Bloco de carnaval DOPS: incitar crime não é liberdade de expressão
Marcelo Moreira
O estudo da história, em todos os sentidos, costuma ser deliberadamente ignorada de tempos em tempos de acordo com as conveniências políticas do momento. Quando se juntam a ignorância deliberada da história com a má fé, frequentemente temos banditismo, disseminação do ódio e incitação ao crime.
A polarização política do Brasil, temperado pelo baixo nível intelectual em todos os níveis de debate, resgatou do limbo uma direita xucra, hidrófoba e desinformada, incapaz de dialogar e de respeitar direitos civis e humanos.
Só isso é capaz de explicar os motivos da existência de um bloco de carnaval paulistano que faz apologia à tortura e louva assassinos travestidos de policiais e oficiais do Exército. E o mais assustador é que uma juíza permitiu a existência de tal bloco.
Não se trata aqui de liberdade de expressão. Incitar crime colide com qualquer noção de liberdade de expressão e opinião. E o bloco faz apologia de tortura e assassinatos políticos. Não pode e não deveria existir, mas existe e com amparo de uma decisão judicial inacreditável, que beira o absurdo.
Bandas brasileiras de rock, nos últimos tempos, têm sido pródigas em produzir músicas e álbuns com olhar preciso e refinado sobre fatos históricos importantes da história brasileira, mas infelizmente uma parte expressiva dos fãs de rock e metal prefere ignorar tais informações e ensinamentos.
O Torture Squad, de São Paulo, por exemplo, fez uma ampla pesquisa histórica para compor o ótimo CD "Esquadrão de Tortura", de 2013, ainda com o guitarrista e vocalista André Evaristo. É um trabalho de fôlego, com boas letras e conteúdo forte, onde não há dúvidas sobre o aspecto criminoso e totalitário do regime militar brasileiro.
No ano passado, a grande banda Dorsal Atlântica lançou "Canudos", extraordinário álbum que usa como pano de fundo o conflito histórico no sertão da Bahia, entre 1896 e 1897, para fazer analogias com a situação política e social de 2017, alertando para o perigo da supremacia do ódio e da valorização dos preconceitos – em suma, coisas que ameaçam a democracia e os direitos humanos. Infelizmente, são poucos os roqueiros que estão prestando a atenção neste estado de coisas e participando dos debates essenciais para a evolução a uma sociedade menso desigual.
Semear o ódio, fazer a apologia da tortura e de assassinos e incitar o crime nada têm a ver com liberdade de expressão. São crimes e precisam ser tratados como tal. A existência de um bloco de Carnaval que exalta assassinos do regime militar é tão nojento e abjeto quando uma banda punk ou de metal elogiar o nazismo – e que é igualmente crime.
Eu costumo dizer que a liberdade de expressão – incluídas aí as de opinião e de imprensa – são muito mais importantes do que a própria vida, pois uma vida sem liberdade, ou com restrições a ela, não pode ser chamada de vida. Sem liberdade de expressão não existe vida nem democracia.
Especialistas em ciências sociais, como Leonardo Sakamoto, jornalista e blogueiro deste UOL, argumentam que a liberdade de expressão não é absoluta, assim como não existem direitos absolutos. Essa postura é um perigo, pois relativiza um bem que é maior do que própria vida e costuma dar munição para quem despreza as liberdades civis.
"Como calar o ódio" é um trabalho muito interessante realizado pelo UOL TAB nesta semana, com texto, fotos, gráficos e vídeos tentando entender como chegamos a tal polarização e como o ódio cresceu exponencialmente em nossa sociedade nos últimso anos. Clique aqui para ler esse importante trabalho.
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