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Viajando nas ondas do blues de Paulo Meyer - parte 2

Combate Rock

05/08/2018 07h07

Eugênio Martins Júnior – do blog Mannish Blog

Paulo Meyer e banda (FOTO: DIVULGAÇÃO)

EM – Você está na cena há quarenta anos. Me fale o que é melhor e o que é pior entre a cena atual e daquela época. 
PM – O que acho melhor hoje é que há uma qualidade técnica indiscutível entre os melhores músicos brasileiros de blues. Tem gaitistas que eu nem conheço que tocam maravilhosamente bem. Há músicos brasileiros tocando blues nos Estados Unidos e no mundo todo, como o Igor Prado, Artur Menezes, Celso Salim, a gaitista Sarah Messias, além de André Christovam, Big Gilson e Nuno Mindelis que já tocam fora do Brasil há muito tempo. E existe uma nova geração que tem excepcional domínio técnico de seus instrumentos e isso é muito bom. Creio que o pior hoje, comparando com a década de 90, é que não existe mais uma geração de fãs de blues. Eu era um deles que levavam seu amor por esse estilo de música a um nível quase místico. Para essas pessoas o blues era sagrado e cada show de blues era uma celebração, na qual o som do blues era o que nos unia.

O que havia de pior antigamente na cena do blues? Havia para as bandas a enorme dificuldade de registrar o trabalho musical, com imagens boas e nítidas e som de boa qualidade. Era difícil conseguir equipamento profissional e o que existia de equipamento amador era muito ruim nas apresentações ao vivo. E também as demos, que eram as fitas cassete, produzidas e usadas pelas bandas para tentar tocar em lugares melhores, que tinham que ser entregues "em mãos", eram uma desgraça. A sonoridade da minha banda Expresso 2222 só pode ser conhecida nas duas faixas do CD Blue Night Collection, da Gravadora Roadrunner, porque foram produzidas em estúdio.

Quase todo o material daqueles anos ficou registrado em fitas cassete que não existem mais ou em apresentações em programas de TV que eram de boa qualidade, mas ficavam ficavam uma desgraça quando gravadas nos de vídeo-cassete daquela época. Isso nos anos 90, antes ainda, nas décadas de 70 e 80, nada sobrou de registro do som que a gente fazia na época.
E o que havia de melhor naquela época? A atmosfera de loucura e empolgação nos shows de blues em bares como o Pour Quois Pas, Blue Note, Café Piu-Piu e nos shows maiores para nós, o Centro Cultural São Paulo, por exemplo. Alguns deles em ruas e praças, feiras culturais como as da Vila Madalena e da Pompéia. E outros que para nós eram sempre megaeventos, hoje os shows são eventualmente maiores ainda, mas eu considero o público de hoje um tanto frio, se for para comparar com a loucura dos eventos do anos 90 e do Festival Internacional de Blues de Ribeirão Preto em 1989.

Outra coisa que aconteceu em 1985 foi o show do Buddy Guy e do Junior Wells no 150 Nightclub do hotel Maksoud Plaza. Quem trouxe foi o Cesar Castanho e foi isso que o possibilitou fazer os festivais de blues. Fui a esse show do Buddy Guy com minha mulher que estava grávida de nove meses, nosso primeiro filho nasceu dois dias depois – ficamos na mesa do meu amigo jornalista Luiz Fernando Vitral, que se empolgou bastante e resolveu fazer um programa de blues na Rádio Brasil 2000. Esse programa foi muito importante para a cena do blues em São Paulo, no final dos anos 80, começo da década de 90.

Meu amigo adotou o nome de Brother Bill para fazer o programa de rádio e todo mundo que gostava de blues ouvia o programa do Brother Bill. Foi através da amizade com o Brother Bill que fiquei sabendo da existência do bar Jazz & Blues em Santo André, onde o André Cristovam já tocava há algum tempo com a sua banda, a Fickle Pickle. Creio que foi nesse bar que a cena do blues começou pra valer, no final dos anos 80. Fui lá com o Brother Bill e vi o show do André Cristovam, o Brother Bill me apresentou ao André e toquei gaita em uma música. Fui ficando cada vez com mais vontade de tocar blues pra valer. O que aconteceu logo a seguir quando conheci, também através do meu amigo Brother Bill, o Nuno Mindelis e toquei com ele como gaitista em alguns shows, meus primeiros como músico profissional. E logo a seguir, isso em 1990/91, comecei a tocar blues com a minha banda, a Expresso 2222.

