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Boicote de Roger Waters a Israel chega ao futebol

Combate Rock

09/06/2018 07h02

Marcelo Moreira

O Brasil sempre teve a admiração de Roger Waters, ex- baixista do Pink Floyd. Ardoroso torcedor do Arsenal, considerava os brasileiros artistas da bola e sempre teve simpatia perla seleção amarela. Pois essa admiração será trocada na Copa da Rússia.

A Argentina, ao cancelar o amistoso com Israel por questões políticas – vários jogadores do time pediram o cancelamento por não concordar com o tratamento violento dispensado aos palestinos -, ganhou o coração do roqueiro engajado que é declaradamente inimigo de Israel e do que chama de sua política "genocida e discriminatória".

Roger Waters tem uma tenacidade e uma perseverança dignas de serem admiradas. Levou o Pink Floyd à frente várias vezes em momentos críticos e próximos da desintegração e consolidou a sua posição de um dos roqueiros mais politizados da história. Sempre fez questão de ressaltar o viés pacifista em sua obra solo e na banda, pendendo para a esquerda.

Se ele não teve atuação destacada contra o apartheid na África do Sul, nos anos 80 – estava envolvido totalmente na batalha judicial para acabar com o Pink Floyd e evitar que David Gilmour (guitarra e vocais) e Nick Mason (bateria) tomassem conta do nome e fossem adiante -, entrou de cabeça em campanhas de defesa do povo palestino nos conflitos contra os israelenses, ao lado da atriz inglesa Vanessa Redgrave.

Radical, tornou-se um intransigente crítico de qualquer governo israelense e desde os anos 90 prega um boicote cultural e esportivo total ao Estado judeu.

Não foram poucas as intervenções que fez junto a artistas ingleses e europeus solicitando que cancelassem apresentações em Israel. Às vezes convencia, às vezes era solenemente ignorado.

Steven Wilson, líder do Porcupine Tree (banda de metal progressivo inglesa), foi um dos alvos, já que frequentemente se apresenta em Israel por conta de ligações e projetos com artistas locais. Chegou mesmo a morar em Tel-Aviv por um tempo. Foi outro que ignorou os apelos de Waters. "O poder da música é muito superior ao da política e do ódio", declarou Wilson certa vez.

Roger Waters (FOTO: DIUVLGAÇÃO/FACEBOOK)

E aí chegamos ao cerne da questão: até que ponto é salutar e saudável misturar política com esporte ou com música? Até que ponto os posicionamentos políticos devam influenciar decisões onde o que deveria predominar é o entretenimento e a união, como todas as federações esportivas fazem questão de ressaltar em seus estatutos?

Não existe uma resposta fácil e nem posicionamentows definitivos. Quando os Estados Unidos e aliados ocidentais boicotaram a Olimpíada de Moscou, em 1980, todo mundo perdeu – esportistas, pacifistas, amantes da paz. A então União Soviética tinha invadido o Afeganistão meses antes, desencadeando os protestos em todo o mundo.

Quatro anos depois, veio o troco, com os países comunistas aliados da União Soviética acompanhando-a no boitcote aos jogos de Los Angeles.

As duas iniciativas foram infrutíferas politicamente e desastrosas esportivamente. Ninguéem ganhou com isso.

Em 1982, Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte anunciaram que poderiam boicotar a Copa da Espanha por causa da participação da Argentina, uma consequência da Guerra das Malvinas, que tinha terminado semanas antes.

A FIFA imediatamente deixou Suécia, Dinamarca e Portugal de sobreaviso, o que dissuadiu os reclamões. Ou seja, a FIFA acertou nessa e deu o recado claro: no futebol não há espaço para esse tipo de boicote.

Há que compare as situações de Israel atualmente e a da África do Sul nos anos 70 e 80 – este país sofreu sanções pesadas de todos os lados por conta da política absurda e nojeta do apartheid, a discriminação racial oficial por parte do Estado, com os negros sendo tratados como cidadãos de segunda classe.

Não vejo como fazer comparações, já que o apartheid era uma política execrada unanimemente no mundo inteiro, com a África do Sul banida de todos os esportes.

É o caso de Israel? Não, ainda não, mas algumas posturas e comportamentos do seguidos governos israelenses empurram a questão para algo próximo do apartheid, já que há uma evidente desprporção de forças empregadas na repressão das revoltas palestinas.

Israel é uma nação cercada por inimigos? Sim, mas isso não é gratuito, a julgar pelas guerras entre israelenses e árabes do século passado.

Israel é um país invasor? Muitos julgam que sim quando mencionam os empreendimentos sionistas de antes da Segunda Guerra Mundial e, após esta, das guerrilhas de grupos judeus contra os ingleses, administradores da Palestina, e da progressiva expulsão das populações árabes que viviam no local desde o século XV, pelo menos.

O fato é que Israel é uma nação em permanente beligerância com todos os vizinhos e montou um formidável aparato militar para proteger o seu território.

Tratar os palestinos como inimigos imediatos e próximos é uma política de Estado que independe do partido que governa o país. E o tratamento desumano dispensado às paupérrimas populações palestinas em Gaza e Cisjordânia é a face mais próxima e visível dos insensíveis governos israelenses, provocando, de forma justificável, a ira do mundo.

O episódio do cancelamento do amistoso entre Argentina e Israel é lamentável por perpetuar a política beligerante entre defensores de palestinos e apoiadores dos judeus – para quem a defesa de Israel perante tudo justifica tudo, até mesmo os ataques a populações indefesas.

O boicote reforça a divisão e aprofunda o fosso. Os dois lados negam o diálogo sempre alegando que a outra parte é radical e ataca primeiro.

Como não há consenso internacional sobre a questão palestina, Israel ainda não sofre com as sanções outra aplicadas corretamente contra a África do Sul, quem membro das Nações Unidas era nos anos 70.

O cancelamento do jogo contra a Argentina e as constantes campanhas de Roger Waters podem ajudar a iniciar um periodo de isolamento internacional de Israel, ao menos nos campos da cultura e do esporte?

Muito improvável, praticamente impossível. O país participa de de competições esportivas de todos os esportes e dos Jogos Olímpicos. Nada mudará, deixando claro que o boicote não passou de um tentativa canhestra e vergonhosa de politizar o futebol

Por fim, são sábias as palavras do guitarrista inglês Steven Wilson, ex-líder do Porcupine Tree (banda de metal progressivo inglesa), alvo recente de Roger Waters – Wilson frequentemente se apresenta em Israel por conta de ligações e projetos com artistas locais, chegando a morar em Tel-Aviv por um tempo.

Ignorando a retórica de boicote artístico de Waters, foi certeiro ao rejeitar abandonar os shows em israel: "O poder da música é muito superior ao da política e do ódio".

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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