanto públicos como privados. O resultado é assustador: 87% disseram não, 13% disseram sim.

É óbvio que os dois fatos estão relacionados, e o incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, apenas escancarou as trevas em que estamos mergulhados: a televisão e a redes sociais nos deixaram "burros, muito burros demais", parodiando a velha canção dos Titãs.

A boçalidade tomou conta do nosso cotidiano e não temos para onde correr. O incêndio no museu queimou quase todo o cérebro e a inteligência de parte expressiva da população, aquela que acha que direitos humanos existem apenas para proteger bandido, aquela que acha que museu é desperdício de dinheiro público e todo artista é vagabundo.

Um professor universitário de ciências sociais e ciências políticas, ex-jornalista dos bons, mostrou seu desencanto ao ler nas redes sociais gente bradando sobre a "inutilidade dos museus" e que "história é apenas uma maneira de empurrar doutrinação esquerdista, que não tem função econômica".

Deve ser o mesmo tipo de gente que acha que professor não tem de reclamar de nada, que não passa de um vagabundo desordeiro quando faz greve por um mísero reajuste ou para ter direito ao próprio salário, que frequentemente atrasa, como no caso do Estado do Rio de Janeiro.

É essa gente que empesteia as escolas com sua burrice e indigência intelectual ao incutir tais barbaridades na cabeça dos filhos, que reproduzem esse lixo nas salas de aulas e o usa para intimidar os docentes.

A destruição do Museu Nacional é um sintoma claro de uma crise de valores que vem correndo a sociedade há pelo menos 20 anos e que foi potencializada pela internet. Cultura virou sinônimo de doutrinação à esquerda e arte se tornou palavrão, coisa de vagabundo.

O Ministério da Cultura vive sendo ameaçado de extinção e isso parece não incomodar. Tivemos apenas gritos esparsos e protestos isolados diante das tentativas do governo Michel Temer de atacar a pasta.

E a enquete realizada pelo jornal Correio Popular, em Campinas? Cidade rica, a apenas 100 quilômetro da maior cidade da América do Sul e uma das cinco maiores do mundo… cidade do interior que já foi referência cultural fora das capitais.

É esse mundo que está sendo transformado em uma cidadela do atraso, onde o retrocesso e a perda direitos dão o tom e a linha. Pais e autoridades rechaçam a cultura e as artes, demonizam museus e peças de teatro, desprezam a leitura e o ensino. Crucificam a educação e o pensamento. Encabeçam uma cruzada letal contra a inteligência.

Não estamos muito longe de um ataque certeiro contra as liberdades de expressão, opinião, de imprensa e artística.

Não se engane: nesta sociedade dominada por uma ética deturpada e desprovida de inteligência, e movida a sertanojos, funks asquerosos e pagodes perniciosos, o rock está na mira , assim como qualquer manifestação musical que vá contra os "ditames" politicamente autoritários  e as crenças religiosas medievais.

A cultura não morreu neste domingo com o incêndio do Museu Nacional. A cultura morre todos os dias, a cada ataque disparado contra a sua suposta "inutilidade e falta de função econômica"; a cada corte no orçamento que fecha teatros, orquestras sinfônicas, que compromete a realização de festivais de música, que retira dinheiro da saúde e da educação.

Com a cultura constantemente ferida de morte, estamos morrendo, lentamente, todos os dias.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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