Em estreia memorável, Guns N' Roses renonava o rock há 30 anos
Caio de Mello Martins e Ricardo Gozzi – publicado originalmente no site Roque Reverso
Destrutivo. Irresponsável. Ofensivo. São adjetivos que podem perfeitamente ser usados para descrever várias das primeiras estrelas do rock: Elvis, Jerry Lee Lewis, Chuck Berry eram grandes misóginos que viviam suas vidas e compunham suas músicas baseados na impetuosidade implacável de suas personas regadas a muita testosterona.
Estes ícones fundadores do rock ganharam projeção graças aos seus egos incontroláveis, cuja força libidinal era caudalosa demais para as frágeis barragens da civilização ocidental do pós-guerra, careta e recatada.
Jovens há décadas se fascinam pelo rock por reconhecerem nele os monstros que habitam nossas profundezas: o desejo, a violência, o ódio, o poder. Por isso podemos dizer, sem medo de errar, que "Appetite For Destruction" foi a última grande declaração do rock n' roll, sem sutilezas ou recalques — e muito menos sofisticação.
Em músicas como "It's So Easy", "Night Train" e "Anything Goes", não há medida para os delírios de sexo e drogas de Axl Rose. Não tem nada de sugestão ou sedução: ele vai submeter quem for à sua necessidade latejante por algo que possa inebriá-lo por algumas horas, até que o apetite se renove. Por outro lado, é um grande engano fechar os olhos para o lado animal do ser humano.
Ocasionalmente, Axl reflete sobre a futilidade de competir com outros milhões pelos sonhos de fama e dinheiro, e sobre a maneira fútil com que pessoas se corrompem apegando-se à ilusão de serem predestinadas à glória. Axl sabe do sacrifício que é jogar o jogo, mas aposta alto mesmo assim, como se sua vida não valesse nada.
Esse niilismo e essa auto-rejeição são reforçados pelo rock n' roll nada refinado tocado por Izzy, Slash, Duff e Steven, que ao misturarem a crueza dos Sex Pistols com várias referências do hard rock americano, produziram uma versão "farofa" daquilo que o Motörhead havia criado dez anos antes.
Entre o lançamento em 1987 e o início da escalada nas paradas, "Appetite for Destruction" levou mais de um ano. Quando o público o descobriu, o efeito foi explosivo, tanto é que "Appetite" é até hoje o álbum de estreia mais vendido da história. Guns N' Roses foi a única banda de Hair Metal a sobreviver à onda grunge sem um arranhão, carregando apenas um álbum de inéditas debaixo do braço. Isso diz muito sobre seu caráter atemporal.
Estreia notável
O primeiro disco da banda californiana inspiraria, a partir de 1987, toda uma nova geração de roqueiros e prepararia o terreno para a última leva de que se tem notícia de grandes do rock surgindo a rodo, no início da década de 1990.
"Appetite for Destruction" veio ao mundo em um daqueles momentos pouco raros, nos quais pseudo-sábios de todas as vertentes decretavam o rock como um estilo morto e sepultado. Estavam errados de novo! Já não era a primeira vez. E continuarão errados por muito tempo!
A morte do rock seria a morte da rebelião. Num mundo desigual como o nosso, é improvável que a rebelião saia de cena tão cedo, por mais sufocada que seja.
Aos primeiros acordes de "Welcome to the Jungle", era possível saber estar diante de algo grandioso, mesmo tendo ainda apenas 12 ou 13 anos de idade na época.
Vieram então "It's So Easy", a arrebatadora "Nightrain", "Out Ta Get Me" e "Mr.Brownstone". "Paradise City" encerrava o primeiro lado da fita.
Em seguida a vez de "My Michelle" e "Think About You", da pegajosíssima "Sweet Child O'Mine", da ensandecida "You're Crazy", da sacana "Anything Goes", da épica "Rocket Queen".
Um disco envolvente, autêntico, genial. O rock se renovava, como acontece sempre.
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