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Bloco de carnaval DOPS: incitar crime não é liberdade de expressão

Combate Rock

08/02/2018 07h00

Marcelo Moreira

Reprodução da capa da edição brasileira do livro "liberdade de Expressão: Dez Princípios para Um Mundo Interligado", de Timothy Garton Ash

O estudo da história, em todos os sentidos, costuma ser deliberadamente ignorada de tempos em tempos de acordo com as conveniências políticas do momento. Quando se juntam a ignorância deliberada da história com a má fé, frequentemente temos banditismo, disseminação do ódio e incitação ao crime.

A polarização política do Brasil, temperado pelo baixo nível intelectual em todos os níveis de debate, resgatou do limbo uma direita xucra, hidrófoba e desinformada, incapaz de dialogar e de respeitar direitos civis e humanos.

Só isso é capaz de explicar os motivos da existência de um bloco de carnaval paulistano que faz apologia à tortura e louva assassinos travestidos de policiais e oficiais do Exército. E o mais assustador é que uma juíza permitiu a existência de tal bloco.

Não se trata aqui de liberdade de expressão. Incitar crime colide com qualquer noção de liberdade de expressão e opinião. E o bloco faz apologia de tortura e assassinatos políticos. Não pode e não deveria existir, mas existe e com amparo de uma decisão judicial inacreditável, que beira o absurdo.

Bandas brasileiras de rock, nos últimos tempos, têm sido pródigas em produzir músicas e álbuns com olhar preciso e refinado sobre fatos históricos importantes da história brasileira, mas infelizmente uma parte expressiva dos fãs de rock e metal prefere ignorar tais informações e ensinamentos.

O Torture Squad, de São Paulo, por exemplo, fez uma ampla pesquisa histórica para compor o ótimo CD "Esquadrão de Tortura", de 2013, ainda com o guitarrista e vocalista André Evaristo. É um trabalho de fôlego, com boas letras e conteúdo forte, onde não há dúvidas sobre o aspecto criminoso e totalitário do regime militar brasileiro.

No ano passado, a grande banda Dorsal Atlântica lançou "Canudos", extraordinário álbum que usa como pano de fundo o conflito histórico no sertão da Bahia, entre 1896 e 1897, para fazer analogias com a situação política e social de 2017, alertando para o perigo da supremacia do ódio e da valorização dos preconceitos – em suma, coisas que ameaçam a democracia e os direitos humanos. Infelizmente, são poucos os roqueiros que estão prestando a atenção neste estado de coisas e participando dos debates essenciais para a evolução a uma sociedade menso desigual.

Semear o ódio, fazer a apologia da tortura e de assassinos e incitar o crime nada têm a ver com liberdade de expressão. São crimes e precisam ser tratados como tal. A existência de um bloco de Carnaval que exalta assassinos do regime militar é tão nojento e abjeto quando uma banda punk ou de metal elogiar o nazismo – e que é igualmente crime.

Eu costumo dizer que a liberdade de expressão – incluídas aí as de opinião e de imprensa – são muito mais importantes do que a própria vida, pois uma vida sem liberdade, ou com restrições a ela, não pode ser chamada de vida. Sem liberdade de expressão não existe vida nem democracia.

Especialistas em ciências sociais, como Leonardo Sakamoto, jornalista e blogueiro deste UOL, argumentam que a liberdade de expressão não é absoluta, assim como não existem direitos absolutos. Essa postura é um perigo, pois relativiza um bem que é maior do que própria vida e costuma dar munição para quem despreza as liberdades civis.

"Como calar o ódio" é um trabalho muito interessante realizado pelo UOL TAB nesta semana, com texto, fotos, gráficos e vídeos tentando entender como chegamos a tal polarização e como o ódio cresceu exponencialmente em nossa sociedade nos últimso anos. Clique aqui para ler esse importante trabalho.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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