EM – Você é fã de Bob Dylan, um dos compositores norte americanos mais respeitados do mundo. Aqui no Brasil existe um achincalhamento do Chico Buarque, Caetano e outros, como um artista mais experiente que passou pela ditadura vê isso?
PM – Essa é a pergunta mais instigante e inteligente que poderia ser feita a um grande fã de Bob Dylan que também acompanhou a carreira musical de Chico Buarque e Caetano Veloso, durante a ditadura militar e no tempo da redemocratização. Eu traço claros paralelos entre as carreiras de Bob Dylan e Chico Buarque e de Bob Dylan e Caetano Veloso, coisa que faço há décadas e vou tentar fazer de maneira sucinta na resposta a esta pergunta que tem uma imensa profundidade de significados. Tal como Bob Dylan, que veio antes em ambos os casos, Chico Buarque é um fantástico contador de histórias: "Para ver a banda passar cantando coisas de amor" tem imagens claras e líricas invocadas e reproduzidas no inconsciente de cada um que ouve a música Mr. Tambourine Man do Dylan) e Mr. Bojangles – que não é de Dylan.

Dylan também é mais claro ainda que Chico Buarque na "defesa dos fracos e oprimidos e na denúncia da opressão e dos opressores", quando conta as histórias do índio bêbado Ira Hayes e do boxeador negro Hurricane, injustamente condenado à prisão. E também quando escreve e canta a música Masters of War, que é a maior denúncia que pode existir do sistema que nos mastiga, tritura e cospe fora. Engole e defeca continuamente nossas almas e nossas vidas. Blowin' In The Wind virou um hino contra todas as guerras como nenhuma outra música produzida no século 20. E, da mesma forma que Bob Dylan faz, Chico Buarque usa e abusa das poéticas e sublimes expressões idiomáticas que estão na boca do povo: "o que será que será?", "the times, they are a-changin' ".

Já entre Caetano e Dylan existe o incrível paralelo da ruptura na carreira que o uso da guitarra elétrica trouxe: o que aconteceu com Dylan no Festival Folk de Newport em 1965, onde Bob Dylan foi hostilizado e vaiado por boa parte do público, por ter tocado plugado, eletrificado e ALTO, com a Butterfield Blues Band. A aconteceu o mesmo com o Caetano quando ele apresentou Alegria, Alegria no Festival de Música da TV Record, em 1967, com a guitarra elétrica de Tony Osanah. Tanto Caetano como Dylan tinham o status de "representantes da esquerda" no cenário musical. Caetano fazia musicas que a "juventude tradicional anti-ditadura" que gostava do CPC, aprovava. E de repente passa a usar guitarra elétrica, símbolo do imperialismo cultural ianque.

Bob Dylan era considerado um cantor e compositor de músicas de protesto cultuadas por pessoas politizadas de uma geração em tempos difíceis e, subitamente, se vendeu à guitarra elétrica, identificada como ligada a interesses comerciais. Na minha carreira musical pessoal, sempre contei a história do blues que veio dos escravos negros no sul dos Estados Unidos e utilizou instrumentos da música européia, violão, piano, instrumentos de sopro, e também criou a "blue note" que é uma justaposição das escalas musicais africana e ocidental. Imagino que se eu for contar hoje a história do blues como sempre fiz, dando crédito aos escravos negros no sul dos EUA, é possível que ouça gritos de "B… 2018! Ou apropriação cultural.

Considero isso uma desgraça, eu achava que o blues era uma forma de superar preconceitos raciais e culturais, pois pessoas de qualquer raça amavam e amam ainda hoje o blues. Mas nestes tempos de divisão e radicalismo tudo mudou, recentemente já fui até acusado de entoar hinos imperialistas por cantar músicas dos Rolling Stones ou sei lá de quem mais, quando tudo o que eu queria era paz e amor e superação de preconceitos de qualquer espécie. Os tempos seguem sendo cada vez mais difíceis, e eu sigo sendo cada vez mais um admirador da arte de Caetano Veloso e de Chico Buarque e principalmente Bob Dylan, e também sigo sendo cada vez mais fiel na minha admiração pelo autêntico blues em todas as suas múltiplas formas, inclusive no Brasil. The blues is alright.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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