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Autobiografia de Andy Summers, do Police, é divertida, mas decepciona

Combate Rock

28/07/2017 07h00

Marcelo Moreira

Andy Summers (FOTO: DIVULGAÇÃO)

No ano em que a banda The Police comemora 40 anos de sua criação, eis que um dos produtos que poderiam ser dos mais interessantes que chegam ao mercado frustra de tal forma que suscita a pergunta: será que seus ex-integrantes têm algum interesse em comemorar alguma coisa?

No ano que marca também os dez anos da última e definitiva reunião para uma turnê, os fãs estão se contentando, por enquanto, com a reedição no Brasil e na Europa da autobiografia do guitarrista Andy Summers, "One Train Later" – a edição brasileira é da Editora Neutra, com ótima tradução, ms que manteve o título em inglês.

O livro é instigante e bem escrito, originalmente lançado em 2006, e sem a necessidade da ajuda de um jornalista ou escritor profissional para dar apoio.

Se por um lado o texto é bom e flui bem, com bastante humor e  impressões afiadas, a conclusão é decepcionante por conta de tudo o que foi narrado com sinceridade cortante e observações agudas e diretas sobre diversas situações.

O maior ponto positivo, e que torna a leitura necessária para quem gosta de rock, é mostrar a trajetória de um músico inglês veterano, amigo de gente como Eric Clapton, Eric Burdon e Jimi Handrix, mas que só foi estourar mesmo em 1978, aos 36 anos de idade, ao lado de dois músicos mais jovens (era dez anos mais velho do que Sting e Stewart Copeland, seus companheiros no Police) e com experiências de música e de vida bem diferentes.

O livro vale pelo período de vida Summers entre 1964 e 1977, quando o guitarrista penou por bandas obscuras e bandas outra famosas, mas em decadência.

Mesmo com um humor sarcástico e autodepreciativo – ele não poupa amigos, ex-amigos, ex-namoradas e ex-qualquer coisa -, é interessante ver o quanto foi difícil a sua caminhada, principalmente quando ele adentra aos anos 70 casado e pobre, tendo que dar aulas de guitarra para ganhar alguns trocados na Califórnia.

Chega a ser comovente seus relatos dos anos de penúria, mesmo tendo tocado em uma versão de The Animals, com o então amigo Eric Burdon, e com o Soft Machine, de Kevin Ayers.

Ao mesmo tempo, ainda que com momentos depressivos, serve de inspiração a forma como perseverou na música em busca do sonho do estrelato – ou, ao menos, de uma forma de viver dignamente de música, ainda que em bandas de menor expressão ou como apoio a astros.

Quando se esperava que a coisa iria mudar, assumindo o posto de guitarrista de Neil Sedaka e depois de Kevin Ayers (ex-Soft Machine, curiosamente o músico que ajudou na demissão de Summers desta banda), nada acontecia, para sua exasperação e frustração.

Foram precisos maia alguns anos de vacas magérrimas  em Los Angeles e Londres para que houvesse uma luz pequenina no final do túnel.

Enquanto isso, reconhecido como ótimo guitarrista por músicos amigos e empresários, como Eric Clapton e Robert Fripp (King Crimson), aproveitou para estudar ao máximo e criar o próprio estilo.

Culto e inteligente, apaixonado por literatura e religiões orientais, além da música brasileira, agregou muita informação aos seus trabalhos e frequentemente era o farol intelectual das bandas com as quais tocou.

Ao contrário do que todo mundo pensa, a formação do Police não representou a grande mudança para Summers, ao menos no começo. Ele, Copeland e Sting finalmente resolveram se juntar em 1977 após alguns desencontros, mas tiveram de ralar muito para conseguir contratos e  gravar os primeiros álbuns, enquanto tocavam em espeluncas e para pouca gente em plena efervescência punk.

O estilo de tocar guitarra ficou mais refinado, mas bem mais contido no Police por conta da ideia de aderir ao movimento punk. Ainda que o som do trio fosse rápido e veloz, rapidamente as canções autorais de Sting mostravam um lado melódico e pop de alta qualidade.

Foi então que o som da banda se delineou com as assobiáveis "Roxanne" e "Can't Stand Losing You", que deram a partida para o estrelato ao trio.

E o que deveria ser o auge do livro acaba decepcionando. Summers, parecendo ter pressa de terminar o livro, passa de forma superficial sobre os anos mais importantes de sua tardia carreira de sucesso, preferindo dar detalhes curiosos, mas irrelevantes, sobre o dia a dia das turnês americanas do que destrinchar os motivos que catapultaram o Police ao sucesso absoluto após o terceiro álbum, "Zenyatta Mondata".

Por conta disso, apenas esbarra na questão da separação do trio, ao final de 1983, após seis anos de convivência. O guitarrista relata os momentos de tensão crescente, mas não a explica.

The Police em 1980: da esq. para a dir., Andy Summers, Sting e Stewart Copeland (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Reclama da falta de espaço e da dominação artística de Sting, o principal compositor – Summers reconhece o inegável talento do colega baixista e vocalista para compor, e que suas canções eram melhores, mas se ressente da falta de espaço para emplacar suas músicas e para fazer seus amados solos de guitarra de inspiração jazzística.

De forma melancólica, a prosa boa e interessante do guitarrista fica seca e desidratada ao mencionar de forma sucinta as atitudes de Sting em direção a uma carreira solo e o consequente fim da banda, ao mesmo tempo que narra sem paixão a retomada do casamento após quatro anos de divórcio. E o livro termina  em 1986, justamente neste ponto.

Ainda está por ser escrita a boa e definitiva história do Police, que certamente foi uma das grandes bandas pop da história, rivalizando em alguns pontos com a trajetória dos Beatles e dos Rolling Stones.

"One Train Later" diverte, mas não encanta, acabando por frustrar ao final. Os 40 anos de criação do Police merecem bem mais do que isso.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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