PJ precisa saber disso
Debora Oliveira, especial para o Combate Rock
Depois de uma péssima experiência no Cine Jóia (na qual essa que vos escreve e o editor deste blog, Maurício Gaia, ficamos full pistola, como se diz na internet), no último show do Explosions In The Sky no Brasil (Novembro/2015), com cerveja a preço exorbitante, som ruim, público alheio à banda e a sorte do camarote estar liberado (onde o som estava um pouco melhor, mas não ideal), prometi a mim mesma que não iria a mais nenhum Popload Gig.
Mas Lúcio Ribeiro brinca com nossos corações indies e trouxe uma das maiores, senão a maior representante do rock alternativo das últimas décadas: Polly Jean Harvey. Dada a situação econômica e política do país, o valor do ingresso para assistir a artista britânica estava aquém das posses dessa pobre colaboradora. Chorei as pitangas com quem pude, mas infelizmente não rolou. O que não contávamos era que em iniciativa inédita, PJ Harvey faria uma apresentação extra um dia antes do festival, pelo Popload Social. Para garantir o ingresso, bastava se inscrever no site de vendas de ingressos do festival e escolher uma ação voluntária, que variava entre doar sangue e fazer divulgação de ONGs parceiras, como o Move Institute e a Revista OCAS. Quando tentei, os ingressos já haviam obviamente se esgotado, mas havia um aviso para tentar os remanescentes de quem não conseguisse cumprir a ação. Num golpe de sorte, consegui. E domingo pela manhã, estava eu lá, na Paulista, junto com umas duas dúzias de trintões, trabalhando para garantir o passe para o grande espetáculo que viria. Que seria bom, nós sabíamos. Não sabíamos que seria histórico.
Na entrada do Teatro Bourbon, o clima era solene. Lúcio Maia, Fábio Massari, Cris Couto, Rodrigo Brandão e outras figuras importantes da cena musical estavam por lá (aproveitei para agradecer ao Massari por sua importância na minha formação musical. Ele me respondeu que eu era jovem demais, mas mal sabe ele que por trás dessa cara de adolescente irresponsável há boletos e filhos pra criar).
Alexandre Matias foi certeiro: um show dessa importância e desse porte não poderia acontecer em outro lugar. O som chegou perfeito em todos os lugares da casa; e apesar de em alguns lugares mal ser possível conseguir enxergar o rosto de PJ, o clima de êxtase era geral.
O espetáculo começou com "Chain of Keys", de "The Hope Six Demolition Project", seu último álbum. PJ e banda adentram o palco em formação, similar a uma banda marcial, com a cantora ao centro da fila. Durante os momentos instrumentais, PJ mantinha-se junto a banda, como que deixando muito claro que não havia uma estrela ali. E quando PJ canta, nenhuma surpresa: sua voz é tão perfeita e afinada quanto em seus álbuns de estúdio. Certamente, o ambiente contribui para que todos ali presentes possam comprovar com os ouvidos aquilo que seus olhos parecem não acreditar. Alguns acompanham com as mãos e os pés, tímidos, numa tentativa de curtir aquele momento épico sem atrapalhar uma quase catarse coletiva. Uma verdadeira experiência rock'n'roll, com toda a qualidade que nós, idosos com mais de 30, esperamos e merecemos. Mas em "50 Ft Queenie" (do álbum "Rid Of Me", de 1993), foi impossível segurar. Fomos levados imediatamente aos anos 90. Em "Down By The Water" (de "To Bring You My Love"), arriscamos uma segunda voz. Quase acendi meu isqueiro.
A banda dividiu-se em diferentes formações, contando por vezes com mais de uma guitarra, saxofones, teclados, duas baterias com seus componentes divididos, flautas e violinos. Antes do fim, a cantora agradece, em português, dizendo "obrigada!" e apresenta sua banda, integrante por integrante. Não queremos acreditar, mas o show termina com "River Anacostia" ("The Hope Six Demolition Project"), com o vocal majestoso de PJ acompanhado por sua banda, que lembra um cerimonioso coral. Com todos a frente do palco, PJ e banda recebem os aplausos empolgados e agradecidos da plateia. Palmas, alguns gritos, muitos assovios e aquele ar de quem não acreditava no que acabara de presenciar. Em formação, retiram-se do palco. A plateia segue aplaudindo. Queríamos bis, claro, mas se ele não acontecesse, estaríamos felizes, muito felizes, mesmo assim. Alguns músicos voltam ao palco, a plateia comemora, e PJ retorna, encerrando dessa vez com "Near The Memorials To Vietnam And Lincoln" (THSDP) e "The River" ("Is This Desire"). Banda e PJ batem em retirada. Não tem re-bis. Não precisa. O que presenciamos ali ficará em nossas memórias por um longo tempo.
E PJ precisa saber disso. Precisa saber que esse show foi histórico.
(Em notas não relacionadas, vale a leitura: 2001 – Uma Odisséia Indie Pobre, do escritor Ricardo Terto)
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