Com exageros e desequilíbrio, livro sobre Guns N' Roses cumpre seu papel
Marcelo Moreira
Antiprofissional, caprichoso, inconsequente, irresponsável. Mas também talentoso e, talvez, genial. Não sobra muito da imagem de Axl Rose naquele que é, possivelmente, o melhor livro já escrito sobre a carreira do Guns N' Roses.
O inglês Mick Wall, que divide as honras com também inglês Joel McIver e os americanos Marc Spitz e Philip Norman como os principais escritores dedicados à música e ao rock, é conhecido pelo estilo de jornalismo "interpretativo" – ou seja, interfere na narrativa às vezes de forma opinativa, às vezes como participante da trama e, principalmente, como elemento que tenta decifrar e "traduzir" o que se passa.
"Guns N' Roses – O Último dos Gigantes", recém-lançado no Brasil pela Globolivros, é uma obra que em nenhum momento ameniza o fato de o autor ter imensa admiração pela banda, o que não o impede de revelar todos os podres e de pesar a mão a respeito de Axl Rose, que se tornou dono definitivamente do grupo em 1993 e, como consequência, destruiu a reputação da banda com seu comportamento errático e narcisista.
Com farta documentação e tonelada de entrevistas, Wall elaborou a obra, no trecho mais importante (até a dissolução da formação original), com base nas entrevistas que fez com todos os membros quando era jornalista de revistas inglesas.
Praticamente acompanhou o nascimento do grupo e a explosão do sucesso e não economiza nos adjetivos positivos para qualificar a banda como a grande coisa do rock dos anos 80, um fenômeno que claramente se igualaria em termos de importância a gigantes como Rolling Stones, Aerosmith, Black Sabbath e AC/DC.
E essa veneração é um dos pontos falhos da narrativa. Wall superestima demais o Guns N' Roses, colocando muito acima do que ele realmente foi – um a boa banda de hard rock, que fez imenso sucesso, mas que tem uma produção musical diminuta, esquálida – cinco álbuns de estúdio em 32 anos de carreira, sendo um de versões de outros artistas.
Ainda que o Guns tenha sido um fenômeno localizado de vendas e tenha tido um forte impacto com o excelente álbum "Appetite for Destruction", de 1987, alçar a banda como um dos "gigantes" é forçar demais a barra, por mais que ele valorize a qualidade das músicas feitas nos anos 80 e a "atitude rock" que o quinteto tinha, com seus excessos em todos os quesitos – sexo, drogas, bebidas, prisões, babaquices, comportamentos infantis e todo o pacote completo de bizarrices roqueiras.
Wall derrapa também quando deixa o texto deliberadamente desequilibrado, sendo mais favoravelmente a Slash e Duff do que a Axl – mas pelo menos ele não disfarça isso, relatando que teve problemas com o cantor em determinado fato narrado no livro que envolve também integrantes do Motley Crue.
Na parte principal e mais importante do livro, as principais fontes são as entrevistas feitas com Slash entre 1987 e 1993 e entrevistas da época e recentes com membros da parte administrativa da banda, como os ex-empresários Alan Niven e Doug Goldstein, que viraram desafetos de Axl, apesar de o último ainda nutrir bons sentimentos em relação ao cantor.
E tome então uma profusão de fatos em que Axl é o protagonista de vexames como atrasos monumentais para subir ao palco, quando não cancelava o show na iminência de começar por puro capricho.
Também realça o comportamento bipolar no relacionamento com os músicos e com a equipe até mostrar Axl como um ditador mimado e maníaco por controle de tudo até o ponto de exasperar todo mundo.
Apesar de ser mais condescendente com o resto da banda – Wall deixa claro que o vocalista foi o responsável principal pela derrocada da banda -, sobra bastante sujeira para Slash, Duff McKagan e Izzy Stradlin, além de Steven Adler.
Em resumo, fica claro que o mergulho profundo de todos nas drogas e na bebida em níveis assustadores foi o pretexto para que Axl tomasse conta de tudo e se tornasse o verdadeiro chefe, a ponto de ameaçar não fazer um show em Barcelona, em 5 de julho de 1993, caso Slash e Duff não assinassem um documento lhe transferindo o controle total da banda e os direitos do nome Guns N' Roses. Em decisão absurda que seria lamentada anos depois, os dois cederam e assinaram.
O livro de Wall é um bom retrato do que foi o Guns (mesmo com seus incompreensíveis exageros) e a cena do hard rock dos anos 80 e 90.
Ele também consegue fazer um painel de época satisfatório em relação à música pop, contextualizando os fatos e mostrando como a indústria do entretenimento era dominante e poderosa, tendo grande responsabilidade no estouro do grupo, por mais que seus dois ex-empresários valorizem demais suas próprias atuações.
"Guns N' Roses – O Último dos Gigantes" cumpre a sua função e consegue dar conta de retratar com competência a carreira fulminante e imensamente decadente de uma das grandes bandas dos anos 80.
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